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4 fatos sobre o cenário externo que explicam a saída de investimento estrangeiro do Brasil

Para gestores, movimento reflete ajuste nas expectativas de queda de juros nos EUA e sinais de alerta na China

Maço de notas de dólar. Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil
A expectativa do mercado, segundo economistas consultados pela Reuters, era que o índice cairia 0,1%. Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Os investidores gringos resolveram sair do Brasil no verão de 2024. Até o dia 23 de fevereiro deste ano, o saldo líquido dos investimentos estrangeiros na B3 é negativo em R$ 18,2 bilhões – revertendo aproximadamente um terço de toda a entrada líquida registrada em todo o ano de 2023.

Gestores apontam que o movimento é em grande parte reflexo de mudanças nas expectativas quanto às economias dos Estados Unidos e China.

“O cenário externo, na minha opinião, explica 95%, para não dizer 99%, da saída dos estrangeiros da bolsa brasileira”, diz Roberto Motta, estrategista macro da Genial Investimentos.

Eduardo Grübler, gestor quantitativo da Warren Investimentos, também engrossa o coro de que não houve grandes mudanças no Brasil que pudessem explicar a saída dos estrangeiros. “O cenário interno não parece ter mudado tanto nos últimos seis meses, enquanto lá fora, esperava-se que estivesse melhor”.

A seguir, reunimos algumas explicações dadas por especialistas ouvidos pelo Bora Investir. Confira!

Juros mais altos por mais tempo nos EUA

No final do ano passado, o mercado foi tomado pelo otimismo e previa que o Fed estava perto de iniciar o ciclo de corte de juros. As mais recentes comunicações da autoridade monetária, no entanto, foram um balde de água fria e indicaram que as taxas devem permanecer no patamar atual por mais tempo.

“Existia uma forte convicção de que o ciclo de corte de juros começaria nos próximos meses, o mercado até chegou a precificar o início em março, e criou-se a expectativa de que o dinheiro iria começar a fluir. Agora, a perspectiva é de que o primeiro corte se inicie só em junho. Isso diminuiu o estímulo à alocação em direção a mais risco, como em países emergentes”, explica Marcos Mollica, sócio e head de gestão do Opportunity Total.

Roberto Motta, estrategista macro da Genial Investimentos, lembra que nos últimos dois meses de 2023, os estrangeiros trouxeram US$ 44 bilhões para a bolsa brasileira. Com a mudança de cenário, o fluxo se inverteu. “Os dados mostraram que a economia dos EUA não estava desacelerando, e o mundo tomou um susto com a inflação de janeiro”, diz Motta.

Isso trouxe, então, uma reversão do fluxo. Ou seja, até que se tenha maior certeza de que a atividade econômica dos EUA está desacelerando e que a inflação por lá está de fato controlada, os investidores estrangeiros não devem ter grande apetite para as bolsas emergentes, como a do Brasil.

“A gente não pode negar que o processo de desinflação no mundo é igual a um regime. Você queria perder 20 quilos e já perdeu 15 quilos, mas sabe que esses últimos 5 serão mais difíceis. A gente está nesses últimos 5 quilos, que o mercado apelida de last mile. Enquanto o mundo não tiver certeza se [a inflação mais alta nos EUA em janeiro] foi um susto ou não, o mercado ainda vai ficar tateando”, Motta.

China com sinal de alerta

Ainda no panorama internacional, um fator que pesa contra a alocação dos estrangeiros no Brasil é a China. “Houve uma queda muito acentuada na bolsa chinesa, e parece que debaixo do tapete pode estar acontecendo um problema maior com a economia, que não ganha tração”, diz Mollica. “Há incertezas sobre o mercado imobiliário, que pode levar a alguma contaminação para o setor bancário. E de certa forma, o Brasil é visto como uma economia muito ligada à China”.

Motta concorda. “Os investidores internacionais veem o Brasil com uma relação quase umbilical com a China, e a bolsa chinesa chegou a cair 14% em janeiro”, diz. Segundo ele, o principal canal pelo qual a economia chinesa afeta a brasileira é por meio da queda dos preços de commodities. E a queda do mercado acionário derrubou também os preços de commodities, que caíram ao patamar visto em dezembro de 2021.

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Faltam novidades no Brasil

Em meio a essas incertezas além das fronteiras brasileiras, nada por aqui tem trazido novidades que incentivem a alocação dos estrangeiros. “O ânimo com a queda de juro diminuiu bastante. Parece que o BC vai continuar com o passo de cortes de 0,50 p.p. [por reunião], a expectativa de uma aceleração morreu”, explica Mollica.

Além disso, o consenso começa a apontar que a Selic vai encerrar o ciclo de cortes em um nível mais elevado, em torno de 9,5%. “Eu acho que vai ser mais baixo, mas ainda é uma taxa de juros muito punitiva para a bolsa. Não estimula uma migração de recursos da renda fixa para a variável”, diz o gestor do Opportunity.

Apesar da saída dos gringos, os investidores locais têm alocado na renda variável, o que levou o Ibovespa ao patamar de 131 mil pontos nesta semana, lembra Motta, da Genial. “Isso aconteceu porque o mercado está na expectativa de que o Brasil pode surpreender no crescimento do PIB”, diz. “Se o Brasil crescer 2% [em 2024], pode entrar na lista dos países que mais crescem no mundo”, afirma. Isso, segundo ele, pode voltar a atrair os estrangeiros.

Bolsas americanas atraem investidores

Ainda pesa sobre o apetite à bolsa brasileira a grande atratividade das ações listadas nos Estados Unidos.

“Tem muita coisa acontecendo na bolsa dos EUA, os investidores não estão precisando ir além das fronteiras para obter retorno”, diz o gestor do Opportunity Total, citando as empresas de tecnologia.

“Há muito dinamismo associado às mega techs. É um momento muito particular, com a perspectiva de que a inovação da inteligência artificial vai acabar sendo uma revolução para a economia”, diz Mollica.

Realização de lucros do ano passado

Para Eduardo Grübler, da Warren, o movimento pode ser explicado como uma realização de lucros. “A gente viu um resultado muito forte no fim do ano passado, e agora, se existe um receio de quando o Fed vai cortar juros, o estrangeiro pensa ‘poxa, já ganhei meu dinheiro e agora vou trazer de volta’”, explica.

Grübler ainda aponta que a saída de capital do País parece ter desacelerado nos últimos dias. “Quando o movimento começar a virar, normalmente, quem entra antes tende a ter um resultado muito bom. Acertar o timing disso que é o mais complexo”, diz.

O gestor quantitativo da Warren afirma também que o vai-e-vem de dólares é sazonal e se repete todos os anos. “No começo do ano, sempre existe um movimento – o lado que vai ser depende do resultado recente”, diz. “O que aconteceu nos últimos anos, que pode dar uma ideia do que pode acontecer, é que a virada de trimestre é normalmente quando ocorrem os movimentos maiores”, afirma.

E como isso afeta os investidores pessoa física?

Os estrangeiros representam cerca de 53% dos volumes de compra e venda da bolsa brasileira. Assim, um grande movimento de venda por parte deles pode pressionar o valor das ações negociadas no Brasil. Da mesma forma, quando eles entram com grandes compras no mercado acionário, podem impulsionar uma alta nas ações brasileiras.

Mesmo com a saída de investimentos neste ano, o Ibovespa acumula valorização de 1,84% no mês de fevereiro, o que indica que, se de um lado os estrangeiros saíram, os investidores locais deram sustentação aos preços no mês. A saída também pode fazer com que o dólar se valorize na comparação com o real. Por outro lado, outros fatores, como a balança de pagamentos do Brasil, têm dado estabilidade à moeda.

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