O que reforma do Carf tem a ver com seus investimentos
A reforma do Carf está inserida nos esforços do governo federal de atingir as metas de arrecadação estabelecidas pelo Arcabouço Fiscal
Por Guilherme Naldis
Uma das apostas do ministério da Fazenda para atingir as metas fiscais é a reforma do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), o tribunal administrativo que julga os conflitos entre a Receita Federal e os contribuintes. Na última quinta-feira, 21/09, o vice-presidente Geraldo Alckmin sancionou a Lei 14.689 de 2023 que determina, entre outras coisas, o retorno do voto de qualidade no Carf.
A medida, que faz parte de uma revisão do sistema tributário nacional, foi sancionada com 14 vetos à proposta original do Congresso Nacional. Contando com os trechos barrados, a nova lei deve favorecer a arrecadação em vez do contribuinte, segundo os especialistas ouvidos pelo Bora Investir. Por isso, a expectativa é que a reforma gere R$ 54,7 bilhões para os cofres públicos.
Apesar de complexo, a nova lei tem muito a ver com o mundo dos negócios e dos investimentos, já que pode mudar completamente o cenário fiscal do Brasil. Bora entender, tintim por tintim, o que a reforma do Carf tem a ver com você.
O que é o Carf?
O Carf é um tribunal que julga casos judiciais que têm a ver com o pagamento de impostos. De maneira geral, é uma corte que reavalia os casos de conflito entre a Receita Federal e os pagadores de impostos que foram julgados pelos auditores da Receita.
A ideia do conselho não é nova (seu primeiro ancestral surgiu em 1924), mas a ideia foi amadurecendo e o Estado brasileiro foi ficando mais complexo. Até que, em 2009, o Carf foi estabelecido para solucionar disputas judiciais tanto do Imposto de Renda quanto das tantas outras formas de tributação do Brasil.
Apesar de estar no noticiário como parte de uma discussão sobre arrecadação e responsabilidade fiscal, o Carf não é um órgão de recolhimento de impostos. Segundo Diana Piatti, sócia da área tributária do escritório Machado Meyer Advogados, o órgão tem uma atribuição muito mais ampla.
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“O Carf é responsável pelo controle de legalidade do ato administrativo e promoção da correta interpretação da legislação tributária. A eficiência do Carf não é medida pela quantidade que arrecada”, afirma.
Para ela, um Carf eficiente seria aquele que desse interpretações à norma tributária que, por serem consideradas corretas, seriam adotadas por contribuintes e Fisco – diminuindo, assim, os conflitos.
Como o Carf funciona?
Suponha que uma empresária chamada Joana não leu os tutoriais do Bora Investir e acabou se enrolando com o Imposto de Renda. Por consequência, ela caiu na malha fina e, depois disso, foi processada pela Receita. Então, o Fisco enviou um auditor para representar o Governo no processo contra a empresária, que será julgada na primeira instância.
Acontece que a Joana tinha um advogado muito bom, que conseguiu provar ao juiz que, na verdade, o erro de Joana era um problema maior que vinha diretamente da Receita. O juiz se convenceu, mas também reconheceu que o erro apontado pelo auditor da receita era verdadeiro. Então, o caso subiu de instância: foi parar no Carf.
Quem compõe o Carf?
O Carf é composto por um comitê de 180 pessoas, que se dividem em dois grupos: os representantes do Governo e os representantes dos contribuintes. Cada integrante deste colegiado tem direito a dar um voto, favorável à parte A ou à parte B, em cada um dos processos que são levados ao tribunal.
Normalmente, os representantes dos contribuintes votam em favor da população, enquanto os representantes da Receita prezam pela arrecadação de impostos e pagamento de multas. Mas, como 90 é um número par, é comum que as votações acabem em empates. Neste caso, cabe ao presidente do conselho votar: tradicionalmente, o líder do tribunal é um representante do Fisco
O que é o voto de qualidade?
O voto de qualidade, a pauta restaurada na sanção da última quinta-feira, é o voto que se dá pelo presidente do Carf quando há empate entre os membros do conselho. Na prática, o Fisco teria direito a votar duas vezes: primeiro, para empatar e, depois, para desempatar. Não necessariamente o voto é a favor do governo – em vários casos, o voto de qualidade foi a favor do contribuinte.
A regra funcionou por 48 anos até que, em 2020, a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro baixou uma norma que determinava que votações empatadas deveriam automaticamente terminar a favor do pagador de impostos. O argumento era de que faltava imparcialidade por parte do voto de qualidade, visto que o presidente votante era alguém da Receita.
Agora, a regra original voltou com algumas mudanças. No entendimento expedido em 2020, se o comitê tivesse dúvida sobre a aplicação daquele imposto ou daquela multa, ela não deveria ser cobrada. Agora, a interpretação é de que, no caso de dúvida, a cobrança tenha de ser, no mínimo, diminuída para então ser julgada pelo voto de qualidade
Quais outras mudanças foram feitas?
Outros vetos de Alckmin incluem reduções de multas, conciliação entre as partes e autorregularização que, segundo Filipe Richter, sócio da área tributária do Veirano Advogados, eram “métodos de solução de controvérsia e apaziguamento”.
Por isso, essas mudanças não combinam bem com o contexto geral da Reforma Tributária – são propostas diferentes, mas complementares – porque a simplificação é o coração dos dois projetos, diz Richter.
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“Os vetos a mecanismos de composição e redução de multas contribuirá para a manutenção de conflitos tributários tanto na esfera administrativa quanto judicial, mantendo o Brasil no patamar mais alto de contencioso tributário no mundo”, afirma.
Os valores em disputa nos órgãos administrativos no Brasil passam de 15% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo o economista Marcos Lisboa em artigo no Brazil Journal. Nos demais países da América Latina, o valor é de 0,2% e, na média da OCDE, menos de 0,3%.
O que isso tudo tem a ver com você?
A reforma do Carf está entre as estratégias do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para alcançar as metas de arrecadação estabelecidas pelo Arcabouço Fiscal. Isso porque o marco, proposto pelo próprio ministro, exige que o governo alcance déficit primário de 0,5% do PIB neste ano e zero em 2024.
Isso quer dizer que, até o final de 2023, o Governo pode ter uma dúvida de 0,5% do valor total do PIB. Por isso, quanto maior for o dinheiro obtido pela Receita Federal, menor será o déficit – o que aumenta as chances de atingir a meta.
E se a meta for atingida, a Fazenda vai se mostrar capaz de cumprir o que prometeu, dando mais previsibilidade para o governo. E, se o governo é mais previsível, o mercado pode operar com mais segurança visto que os investimentos não contarão com tanto risco-país (a probabilidade do ambiente de negócios mudar drasticamente).
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