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Da venda de doces para os investimentos: histórias de quem empreende e começou a investir do zero

Quem investe, empreende e quem empreende, investe; veja como as duas coisas podem se casar

Empreendimento
Empreendimento Foto: Pexels, yasart.jpg

Quem chega cedinho na estação da Vila Sônia, na zona oeste da capital paulista, já deve ter dito “sim” ou “não” para um homem simpático que vende bolos de pote. Ao receber atenção do freguês em potencial, o sorriso do comerciante fica ainda maior e ele oferece todo tipo de doce caseiro que guarda na caixa térmica portátil. Ele se chama João e tem 31 anos. Acorda às 4h da manhã e passa o dia vendendo os brigadeiros, beijinhos, tortas e outras guloseimas que sua esposa Tamires, de 27, faz há cerca de um ano. 

O objetivo do empreendimento do casal é juntar dinheiro para comprar o apartamento bem em frente ao que eles alugam, no bairro da Casa Verde, zona norte da cidade. “É um apezão, fico namorando sempre que posso. É a coisa mais linda”, diz o vendedor. Eles têm um plano estruturado e que está perto de ser concluído: faltam cerca de dois meses para alcançar a quantia necessária para dar uma entrada no imóvel.

Para tanto, eles precisam abordar 315 pessoas por dia, de acordo com os cálculos de João, para ter 70 doces vendidos diariamente. Com esta taxa de conversão, em média, ele recebe R$ 2,50 por cada pessoa abordada – mesmo quando recebe um não. Além da perícia em cálculo, que tem se provado eficaz, o vendedor também se orgulha da sua técnica de comércio e comunicação. Por mês, o casal fatura entre R$ 15 mil e R$ 20 mil. 

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A ideia surgiu quando João terminava o 8° semestre de administração. Sempre quis estar à frente de um negócio, mas não como funcionário: ele já conhecia o ambiente corporativo por causa dos estágios e decidiu que queria ter uma empresa para chamar de sua. Um dia, encontrou um canal de YouTube que ensinava a ganhar dinheiro com a venda de doces na rua e se inspirou. Mostrou a ideia para a esposa, que sempre gostou de cozinhar e, em agosto de 2022, iniciaram o negócio.

“No começo eu fazia o que todo mundo faz. Oferecia o produto e dizia porque estava fazendo aquilo”, relata o empreendedor. Aos poucos, ele percebeu os padrões de comportamento e de reação das pessoas. Reparou que seu tom de voz e expressão afetavam na conversão de venda. E notou que vender doces é a ponta final de um processo mais complexo: a venda de ideias. Depois disso, virou uma máquina. João acredita que, além do chocolate, é capaz de melhorar o estado de espírito das pessoas. E é assim que consegue vender. Tanto é que o projeto está próximo de alcançar sua meta, com toda a grana depositada em um Certificado de Depósito Bancário (CDB) oferecido pela instituição financeira do casal.

Empreender a longo prazo, investir a curto

Segundo o escritor e consultor financeiro Gustavo Cerbasi, a escolha de Tamires e João é acertada. Afinal, ainda que o projeto seja ambicioso, o fluxo de caixa é grande o bastante para alcançar o montante a curto prazo. Outros tipos de investimentos para a compra de imóveis exigem mais tempo, o que possibilita o aporte em ativos mais arriscados e com margens de retorno maiores que as da média dos CDBs. 

Porém, a volatilidade do curto prazo traz risco demais e o atual patamar da Selic, a taxa básica de juros do Brasil, confere lucros consideráveis para os investidores de renda fixa. “Apesar da trajetória descendente do juro, ele ainda está bem alto”, afirma o especialista. 

Qual a relação entre risco e retorno nos investimentos?

“CDBs de bancos de investimento ou de menor porte têm rendimentos na casa de 101,5% da taxa CDI”, recomenda Cerbasi. Mas ele adverte: quem optar por essa estratégia de investimento não deve exceder os R$ 250 mil em um título bancário. Se o fizer, perderá a cobertura do Fundo Garantidor de Crédito (FCG). Basicamente, o fundo certifica que o dinheiro depositado na instituição bancária coberta pelo FGC será pago ao investidor mesmo nos casos de insolvência do banco – quando ele não consegue cumprir seus acordos ou entrar em falência. 

Outra possibilidade apontada por Cerbasi são os fundos de renda fixa. “Alguns têm baixo risco em razão da baixa exposição ao crédito privado, e trazem a mesma liquidez com até 101% do CDI”.

Investir também é empreender 

Ainda que sites como o Bora Investir não sejam mais raros e existam inúmeros influenciadores de finanças e economia por aí, a educação financeira ainda não é homogênea no Brasil. 

Apenas 41% dos moradores das periferias afirmam ter fácil acesso à educação financeira online ou presencial. O número é bem maior entre os residentes dos grandes centros urbanos: 60%. Isso faz com que quase 3 em cada 10 moradores de periferias (28%) afirmem saber pouco ou nada a respeito do assunto, segundo a pesquisa “Finanças na Periferia”, realizada pela Serasa em parceria com o Instituto PiniOn.

O estudo ainda revela que apenas um a cada dez moradores das periferias brasileiras (12%) está satisfeito com sua vida financeira e 38% não se sentem confortáveis em conversar com amigos e familiares sobre sua situação ou até mesmo sobre dinheiro em geral.

E se hoje é assim, imagina 13 anos atrás, quando a educadora financeira Dina Prates teve seu primeiro problema financeiro. Felizmente, o enrolo e a dívida a incentivaram a virar a situação e se tornar um dos nomes proeminentes da educação financeira do Brasil, mas isso já é spoiler da próxima história.

A volta por cima

A história de Dina com os empreendimentos é antiga: aos 16 anos ela vendia trufas para complementar a renda, na época em que era estagiária. No ano seguinte, encheu sua mãe de orgulho e não passou só em um, mas em três vestibulares. Ingressou no curso de Administração com bolsa do ProUni no Instituto Federal Farroupilha (Iffar), em um curso técnico de Contabilidade no Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) e na graduação de Ciências Contábeis na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E ainda trabalhava! 

Passou um semestre assim e quase entrou em colapso. À beira do surto, trancou um dos cursos, que retomaria mais tarde. Em 2010, a faculdade ainda permitia que instituições financeiras adentrassem o campus e, no dia da recepção aos calouros, Dina foi recebida com um estande de um bancão na porta da universidade. Em troca de uma garrafinha d’água estampada com as cores e o logo do banco, a instituição oferecia uma conta com tarifa reduzida e um cartão de crédito universitário.

A tática fez sucesso e muitos estudantes, incluindo Dina, aceitaram a oferta. Afinal, a garrafa era linda. O banco deu um limite de cheque-especial de R$ 500, além do cartão de crédito de R$ 800. Apesar de já saber um pouco sobre controle financeiro, a universidade tomou muito de seu tempo e seus recursos. Quando foi ver, já estava contando com o cheque-especial como se fosse um acréscimo de renda.

“Uma vez achei uma planilha que fiz na época. É de chorar: estava lá a minha bolsa de R$ 400 e o cheque especial que a cobria inteira, porque ele sempre estava no negativo”, relembra. Acontece que ela usou o cartão de crédito para se manter nos cursos e não conseguiu mais pagar as duas coisas. A dívida chegou a, mais ou menos, R$2.500, “para uma aluna bolsista, preta, preferiférica, estudando em duas universidades ao mesmo tempo e com uma bolsa de R$ 400 – e ganhando mais R$ 200 de vender bombom”, lembra. 

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A dívida rolou por quase dois anos. Enquanto isso, ela arranjou um estágio melhor. Mais avançada na graduação e com mais noção de como lidar com o dinheiro, foi ao banco, brigou com todo mundo e, mesmo assim, não conseguiu fechar a conta. A ideia era parar de pagar as taxas de manutenção, que se somavam ao principal da dívida. Mas não conseguiu.

Em outra agência, foi bem atendida e encerrou a conta. A gerente, mais razoável, concordou em parcelar o débito do cheque-especial com uma entrada, e Dina continuou pagando a dívida por mais seis meses. “No final da graduação, consegui me planejar e ter meu primeiro negócio sério, a Turba Pipocas”, conta. Comprou um carrinho de pipocas com a irmã, e com ele atendiam eventos, praças e comemorações.

Já no final da graduação, entrou um emprego registrado, com VR e tudo. Para pagar sua festa de formatura, juntou o lucro da pipoca com um novo freela na arena do Grêmio e reservou o dinheiro para a comemoração. Foi aí que se introduziu no mundo dos investimentos: com um título de capitalização.

“Me venderam como se fosse um investimento. Quando eu fui tirar meu dinheiro daquela coisa, a gerente disse que eu não poderia. Se tirasse, perderia a rentabilidade. Aí eu disse: ‘olha, mas isso não é um investimento’, e fiquei muito brava. Aí comecei a procurar mais possibilidades de investimentos”. 

Apesar do estudo na universidade, Dina não tinha acesso a essas informações. Falava-se pouco sobre o assunto na época. Como ela sempre gostou de ler, foi se educar sobre investimentos na biblioteca da faculdade e em artigos para construir referencial teórico. 

Trabalhou revendendo cabelos durante o mestrado, o que permitiu que comprasse um carro, e começou a ministrar um curso chamado “educação financeira para todos”, para ganhar pontos na disciplina de planejamento contábil, uma matéria de extensão. Foi aí, em 2016, que ela começou a acessar os canais de finanças emergentes do YouTube. O curso foi ministrado para o coletivo de alunos negros do qual fazia parte. Todos saíam satisfeitos das aulas, o que a fez repetir a dose gratuitamente por algum tempo.

Em 2018, decidiu construir um curso Ujamaa. Era iniciante e só pretendia compartilhar o conhecimento em troca de contribuições voluntárias. Na última aula, propôs que os alunos trouxessem um amigo ou familiar. Todos adoraram, mas Dina recusou os incentivos de ir para a internet. Ao mesmo tempo, foi cobrada por novas turmas. “Gente, as pessoas realmente gostam disso”, pensou. E, aí, fez outras turmas. Foi só em 2019 que começou um perfil no Instagram. Naquele momento, o curso foi contratado por uma instituição financeira, e ela percebeu que a educação havia se tornado um negócio para ela. A empresa consolidou-se e, em 2020, na pandemia, começou a produção de conteúdo séria nas redes sociais. 

A partir daí, começou a desenhar mais cursos, sobre novos assuntos e para novos públicos. Todos sobre dinheiro. Se pudesse voltar no tempo, Dina afirma que sentaria e faria um planejamento de 12 meses, “o que teria evitado muitos incêndios que tive que apagar”.

Qual o melhor investimento para uma empreendedor?

Na jornada do empreendedor, os investimentos pessoais representam um único papel, segundo Cerbasi: de proteção. Isso porque, na carteira de um investidor assalariado ou autônomo, o capital para alcançar os projetos de curto prazo pode estar seguros na renda fixa enquanto o dinheiro para planos de longo prazo pode estar alocado em ativos voláteis. “O empreendedor já tem o investimento de risco na sua própria empresa. Em vez de ações, criptomoedas, plantio e mercado imobiliário, ele decidiu fazer renda com uma empresa. Por isso, ele precisa complementar sua carteira com alguma segurança”, explica o especialista.

Para ele, o mercado financeiro tem muito pouco a contribuir para o empreendedor já que os ativos disponíveis para a pessoa física, geralmente, não servem para a pessoa jurídica. “Quando isso acontece, são produtos de menor qualidade”. Cerbasi afirma que o capital de um empreendedor tem que ser eficiente, não havendo espaço para a volatilidade inerente ao mercado de capitais. 

A parcela de proteção de uma carteira pode ser divida em duas partes:

As reservas

Estes dois investimentos podem e devem ser acessadas quando houver alguma urgência ou uma oportunidade de negócio muito boa. Para um empreendedor, são duas, basicamente:

  • A reserva de emergência, destinada ao amortecimento dos imprevistos financeiros, tanto pessoais quanto profissionais. Ela deve estar alocada em um investimento líquido e com baixo risco. Normalmente, é o primeiro passo que se toma ao organizar as contas.
  • A reserva de oportunidade, cuja finalidade é preparar o bolso para uma oferta fora do comum ou um negócio único. Ela até pode ser usada para fins pessoais mas, normalmente, seu destino é profissional, como a compra de um novo equipamento ou uma chance rara de fechar determinado acordo. Novamente, precisa estar acessível a qualquer momento e ter uma proteção assegurada contra as oscilações do mercado.

O patrimônio

Destinados a renda futura, estes investimentos são formados pensando caso tudo dê errado na vida do empreendedor. Ou para quando a hora de se aposentar chegar. “Normalmente, um plano previdenciário funciona muito bem. É uma contribuição mensal que vai gerar uma renda conhecida no futuro”.

E o capital da empresa?

Segundo Cerbasi, apesar de não se tratar de um ativo financeiro, o patrimônio líquido da empresa, que é a soma dos valores aportados e os lucros acumulados, deve ser administrados como uma carteira de investimentos, com contrabalanceamento de riscos. “Quanto maior o risco, maior deve ser a reserva de emergência”, diz.

Alguns tipos de negócio têm oportunidades no mercado financeiro diretamente ligadas à natureza da atividade. Empresas exportadoras ou importadoras, por exemplo, podem ver oportunidades de lucro com oscilações cambiais.

“Por mais que isso possa ser feito com segurança, as empresas possuem um contrato social que diz qual é a sua função e seus códigos de geração de riqueza. Se ela é definida como um comércio ou uma indústria, provavelmente o código tributário típico do negócio não inclui resultados de operações no mercado financeiro”, alerta o especialista.

Investir para empreender

Nos sonhos de todo empreendedor que tem uma boa ideia, há a expectativa de uma receita gerada pelo negócio que, rapidamente, pagaria os investimentos feitos. Então, são feitas estimativas de faturamento baseadas nas vendas de produtos ou serviços, explica Reginaldo Pereira, cofundador da Rampa Educação Empresarial.

Mas é importante considerar a capacidade que o investidor tem de viabilizar seu negócio. “Em muitas das vezes, eles esquecem que o capital inicial não é só o dinheiro necessário para abrir a empresa, mas também para mantê-la”, explica o especialista.

Pereira explica que, hoje, o modelo financeiro é fundamental para conseguir recursos e viabilizar a empresa. Com o planejamento, será possível prever o recurso inicial para montar as estruturas do negócio, assim como o valor necessário para pagar as primeiras contas até que a empresa consiga andar com as próprias pernas – que é o chamado ponto de equilíbrio. 

Até lá, o dono precisa financiar a operação e, aí, vai buscar meios de financiar essa operação. Pode ser por capital próprio, empréstimo bancário ou a entrada de um novo sócio. “Nenhum caminho é fácil, e o problema é que muitos empreendedores querem bancar seu negócio só com as vendas. Quando isso acontece, o risco do negócio não conseguir se pagar é muito alto”, afirma.

O olho do dono – e o brilho no olho

Cada vez mais, o empreendedor se preocupa com o retorno da empresa em vez do sonho ou da euforia, diz o especialista. Para isso, é necessário olhar quanto dinheiro o negócio requer para parar de pé e em quanto tempo esse dinheiro vai voltar

“Se eu vou investir em uma empresa sem a perspectiva de que esse dinheiro se multiplique, não estou pensando como um investidor, mas só como um empreendedor”, afirma Pereira. Para ele, são os empreendedores investidores que fazem as empresas melhorarem, porque eles olham para o caixa com atenção: tanto para girar a empresa, quanto para multiplicar o dinheiro. 

Afinal, é o olho do dono que engorda o porco. E João sabe bem disso. Tanto é que o sucesso de seu projeto de venda ambulante de doces já está inspirando outros empreendedores: há um mês e meio, ele deu sua primeira consultoria para um seguidor de uma rede social que se espantou com os resultados do comércio.

“Vender na rua dá muito dinheiro, desde que você venda bem. E vender um sonho não é oferecer um brigadeiro e explicar a minha razão de trabalhar. É preciso convencer com a sua história bem contada e com brilho no olho. Não é só um bolo. É um propósito. É um projeto de vida”.

Existe um ritmo certo de falar, uma maneira determinada de contar histórias e um cálculo muito caprichoso para fazer as contas fecharem. Exceto para brigadeiros, diz o vendedor. “Não sei o que acontece, mas brigadeiro vende que nem água no deserto. Não precisa nem falar nada demais. Todo mundo compra”. 

Cliente por cliente, venda por venda, e brigadeiro por brigadeiro, ele descobriu habilidades de vendas e comunicação. Agora, quer afiná-las: depois do apartamento, João fará faculdade de marketing e pretende se dedicar à comunicação do seu próprio negócio de confeitaria. Quem sabe, ganhando uma grana extra como influenciador. Mas com muito método e preparo. “Tem um jeito certo de fazer tudo: enrolar brigadeiro, salpicar granulado, abordar clientes, fazer as contas do mês…”

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