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“O pior para o Lula seria ter juros altos em 2026”, avaliam ex-presidentes do BC, Loyola e Meirelles

Eleições nos EUA e autonomia do Banco Central também entraram em debate, além da repercussão do novo ciclo de alta da Selic

A retomada do ciclo de alta da taxa básica de juros, a Selic, de 10,50% para 10,75% ao ano em meio à transição no comando do Banco Central (BC) é descrita como um “remédio amargo” a ser adotado agora do que ser leniente com a expectativa inflacionária projetada para 2025 e 2026. Sem o aperto monetário neste momento, a economia teria efeitos negativos com a inflação e atingiria a imagem política do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em ano de eleições presidenciais. É o que avaliam os ex-presidentes do Banco Central, Gustavo Loyola e Henrique Meirelles.

“O ciclo da política monetária pode ter coincidência com o ciclo político em 2026”, observa Loyola. Ele espera que até lá a taxa Selic inicie uma gradual queda de juros, mas não no mesmo patamar de antes da pandemia. “Isso tem uma coincidência do ponto de vista político. O pior para o Lula seria ter juros altos em 2026. Então, é preferível fazer o trabalho agora, em condições menos adversas”, afirma.

A fala aconteceu durante a segunda edição do Painel Intrabank, na noite da quarta-feira (25/9). O impacto das eleições presidenciais dos EUA na economia brasileira e a autonomia do BC, entre outros pontos, também entraram em debate.

A alta da Selic deve continuar até janeiro do próximo ano e pode chegar ao patamar de 12%, segundo estimativa de Loyola, que também é sócio-diretor da Tendências Consultoria. “A partir daí, a inflação tende a cair. Eventualmente, no segundo semestre do ano que vem.”

Meirelles, que foi indicado por Lula ao comando do BC em seus dois primeiros mandatos, de 2002 a 2010, e foi ministro da Fazenda durante o governo de Michel Temer, segue na mesma linha. “Devemos levar em conta a cabeça de um político, independente dele gostar ou não do aumento de juros. Isso é um remédio amargo, mas necessário. Evidentemente isso não é apreciado por políticos e consumidores”, destaca.

Ele ainda ressalta que alguns sinais silenciosos de Roberto Campos Neto, atual presidente do BC, atraíram a desconfiança de Lula, que disparou duras críticas contra o aumento de juros no ano passado e começo deste ano. A missão do Copom, segundo ele, é afastar essa imagem com decisões técnicas e com comunicação mais clara.

“Esses episódios do Campos Neto, como ter votado com a camisa da seleção no dia das eleições em 2022 e alguns almoços com ministros do governo Bolsonaro, gerou um pé atrás no Lula, que começou a ver uma postura política”, analisa.

O indicado do governo ao BC, Gabriel Galípolo, deve passar por sabatina no Senado no dia 8 de outubro. “Qualquer subida de juros não será feita para prejudicar o Lula, mas para controlar a inflação e beneficiar o País”, destaca.

A inflação oficial, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), está em 4,24% no acumulado de 12 meses, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O desafio do BC é ancorar a inflação à meta de 3% ao ano e o instrumento monetário para isso é a taxa Selic. Isso em um momento em que o desemprego é o mais baixo em uma década e a renda média do trabalhador aumentou, o que mostra que a economia está aquecida e com hiato do produto positivo, ou seja, a economia trabalha acima do próprio potencial.

Galípolo e o BC

Os dois ex-presidentes destacam que o mercado financeiro acompanha com lupa cada passo de Galípolo a partir de agora. “A princípio, Galípolo está indo bem”, afirma Meirelles. “De fato, é trabalhar no sentido de que o BC vai cumprir a missão básica de controlar a inflação e não será leniente. Isso é importante. Os votos dele serão olhados com lupa. É aguardar como ele vai se posicionar daqui em diante, a diretoria também, não só o próprio Galípolo.”

Os analistas e economistas já esperavam a indicação de Galípolo, conforme Loyola, mas algumas desconfianças vieram à tona. “Quando um economista é indicado para presidir o BC ou compor a diretoria, o que fazemos no mercado é olhar a trajetória profissional dessa pessoa, olhar o que ele disse e o que escreveu. Quando Galípolo foi indicado, de fato, o mercado se assustou com alguns artigos que ele havia escrito, em que ele minimizava a questão da política monetária atribuindo um papel mais passivo e um ceticismo ao regime de metas da inflação”, ressalta.

+Alta da Selic ou queda dos juros dos EUA: o que impacta mais a bolsa brasileira e por quê?

Na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em maio, o colegiado ficou dividido entre os diretores indicados por Lula, que votaram pela queda da Selic, e os indicados por Jair Bolsonaro, que votaram pela manutenção da taxa. O resultado foi 3 votos contrários e 4 favoráveis à continuidade da Selic. A mensagem de divisão política gerou temores no mercado financeiro, mas logo foi superado por um consenso técnico e, desde então, as decisões do colegiado tem sido unânimes.

“Temos que colocar na balança essa postura do Galípolo até agora”, diz Loyola. “Pela minha experiência no BC, não só o brasileiro, mas no mundo, há certo peso na função. Quem está no BC tem uma reputação a zelar. Ninguém quer ser o responsável pelo aumento da inflação. Então, você veste a toga, a camisa de banqueiro central. Além disso, o mercado é impiedoso. Se o BC se desvia do regime de metas e se mostra leniente, as expectativas de inflação vão se agravar e o manejo da economia vai se complicar para o governo como um todo.”

Impacto das eleições dos EUA na economia

A corrida à Casa Branca nos EUA também gera preocupação. O dólar frente ao real, contudo, deve ser mais influenciado por questões domésticas brasileiras do que pela eleição americana em si, avaliam os ex-presidentes do BC.

Para Meirelles, a relação do Brasil deve ficar mais fácil em um eventual governo de Kamala Harris por causa do alinhamento político, o que seria diferente em um possível novo mandato de Donald Trump, que traz mais dúvidas em diversas áreas e não apenas para o Brasil.

 “A Kamala tem claramente uma agenda de distribuição de renda e está mais alinhada com o aspecto social. Por outro lado, o Trump quer taxar importações, mirando a China. Precisamos saber até que ponto ele vai taxar a importação de alimentos e produtos agrícolas, que é o que o Brasil exporta. Isso é o que deve ser levado em conta. Como o Trump, se eleito, iria regulamentar essa questão? O que ele iria taxar? O problema do Trump é estar pensando em usar recursos públicos, como judicial e policial, para perseguir adversários, ele fala isso claramente. Isso precisa saber se ele irá fazer de fato e em termos de manutenção da democracia americana.”

Loyola vê mais insegurança na economia global com eventual vitória de Trump do que com Kamala. “A questão fiscal é o que mais preocupa a médio e longo prazo. Nesse sentido, o ideal seria que um eventual governo democrata não tivesse maioria nas duas Casas ou o republicano. Porque junta a vontade de cortar despesa e, de outro, a ideia de aumentar, isso leva a um equilíbrio em que há uma solução de compromissos. Então, acho que o grande temor [de quem ganhar a disputa] é ter o controle das duas Casas do Congresso. Esse é o maior risco.”

Autonomia do BC

O projeto de lei que tramita no Congresso para dar autonomia financeira ao Banco Central deve consolidar a independência da autarquia. Porém, alguns pontos geram atenção e precisam ser mais discutidos, segundo os ex-presidentes, como o conceito de empresa pública e o possível efeito de “repercussão geral” para outros órgãos.

“Vemos o BC com dificuldade de dar respostas quando se pede, por exemplo, uma autorização de um banco, isso tem demorado mais do que o usual”, afirma Loyola. “Vários sinais mostram que o BC passa por um momento difícil. O projeto de lei me causa algumas dúvidas porque transforma o BC em empresa pública. Isso me preocupa. Quando a gente levanta as necessidades do BC, logo olhamos e vemos outros órgãos de similar importância que passam por dificuldades, como a CVM, que não tem orçamento, e a Susep também. Se o BC é agraciado, por que não a CVM e a Susep? A gente vai abrir uma caixa de pandora.”

O BC faz parte do orçamento da União e os funcionários estão em regime de carreira como servidores públicos, o que poderia mudar caso a autarquia ganhe autonomia financeira. “O BC seria uma empresa pública, criando um conceito novo”, observa Meirelles. “De qualquer maneira, cria-se um novo conceito sujeito a questionamentos jurídicos. O corpo de funcionários são estáveis por lei, no momento em que se transforma em uma empresa, eles serão sujeitos a CLT e gera uma crise extraordinária no BC”, conclui.

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