Entenda a importância da visita de Lula à China, maior parceiro comercial do Brasil
Presidente se reúne com o mandatário chinês, Xi Jinping, na sexta-feira, 14/04, para tratar das relações comerciais e assinar acordos de cooperação entre os dois países
Estreitar os laços econômicos e reconstruir as relações internacionais com o maior parceiro comercial do país. Esses dois pontos são os principais objetivos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e sua comitiva com mais de 40 políticos e parlamentares que viajam para a China. O embarque na manhã desta terça-feira, 11/04, estava previsto para ocorrer no final de março, mas foi adiado por conta de problemas de saúde enfrentados por Lula.
A ida ao gigante asiático completa a agenda oficial do presidente brasileiro aos três maiores parceiros comerciais do país nos três primeiros meses de governo – Lula também visitou os Estados Unidos e a Argentina. Do lado chinês, o presidente brasileiro será o primeiro chefe de Estado a ser recebido pelo mandatário do país, Xi Jinping, desde que ele foi novamente reeleito pela Assembleia Popular Nacional, o parlamento do país, no mês passado. O encontro entre Lula e Xi será na sexta-feira, 14/04.
A consolidação do papel de liderança do Brasil na América Latina e entre os países emergentes é uma das pretensões que Lula quer trazer na bagagem. O economista-chefe da Valor Investimentos, Piter Carvalho, explica que também está na lista de prioridades políticas do governo brasileiro apagar problemas diplomáticos causados pela gestão anterior.
“A China sabe que o governo atual é muito mais diplomático e sem aquela oscilação do governo anterior. Isso facilita bastante para a China, que também deve usar essa diplomacia para aumentar mais a sua presença na América do Sul. Nós precisamos deles e eles de nós. O país perdeu no passado muitas oportunidades, por isso hoje tem muitos empresários no país refazendo negociações que deixaram passar”.
Por que a China é importante para o Brasil?
A China é o principal comprador de commodities brasileiras e tem ampliado os seus investimentos no país em áreas como energia, tecnologia e indústria automobilística. O Brasil quer ampliar essas relações econômicas já construídas e aumentar a gama de produtos para venda no gigante asiático. Há também 20 acordos prontos para assinatura entre os dois países nas áreas de saúde, agricultura, educação, finanças, indústria, ciência e tecnologia.
Um dos mais esperados é o da construção do CBERS-6, primeiro satélite sino-brasileiro para monitoramento da superfície da Terra, com foco em florestas. O diferencial da tecnologia é permitir o acompanhamento dos biomas – como o Amazônico – mesmo com nuvens. O governo ainda espera investimentos chineses em programas brasileiros de combate à fome, proteção ao meio ambiente e desenvolvimento sustentável.
Na China, Lula também participa da cerimônia de posse da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) como presidente do banco do Brics – bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Comércio Brasil e China
As relações comerciais entre os dois países completaram cinco décadas em 2023. A primeira venda aconteceu em 1973 e no ano seguinte, foram formalizadas as relações diplomáticas sino-brasileiras. No entanto, foi em 1997 que o comércio entre os dois países começou a ganhar força, segundo a série histórica do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
Em 1997, a China importava muito menos produtos brasileiros que os outros dois parceiros comerciais que eram a União Europeia e os Estados Unidos. A partir daí os chineses vem num crescimento vertiginoso – que ultrapassou as vendas para os norte-americanos em 2009 e para a UE em 2012. Hoje eles são disparados o nosso maior parceiro comercial.
Os números envolvendo as negociações com a China cresceram muito desde a primeira visita oficial do presidente Lula ao país, em 2004. De lá para cá, as exportações do Brasil para os chineses saltaram de US$ 6,2 bilhões naquele ano para US$ 22,8 bilhões em 2009 (segunda visita de Lula) e atingiram US$ 90,7 bilhões em 2022. Só nos dois primeiros meses deste ano, as exportações brasileiras para a China já atingiram a marca de US$ 21,2 bilhões.
EXPORTAÇÕES DO BRASIL PARA CHINA (SÉRIE HISTÓRICA)
Fonte: MDIC
As commodities agrícolas e minerais praticamente dominaram a pauta de exportações no ano passado. O carro-chefe foi a soja com 36% de tudo o que foi embarcado. Depois vieram o minério de ferro (20%) e o petróleo (18%). A carne bovina brasileira também tem como principal destino o país asiático, com compras de US$ 8 bilhões por ano.
Pelo lado das importações, o movimento é proporcional. O comércio chinês com o Brasil avançou de US$ 1,5 bilhão em 1997, chegou a US$ 4 bilhões em 2004, US$ 16,4 bilhões em 2009 e atingiu US$ 61,5 bilhões no ano passado. Nos dois primeiros meses de 2023, os embarques chineses para o Brasil já marcam US$ 12,7 bilhões
O estrategista de comércio exterior do Banco Ourinvest e ex-secretário de Comércio Exterior, Welber Barral, afirma que mais do que reforçar os acordos comerciais já existentes, a viagem pode ajudar o Brasil a diversificar o cardápio de exportações.
“Grande parte da exportação do Brasil para a China é concentrada em soja e minério de ferro. Então, apesar de ser o primeiro parceiro comercial, há pouca diversidade nos embarques brasileiros. Já a China é um grande importador também de insumos, inclusive de produtos de consumo. O Brasil tem a expectativa de poder, inclusive, aumentar as exportações – principalmente para nichos de mercado na China. Há uma expectativa também de que os chineses possam investir no Brasil – principalmente em grandes projetos de infraestrutura”.
Para Piter Carvalho, apesar dessa parceria com a China, o Brasil ainda é muito fechado comercialmente e perde oportunidades de acordos e parcerias. Diante disso, o país precisa avançar em uma maior diversificação de produtos para exportação – principalmente itens mais prontos ou industrializados.
“O crescimento chinês está cada vez mais focado em serviços – diferente do início do século, onde o governo Lula aproveitou as exportações de commodities. A China agora está em outro nível, tem outras necessidades, principalmente um desenvolvimento que tende a igualar mais a sociedade. Resta ao Brasil se adaptar a essa nova pauta de necessidades chinesas e levar produtos não tão manufaturados, nem de ordem primária, mas principalmente produtos já prontos”.
China x EUA: e o Brasil com isso?
As duas maiores potências do planeta têm passado por um período de fortes turbulências e a tecnologia é um dos principais pontos de discórdia. Estados Unidos e China disputam a liderança no mercado de semicondutores – dispositivo que garante o funcionamento de smartphones, carros, computadores, equipamentos médicos e militares. Ambos os países são grandes produtores dos semicondutores, mas os chineses querem alcançar a posição dos americanos – que para evitar o protagonismo tem imposto restrições às exportações de tecnologia para a China e acusando-a de roubo de propriedade intelectual.
Welber Barral explica que o Brasil já foi prejudicado por conta dessa disputa entre as duas nações, mas pondera que é essencial que o país não escolha um lado nessa guerra tecnológica. “Essa disputa vai ser a marca do século XXI, sem dúvida. O Brasil foi afetado, inclusive, por algumas dessas questões de comércio de chips. É preciso tentar manter um bom relacionamento com os dois países, reconhecendo o alinhamento político que existe com os Estados Unidos, mas também a relevância da relação econômica com a China”.
Para o economista-chefe da Valor Investimentos, dificilmente o Brasil conseguiria produzir esse tipo de tecnologia para evitar ficar refém dessa disputa. No entanto é essencial tentar, pelo menos, atrair essas fábricas para o país.
“Muitas fábricas estão voltando para os Estados Unidos e o Brasil pode tentar trazê-las para cá, mas vai ser muito difícil. Nós não temos a tecnologia e nem a expertise nesse setor que é o suprassumo da tecnologia. Resta, então, que a gente seja amigo dos produtores para não ficar sem esse pequeno e importantíssimo produto para a indústria hoje”.
Guerra na Ucrânia: ocidente x oriente
A guerra entre Rússia e Ucrânia está na pauta da conversa entre Lula e Xi Jinping, segundo o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira. O presidente brasileiro se recusou a enviar munição para a Ucrânia e deve propor ao par chinês a criação de um grupo de países para mediar o fim do conflito.
“O Brasil possui uma forte força neutra e assim pode ter voz. Mas a guerra ainda não dá sinais de que deve parar tão cedo, principalmente pelo lado do governo russo”, afirma Piter Carvalho.
“O governo Lula tem pretensões de protagonismo internacional e isso tem a ver, inclusive, com a viagem recente do ex-chanceler Celso Amorim para a Rússia e a Ucrânia. O Brasil pretende voltar a ocupar um espaço importante no cenário internacional e o diálogo com a China, com os Estados Unidos, com a Europa é fundamental nesse sentido”, conclui o estrategista de comércio exterior do Banco Ourinvest e ex-secretário de Comércio Exterior.