Organizar as contas

Num caminhão ou na tela do celular, ela quer disseminar a educação financeira

Conheça a história de Lai Santiago, a enfermeira que deu o primeiro passo nas finanças depois de ver a família superendividada e hoje integra o projeto da Serasa que leva a chance de renegociação a 22 cidades

Lai Santiago, que hoje trabalha para disseminar educação financeira
Lai Santiago, que hoje trabalha para disseminar educação financeira

Lai Santiago, 31 anos, viveu nos últimos meses uma experiência incomum. Especialista em planejamento financeiro, acostumada a atender clientes que querem moldar a receita para a construção de um patrimônio, a economista percorreu algumas das principais cidades do País para ajudar devedores a acertarem suas contas.

Muito ativa nas redes sociais, Lai se inscreveu e foi selecionada para ser uma espécie de embaixadora da campanha Serasa na Estrada, que leva uma equipe para negociar dívidas com até 99% de desconto. Diante do caminhão da campanha, se formam filas de devedores ansiosos por fazer um acerto de contas.

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Enfermeira virou especialista em economia comportamental

Formada em Enfermagem pela Universidade de Brasília (UnB), em economia comportamental pela ESPM e cursando especialização em ESG pela mesma instituição de ensino, Lai começou a trabalhar com educação financeira em 2016, quando montou uma consultoria independente de investimentos.

Foi o início do trabalho formal. No entanto, antes disso, Lai começou a se envolver com o tema depois de um trauma familiar. Seu pai ficou doente, perdeu o emprego e a renda. “De uma família de classe média, com uma situação tranquila, nos vimos em um super-endividamento”, conta. Filha única, ela decidiu tomar para si a responsabilidade de tomar as decisões financeiras da casa e devolver qualidade de vida aos pais.

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A decisão incluiu deixar a cidade onde vivia, Riachão do Jacuípe, no interior da Bahia, e se mudar para Brasília, onde vive há 12 anos, para estudar. “Isso foi decisivo para meu futuro e para a forma como procuro ter um olhar empático nos meus atendimentos até hoje”, conta.

Fora palestras e eventos, Lai atendeu até hoje em seus atendimentos individuais cerca de 2.000 pessoas – em torno de 1.100 delas a procuraram para resolver o problema de endividamento. Não entra nessa conta o trabalho junto ao projeto da Serasa, que tem, segundo a especialista, muita relação com todo o seu histórico familiar.

Impacto financeiro e social

Lai diz ter o “ímpeto” de mudar a vida do maior número possível de pessoas. O País, lembra, hoje tem pelo menos 72 milhões de pessoas inadimplentes, acumulando problemas de saúde mental, familiar e de relacionamento.

“É gente que não consegue ter dignidade financeira para fazer uma compra porque não tem cartão de crédito, ter um imóvel porque não é aprovado em nenhum financiamento ou para fazer um contrato de aluguel”, exemplifica a educadora financeira.

Apesar dos anos de experiência, Lai diz ainda se sentir a emoção de cada relato. Por isso, ela acredita que levar educação financeira “de forma sensível e acessível” para cada vez mais pessoas seja tão importante, gerando impacto social e “mexendo em estruturas que são muito desiguais no Brasil”.

Levar informação sobre as finanças “pode fazer com que a pessoa mude completamente a realidade financeira dela e impulsione seus sonhos”.

O propósito profissional de Lai a motivou a se inscrever no concurso da Serasa na Estrada como uma forma de chegar a mais pessoas que muitas vezes não têm familiaridade com os meios digitais ou condições financeiras para pagar por uma consultoria.

Processo seletivo

Quando soube do processo de seleção para o projeto da Serasa, Lai ficou animada com o alcance que seu trabalho poderia ter. Ao mesmo tempo, temeu que influenciadores digitais com um alcance muito maior tivessem mais chance de avançar no processo seletivo, que começou com um teste de conhecimento sobre finanças, e com a postagem, em uma fase seguinte, de um material audiovisual nas redes sociais. A especialista recorreu a recursos audiovisuais e até literatura de cordel.

Passaria para a etapa seguinte quem tivesse mais engajamento no post e, depois, os que contassem com mais votos dos internautas. Por último, os cinco classificados passaram por duas entrevistas e Lai foi a selecionada para a maratona de atendimentos, com um prêmio de R$ 100 mil.

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Históricas inspiradoras

Ao todo, o projeto Serasa na Estrada passará por 22 cidades – Campinas foi a única não-capital. Normalmente o caminhão funciona de terça-feira a sábado, em horário comercial, das 8h às 18h, com um período médio de uma semana em cada destino.

No dia a dia, Lai busca a história das pessoas que estão em atendimento, a razão de estarem endividadas e como conseguiram uma boa negociação, além da orientação financeira para quem precisa. Por exemplo, qual tipo de dívida deve ser priorizada na hora de acertar as contas e em qual prazo.

Nos primeiros meses de projeto, a educadora financeira conta já ter sido impactada por algumas histórias. Uma delas, em Salvador, duas senhoras chegaram às 20h do dia anterior ao início do atendimento. “Elas estavam em uma situação de desorganização financeira, com o nome ‘sujo’, ainda por conta dos reflexos da pandemia. Uma delas ficou doente e a outra tinha um comércio e precisou fechá-lo, gerando um endividamento difuso. Ambas conseguiram um desconto de 99% na negociação e comemoraram muito quando limparam o nome”, recorda.

No Recife, a cliente Sheila – diarista durante o dia e entregadora à noite, com uma bicicleta – chegou ao caminhão muito descrente de que conseguiria resolver os problemas financeiros. No final, no entanto, mesmo com inúmeros dívidas, foi possível fazer boas negociações, com a redução para valores de R$ 4, R$ 10, por exemplo. Com a melhora do perfil de crédito, o plano é trocar a bicicleta por uma moto e seguir apenas com as entregas.

Seu Carlos, que trabalha há 40 anos como sapateiro e engraxate em uma praça de João Pessoa, é analfabeto. Lai conta que ele não queria nem sequer entrar no caminhão para tentar renegociar porque seu endividamento era muito grande. A própria educadora financeira fez o atendimento dele.

Ao final, com os valores recalculados, o extrato do CPF mostrou que em, no máximo, cinco meses ele estaria com as dívidas quitadas. Lai fez um plano de pagamento para que o cliente se reorganizasse, que incluía até o total de atendimento que ele teria de fazer a cada dia.

São histórias muito comoventes, segundo Lai, porque mostram o dia a dia de muitas pessoas, o que as levou ao endividamento e à desorganização financeira. “O que se vê são pessoas que não estão endividadas porque querem ou são irresponsáveis, mas na maioria das vezes por conta de uma renda instável, um adoecimento que atravessou o caminho ou uma desigualdade que afeta todo mundo”, diz.

Aprendizado

Até agora, Lai acredita que conseguiu uma relação de troca com a nova atividade – usando as ferramentas aprendidas durante anos como educadora financeira para ajudar muitas pessoas envidadas e, ao mesmo tempo, com o aprendizado diário de novos recursos que vão ser usados na sua rotina com futuros clientes.

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Para conciliar o trabalho com a consultoria que já vinha fazendo, se organizou e faz o atendimento individualizado à noite, além de lives de acompanhamento de grupos formado por pessoas que já passaram pelo suporte financeiro.

A especialista tem aproveitado a nova rotina para apurar ainda mais o conhecimento em economia comportamental, procurando entender o motivo de as pessoas terem prioridades diferentes para as mesmas situações. Isso impacta não só no seu atendimento das pessoas na renegociação, mas para que usem estratégias comportamentais e não voltem a deixar de pagar contas.

“Ao mesmo tempo, toda a experiência vai fazer com que eu tenha um olhar mais empático para os clientes, que já venho trabalhando como enfermeira e, nos últimos sete anos, como planejadora financeira, ajudando a impactar mais pessoas com um serviço mais abrangente”, avalia.

Endividados têm urgência

A experiência tem mostrado a Lai algumas diferenças de comportamento entre endividados e aqueles que protelam a decisão de investir. Segundo a especialista, a pessoa endividada tem muita pressa para sair do ‘vermelho’, mais do que o potencial investidor de organizar as finanças e começar a acumular patrimônio.

Sob pressão, no entanto, o endividado acaba tomando decisões erradas para se livrar da situação. Por exemplo, com a contratação de empréstimos para fazer a quitação completa e, como consequência, aumentando o valor da dívida.

“Já quem está desorganizado, mas não endividado, tem uma falsa sensação de segurança por não estar devendo e pagando as contas em dia. Porém, essa pessoa está vulnerável diante da possibilidade de qualquer imprevisto, sob a ameaça de chegar ao endividamento”, aponta.

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