“Girar rápido em fundos prejudica o bolso”, diz Octavio Magalhães, da Guepardo
Ao Bora Investir, diretor de investimentos diz que mesmo com resultado de 8.400% em 22 anos do fundo da gestora, 80% dos pequenos investidores pediram resgates após menos de um ano
Por Marília Almeida
Ao longo de 22 anos, o fundo de ações da Guepardo entregou aos seus investidores uma rentabilidade média de 22% ao ano, líquida de taxa de administração e performance, comparado com 11,7% ao ano do CDI e 9,8% ao ano do Ibovespa. No acumulado desde o início, o fundo rendeu 8.400%.
Há cerca de quatro anos, a gestora resolveu abrir o fundo, voltado para investidores profissionais, também para pessoas físicas. Contudo, mesmo com um histórico de resultado excepcional desde que foi criado, ele sofreu com o que chama de “visão de curto prazo” desses aplicadores.
Considerando todos os investidores das plataformas que acessaram os fundos em três anos encerrados no segundo trimestre de 2022, 80% pediram o resgate com menos de um ano investido. Quase 20% desses resgates foram feitos com menos de três meses da aplicação. Os gestores disseram, em uma de suas cartas, que ficaram “estarrecidos com o resultado”.
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Essa visão de curto prazo fez com que 50% dos investidores que resgataram suas cotas tenham registrado prejuízo, mesmo o fundo possuindo uma rentabilidade de 1, 2 e 3 anos positiva e bem acima do índice de referência. Isso fez com que apenas 12% dos investidores de plataforma que resgataram suas cotas do fundo no período conseguiram uma rentabilidade anualizada melhor do que a do fundo em si.
Octavio Magalhães, diretor de investimentos da Guepardo, conta que alguns investidores chegam a aplicar no fundo e sair um dia depois. “Talvez porque tenha aplicado errado e se arrependem no dia seguinte, ou precisou do dinheiro. Mas dá para ter ideia de como podem ser despreparados. Se não tem como esperar, não deve ir para ações: é melhor deixar na renda fixa“.
Veja abaixo a entrevista completa do Octavio Magalhães ao Bora Investir:
Bora Investir – Existe uma ansiedade dos investidores para que a bolsa comece a engrenar. Como a Guepardo está navegando o momento?
Octavio Magalhães – A Guepardo não olha esses movimentos de curto prazo. Não estamos nem um pouco preocupados com estes movimentos de vai subir o mês que vem ou vai cair, se tem algum fluxo, se os juros vão cair e a bolsa vai começar a andar. Estamos preocupados se as empresas estão indo bem, com a gestão delas, as estratégias e resultados. Tudo isso nos preocupa no médio e longo prazo. Buscamos também entender como projetar as receitas e fluxo de caixa futuro delas, e quanto valem essas empresas. E queremos errar o mínimo possível em nossas projeções para os próximos dez anos.
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Portanto, a gente não interessa se a bolsa vai cair ou subir, Mas se ficar barata é bom porque a gente tem oportunidade de comprar mais, e coisas boas para investir. Se ficar caro também é bom porque vamos desinvestir e vender algumas participações que temos, pois as empresas estarão próximas do seu valor justo. Posteriormente, buscaremos outras oportunidades para investir de novo. Esses momentos de altas e baixas na bolsa só servem para isso.
O que eu falar que vai acontecer pode ser que ocorra exatamente o oposto. Tem gente que acha que por seremos gestores de ações temos a obrigação de saber se a bolsa vai subir ou cair. Eu sei tanto quanto uma pessoa física, ou menos. Se vai ter notícia boa ou ruim, o que vem pela frente, se haverá uma euforia: não tentamos acertar a parte macroeconômica.
Bora Investir – O horizonte da gestora é de longo prazo. Em quais setores estão apostando agora, que veem maiores oportunidades e descontos?
Octavio Magalhães – Sim, a bolsa está bem descontada. Tem muitas empresas boas que a gente gosta, excelentes empresas, bons setores, ganhadores de dinheiro, com vantagens competitivas claras e que estão descontadas de seu valor justo no nosso modo de ver e análise. Estamos, portanto, aproveitando para aumentar posições.
O fundo é que nem uma holding. Essas empresas pagam dividendos para o fundo, ele recebe esse valor e aproveitamos para comprar mais ações de empresas que achamos que estão muito descontadas de seu valor intrínseco.
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Investimos em muitas coisas, vários setores diferentes. Tem desde papel e celulose, aço, bancos, laboratórios, consumo, varejo de alimentos, distribuição de combustível e ferrovias. Temos tudo o que você imaginar.
Bora Investir – Vocês têm alguma preferência entre large, mid e small caps?
Octavio Magalhães – Não escolhemos entre grandes, médias e pequenas empresas. Olhamos empresas excelentes e baratas. Tem de ter as duas coisas. Não adianta ser apenas uma boa empresa, com excelente estratégia e gestão, pessoas e cultura, e estar em um setor bom, mas ser uma empresa cara. Também não adianta apenas ser barata e ser uma porcaria.
O tamanho da empresa interessa apenas para montar posição. Às vezes a empresa é muito pequena e não tem liquidez. Então você não consegue comprar e perderá seu tempo. Por isso não olhamos empresas muito pequenas não porque não gostaríamos de comprar. Até gostaríamos, mas não conseguiremos comprar a quantidade que precisamos. O fundo tem aproximadamente R$ 3 bilhões, então para comprar 1% do fundo precisam ser R$ 30 milhões.
Bora Investir – E a visão atual de vocês sobre o exterior?
Octavio Magalhães – Nosso fundo de ações investe apenas no Brasil, e temos um outro fundo de ações que só compra lá fora. Temos uma expertise muito grande no Brasil, e conhecemos todas as empresas. Estamos muito próximos e conseguimos comprar as empresas que são excelentes muito mais baratas do que seu valor intrínseco. Lá fora é mais difícil encontrar empresas tão descontadas como no Brasil.
Dá para entender. Obviamente o investidor prefere investir nos Estados Unidos e na Europa do que no Brasil. Então o prêmio de risco precisa ser muito maior, por isso as empresas negociam com mais desconto aqui. A nossa ideia é de que nosso fundo brasileiro renda muito mais do que o nosso fundo lá fora. Por isso nos concentramos no Brasil: é mais arriscado, mas rende mais. Mas tomamos o risco Brasil. Quem tomou o risco Venezuela ou Argentina se deu mal. No Brasil espero que não aconteça.
Bora Investir – Vocês vêm superando, e muito, o Ibovespa. Mas apontaram em uma das cartas do fundo que a maioria dos cotistas pessoas físicas ficam menos de 1 ano. Essa cultura imediatista afeta vocês de que forma?
Octavio Magalhães – 90% dos nossos investidores são profissionais: são ou sócios da Guepardo, fundos de previdência, fundos de pensão, investidores institucionais e grandes family offices de empresários. Todos eles entendem a estratégia e não ficam entrando e saindo. Entram, e ficam por muitos anos, décadas às vezes.
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Abrimos o fundo ao investidor pessoa física, que entra pelas plataformas, há quatro anos, pedindo aplicação mínima inicial de R$ 5 mil. Atualmente, eles representam 10% da nossa base, pois têm tíquete de R$ 5 mil a R$ 20 mil. Esses investidores entram e saem, são menos fiéis e não foram tão educados para investir em ações, com olhar de longo prazo. O mais difícil para a gente é se comunicar com esses investidores. Por isso que gravamos, fazemos entrevistas, participamos de podcasts. Apesar de serem poucos em volume de dinheiro, em quantidade são muito grandes, representam 99% do total.
Ele não prejudica a gente saindo rápido do fundo, mas ele mesmo. Se sobe ele entra e cai ele sai, isso só prejudica o bolso dele. Ele acaba prejudicando a gente indiretamente porque não podemos cobrar taxa de performance se ele perde dinheiro da hora que entra até o momento em que sai. Essa é a parte ruim para a Guepardo.
Para evitar isso, tentamos ao máximo explicar o fundo para que fique por muito tempo com a gente, não fique nesse entra e sai porque estamos em um ranking como o melhor fundo ou porque subimos muito no mês. Deveria ser o inverso.
Bora Investir – Vocês têm um horizonte de investimentos de 10 anos. O cotista do fundo precisa estar, no mínimo, alinhado com isso? O que pode melhorar no mercado?
Octavio Magalhães – O investidor tem de estudar, assistir mais podcasts e entrevistas, entender os fundos, ler regulamentos, conversar com o gestor e o time de relações com investidores, ler as cartas para investidores, estudar antes de entrar no fundo, olhar como é o longo prazo, saber que é volátil e tem oscilações do mercado diariamente e elas podem ser grandes, não se assustar e ter estômago para aguentar.
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Se o investidor não tem estômago para aguentar oscilações grandes, não deveria nem investir em fundos de ações. A pessoa precisa se autoconhecer, entender o que aguenta e o apetite a risco dela. Fora a questão financeira: o investidor é superavitário, vai precisar do dinheiro no curto prazo ou pode deixar anos investido? Se ele for deficitário não pode entrar em um fundo de ações, mas sim na renda fixa. Se vai ficar pegando o dinheiro, ele provavelmente vai sacar em um momento de baixa, e terá prejuízo.