Como a flexibilização da política de Covid-Zero na China ajuda o Brasil
A China é o nosso maior parceiro comercial, assim a normalização da sua economia ajuda na balança comercial brasileira. Especialistas no tema explicam
A China começa a enfrentar a difícil tarefa de fazer a transição da política de Covid-Zero, após três anos intensos de testes em massas, quarentenas rigorosas e bloqueios de grandes cidades. As mudanças no país mais populoso do mundo chegam após uma série de manifestações contra o confinamento e uma perda de fôlego da economia.
O abrandamento das restrições – com a reabertura dos estabelecimentos e a flexibilização das exigências para a circulação de pessoas – traz um alívio para a economia do planeta com o aumento das expectativas para que a China volte a crescer de forma robusta.
A estrategista de ações da XP, Jennie Li e o economista e CEO da Veedha Investimentos, Rodrigo Marcatti, concordam que esse retorno ao normal na segunda maior economia do planeta já traz impactos positivos para a atividade no Brasil e no mundo.
“Um dos motivos pelo qual a gente sentiu tanto impacto foi justamente a hora que a China paralisou os portos, a logística, a produção. Então, isso afetou diretamente a inflação naquele primeiro momento. Uma aceleração mais forte na China agora vai causar reflexo no mundo todo, principalmente nas economias que têm maior relação comercial, como é o caso do Brasil”, explica Rodrigo.
“O país já está há 3 anos em lockdown e/ou medidas bem restritas, ou seja, veríamos a volta de uma demanda reprimida por todo esse tempo versus o resto do mundo que teve uma demanda reprimida por apenas alguns meses. Um exemplo que podemos citar é a volta forte de viagens que podem estimular as economias mais dependentes de turismo, como a Europa”, afirma Jennie Li.
Exportações do Brasil para a China
O país asiático é o nosso principal parceiro comercial, mas com a política de combate a Covid houve uma desaceleração das nossas exportações para lá. Entre janeiro e novembro deste ano, as vendas brasileiras para a China cresceram apenas 0,2% (US$ 84,8 bilhões).
O resultado menor derrubou a participação do país na balança comercial brasileira de 32,1% em 2021 para 27,6% neste ano. Os dados são da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério da Economia.
Os cinco principais produtos exportados pelo Brasil para a China registraram queda nos onze primeiros meses deste ano. O maior impacto foi no minério de ferro – com queda de 38,3% nas vendas. Em valores, as exportações da commoditie despencaram de US$ 27,2 bilhões no ano passado para US$ 16,8 bilhões em 2022.
Os outros produtos que tiveram queda nas exportações são:
- carne suína congelada (-26,6%);
- couro (-28,7%);
- gorduras e óleos vegetais (-18,9%) e
- outras carnes e miudezas (-36,41%)
Por outro lado, a importação de soja do Brasil pela China aumentou 18,5% entre janeiro e novembro deste ano, na comparação com o mesmo período de 2021.
Para Rodrigo Marcatti, a queda na demanda interna chinesa – um dos principais compradores de commodities do mundo – fez com que o Brasil perdesse essa importante fonte de receita. Mas a reabertura, pode reverter essa perda de ritmo a depender de como ela será feita pelo governo chinês.
“Como a gente [Brasil] é um grande exportador de commodities, se elas continuam se valorizando, acaba impactando de forma positiva todas as cadeias. Ou seja, você tem uma melhora na balança comercial, na conta corrente, na economia brasileira como um todo. Mas aí estamos imaginando se de fato eles [China] tiverem uma política muito mais flexível em relação à Covid e criar estímulos para acelerar a economia nos patamares – pelo menos, média, dos últimos dez anos. Se for só uma melhora marginal, acho que demora mais para a gente conseguir sentir algum impacto maior.”
Impacto na economia global
Para a estrategista de ações de XP, uma recuperação na atividade econômica e na demanda da China também será positiva para uma economia global que enfrenta crescentes riscos de recessão devido à alta da inflação e do custo de vida.
“A recuperação da economia chinesa pode ser um grande impulsionador para a economia global, em um momento que os EUA e a Europa correm o risco de entrar em recessão. No entanto, essa reabertura não deve ser linear.”
Ainda segundo ela, à medida que as restrições de mobilidade são flexibilizadas, provavelmente teremos um aumento de casos de Covid no país, pessoas que então deixariam de trabalhar por conta disso, com talvez alguns fechamentos mais pontuais em regiões mais afetadas, e mais algumas disrupções nas cadeias de suprimentos como consequência.
“Portanto, não acho que seria uma reabertura rápida, provavelmente veríamos um abre-fecha como já aconteceu no resto do mundo ao longo dos últimos dois anos enquanto reabrimos as economias”, explica.
Jennie Li alerta, no entanto, para um repique ainda maior da inflação no cenário mundial. “Um dos cenários possíveis é termos mais um ‘choque inflacionário’ com uma forte volta de demanda global vindo da China, além de disrupções nas cadeias se os casos de Covid voltarem a aumentar e a China decidir fechar algumas fábricas, por exemplo, para controlar esses casos”.
Reflexo no mercado financeiro
Com as primeiras notícias de retorno à normalidade, as cotações de commodities como minério de ferro e petróleo começaram a avançar. A China demanda muito desses produtos no mercado internacional. Essa melhora já pode ser vista na alta das ações de empresas exportadoras como a Vale e a Petrobras.
“As empresas de mineração e siderurgia foram as que mais se destacaram com a volta da China, e acho que as empresas de commodities podem se beneficiar desse movimento de reabertura.
Também temos nos posicionado em empresas exportadoras com exposição a dólar, em um momento de bastante incerteza fiscal local, para proteger dos riscos mais voltados para o doméstico”, diz a especialista da XP.
No entanto, esse aumento de demanda pode gerar uma escalada nos preços de combustíveis. Uma vez que o petróleo fica mais caro, sobe os preços dos combustíveis aqui no Brasil. Um reflexo direto na nossa inflação que já está em 5,90% nos últimos doze meses.
Entenda o dilema chinês
Três anos após o primeiro caso de Covid-19 em Wuhan, a notícia do abrandamento das restrições pelo governo chinês leva os formuladores de política econômica do país a um dilema: como conviver com o vírus e manter a economia em rápido crescimento?
Segundo especialistas, o desmonte da política de Covid-Zero pode levar a um aumento das infecções, forçando trabalhadores a se isolar em casa. Na outra ponta, as empresas podem ficar sem suprimentos, o comércio perder força e os hospitais voltarem a ficar lotados. Apesar do otimismo de que a economia vá se recuperar à medida que o país se abre para o mundo, os próximos meses podem trazer uma certa volatilidade.
Para este ano, a expectativa do governo chinês é que o Produto Interno Bruto (PIB) cresça 5,5%. Enquanto isso, as projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) apontam para um avanço bem menor de 3,2%.
“Se houver uma reabertura, podemos ver uma recuperação do crescimento econômico da China em 2023 depois de um ano de 2022 que desapontou bastante. Porém podemos demorar um pouco para ver uma forte recuperação refletida nos dados econômicos”, projeta Jennie Li.
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