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Cristina Betts, do Iguatemi: profissionalização da empresa deve considerar a família controladora

Em entrevista ao B3 Convida, Cristina Betts, CEO do grupo Iguatemi, conta os desafios do mercado de shoppings no Brasil e como a empresa superou crises

Cristina Betts assumiu o desafio de ser a primeira mulher a liderar o grupo Iguatemi, que atua no planejamento, desenvolvimento e administração de shopping centers há 44 anos. Além do pioneirismo da questão de gênero, coube também a ela suceder um executivo que era membro da família fundadora da empresa.

Para Betts, a profissionalização da companhia precisa levar em conta os acionistas controladores para que este processo seja tranquilo. Também apontou que a excelência nos serviços prestados é prioridade para a companhia. “O luxo se traduz em uma boa experiência: uma experiência diferenciada”, disse.

Na edição desta semana do B3 Convida, a executiva também falou sobre como o Iguatemi superou sucessivas crises em seus anos de atuação, a cultura da empresa e quais os diferenciais da sua gestão, entre outros. Confira!

Como alinhar o propósito na cultura de uma empresa que conta com uma equipe enorme, até mesmo com mão de obra terceirizada?

Nossa rotinas são muito pré-determinadas. Nunca nada é por acaso. O luxo do serviço vem da disciplina da execução. Quando entrei no Iguatemi, fui visitar todos os nossos shoppings. Eles têm uma rotina incrível de manutenção diária. De manhã, o líder da equipe fala o que vai acontecer durante o dia, o que aconteceu ontem e o que deve acontecer amanhã. Aí, eles fazem a ronda para arrumar tudo que seja possível no paisagismo, limpeza e maquinário para garantir que o shopping esteja impecável quando abrir. Todo dia é a mesma coisa. Nós dizemos que temos o plano A, B, C, D e E. 

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Nós temos um sistema chamado Cards. Como nossa empresa lida com espaços públicos, não dá tempo de pensar caso alguma coisa saia do esperado, então já existe um roteiro pronto para todas as situações. Essa disciplina de colocar as coisas no papel, fazer e executar todos os dias, na hora que [o imprevisto] acontece, é mais fácil.

Tudo isso não é por acaso. Uma das grandes fortalezas da nossa companhia é a execução, e ela vem exatamente dessa disciplina. Quando algo não dá certo, nós olhamos e colocamos no nosso roteiro. Também há esse aprendizado contínuo para que tudo fique cada vez melhor.

O que você fez de diferente quando assumiu como CEO?

Estou na companhia há 15 anos e fui CFO durante 13. Portanto, tive a oportunidade de gerenciar outras áreas quando me tornei CEO. Foi uma transição tranquila em uma empresa que eu já conhecia e com pessoas que me conheciam. Todo mundo já tinha esse relacionamento comigo.

Eu assumi a cadeira depois da pandemia. Consequentemente, os resultados estão com a barra um pouco baixa. Assumi em janeiro de 2022 e 2020 e 2021 foram anos super difíceis. A gente fez um trabalho em equipe muito importante, e o recorde de vendas tem a ver com a resiliência da empresa, que está focada em um segmento mais resiliente.

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Mais importante que o trabalho de vendas é um trabalho que garanta a sustentabilidade do negócio por muitos anos, como a sucessão da família e a implantação de uma nova governança na companhia. Uma vez que um acionista controlador não está mais na cadeira de comando e só no conselho, precisamos saber como a gente faz para que tudo isso aconteça de forma harmônica.

Quando a gente fez a reestruturação da companhia e a sucessão da presidência a gente se comprometeu a reforçar o conselho de administração suportado por vários comitês que não tínhamos antes, e não com menos independência. 

Isso garante uma rotina. Hoje, temos uma gestão 100% profissional que permite uma perenidade mesmo que um membro da família não seja o CEO.

Isso traz segurança para o investidor, né?

Sim! Se alguém da família disser: ‘não quero mais’, e a gente não tivesse essa experiência de ser uma empresa 100% profissional, talvez a gente estivesse patinando.

Com essa transição, e como todo mundo se conhece, a gente consegue fazer ela de uma maneira tranquila, com todos os mecanismos funcionando. Certamente, as próximas gerações terão um futuro mais tranquilo.

Conte um pouco sobre a lógica por trás de trazer acionistas para a Iguatemi

A abertura de capital em 2007 foi um marco para Iguatemi. O dinheiro foi coletado e colocado para trabalhar. Haviam vários planos para fomentar o crescimento da empresa. Eu cheguei na companhia um ano depois, em 2008.

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Foi a partir do final de 2007 que a empresa iniciou o hábito de conversar com o mercado, passar as informações necessárias e ter um relacionamento com o investidor. Fomos criando uma nova maneira de se relacionar com os diferentes acionistas da companhia e foi muito legal porque a gente aprende muito com essas conversas.

Os nossos minoritários também investem em outras companhias, empresas do nosso setor e de outros países. É óbvio que a gente tem a responsabilidade de aprender e prestar contas. Mas a gente não só usa o dinheiro do investidor para crescer, como também aprender. 

Quanto o Iguatemi cresceu com o apoio dos investidores?

Quando fizemos a abertura de capital, o IPO, nosso EBITDA era de R$ 69 milhões. Neste ano, nosso guidance é de mais de R$ 800 milhões. Já temos 16 shoppings, e naquela época tínhamos oito. Realmente, é um crescimento incrível. Em 16 anos, o Iguatemi se tornou outra companhia.

A gente tem muita capacidade de atender ao público de média e alta renda, com shoppings que sejam de qualidade em centros urbanos. Quando a gente compra ou cria um ativo novo, sempre fazemos com esse propósito. Quando fazemos um shopping novo, existe uma qualificação no entorno muito relevante, como a calçada, os prédios e a iluminação das ruas.

Como foi a pandemia para o negócio?

Dois dias antes do lockdown, eu estava num restaurante do Iguatemi almoçando com a família controladora. Dois dias depois, fechou tudo. A gente não tinha o que fazer, não tinha infraestrutura! As pessoas nunca nem tinham trabalhado de casa. Hoje, parece ridículo. Mas lá atrás, trabalhar com Zoom à distância parecia a Nasa: uma coisa que a gente nunca tinha vivido. 

Quem sofre junto, permanece junto. A gente teve um período muito intenso, mas a boa notícia era que era um time muito unido e conhecedor do que estava acontecendo. Tínhamos longas reuniões sobre o que iríamos fazer. A gente teve muita reunião com os acionistas, funcionários e lojistas por uma questão de empatia. 

Tivemos uma política muito ágil de como lidar com os lojistas, que foi prioridade. O que vamos fazer com aluguel, condomínio, o que vai e o que não vai ser cobrado etc. E essa comunicação foi de lojista a lojista, muito presente e muito pessoal. Na crise, isso faz muita diferença. 

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