Organizar as contas

O que o controle das contas públicas do governo tem a ver com seus investimentos?

Saúde financeira do País pode atrair mais investimentos estrangeiros e domésticos

Pagar as dívidas, reservar uma quantia para a emergências no futuro e investir. Essas são orientações para qualquer pessoa sair do endividamento e buscar alívio financeiro. Guardadas as devidas proporções, muito se fala sobre se essa lógica pode ser espelhada nas contas do governo. Afinal, com as contas públicas equilibradas, o País pode atrair mais investimentos, tanto estrangeiros quanto domésticos.

A Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) atingiu 76,8% do Produto Interno Bruto (PIB, a soma das riquezas produzidas no País) em maio, o que representa R$ 8,5 trilhões. Já a projeção do resultado primário aponta para um déficit em torno de R$ 28,8 bilhões neste ano, no limite inferior da margem de tolerância do arcabouço fiscal, de acordo com Relatório Bimestral de Receitas e Despesas, divulgado pelo próprio governo.

Isso mexe com o cálculo de expectativas dos investidores e agentes de mercado. Segundo o boletim Focus mais recente, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a medida oficial de inflação do País, passou de 4% para 4,05% este ano. Esses ajustes podem respingar na economia real mais adiante, o que pode demandar um aperto monetário adicional por parte do Banco Central, ou seja, um aumento da taxa básica de juros, a Selic, para combater a inflação. Atualmente, a Selic está estacionada em dois dígitos, em 10,50% ao ano após o Comitê de Política Monetária (Copom) decidir interromper o ciclo de corte que havia iniciado em agosto do ano passado. O Copom levou em conta as incertezas externas e o cenário doméstico marcado pela resiliência na atividade, o que eleva a projeção de inflação e expectativa de maior cautela.

Organizar as contas para quê?

Com as contas públicas organizadas, a trajetória da dívida brasileira pode ser mais clara e previsível, o que tende a favorecer os investimentos. “As contas públicas equilibradas são importantes para ter uma trajetória mais construtiva da dívida pública”, diz Roberto Motta, estrategista macro da Genial Investimentos. Em um cenário de equilíbrio, “o juro longo no Brasil, que é a base ao crédito, será mais baixo e vai incentivar os investimentos. Se ela for cadente, o Tesouro vai pagar menos juros. Isso vai ser estímulo ao setor privado para investir”, afirma .

Segundo ele, a preocupação com a saúde das finanças do governo se reflete na trajetória do endividamento do País. “Por que é importante ter contas públicas equilibradas? Porque sinaliza que a trajetória do nosso endividamento tende a melhorar, a parar de crescer. Quando falamos de contas equilibradas no Brasil, estamos falando especificamente do déficit primário: de quanto o governo arrecada e quanto gasta. Se isso está zero a zero, sua dívida continua aumentando, porque você paga juros pela dívida. No limite, a trajetória da dívida é a mais importante. Então, ter uma preocupação com as contas públicas, na verdade, é ter uma preocupação com a trajetória do endividamento público. Quanto pior for a trajetória, o Tesouro Nacional tem que vender títulos com taxas mais altas.”

No caso em que o governo federal não equilibra as contas, o cenário econômico desfavorece os investimentos em renda variável. Ou seja, pode resultar numa migração de recursos dos investidores para a renda fixa.

“Quando o déficit público é muito alto, o que significa que o governo está gastando mais do que se arrecada, o governo pega mais dinheiro emprestado com a sociedade, pega mais dívida. Ele pode aumentar os tributos de forma geral, porque são uma fonte de receita. Mas quando o governo entra em défícit fiscal, o risco do governo aumenta”, explica o professor Rogério Mauad, Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec). E como o risco é maior, o retorno exigido pelos investidores também é maior – e o Tesouro precisa aumentar as taxas de juros dos títulos públicos para conseguir rolar a dívida.

Por que juros maiores?

Conforme Motta, os investidores que alocam recursos para financiar o Brasil estão cobrando mais juros justamente por causa do risco fiscal doméstico combinado com o cenário exterior, marcado pela manutenção da taxa de juros dos EUA em 5,25% e 5,50% ao ano. 

“As pessoas, para financiar o Brasil, estão exigindo mais juros”, explica Motta. Segundo ele, isso explica o motivo de os títulos do Tesouro Direto atrelados ao IPCA estarem oferecendo prêmios acima de 6,30% sobre a inflação, “uma coisa bem fora do padrão”.

“Por que nosso Tesouro paga tanto para se endividar? Por que nosso Tesouro vendeu título público [prefixado] a 12% a.a. , vencendo em 2031 e 2035, se a Selic é 10,5%? Porque o mercado, para financiar o Brasil, está exigindo um prêmio de risco maior”, afirma Motta.

A esperada redução dos juros americanos pelo Federal Reserve (Fed, banco central americano) pode melhorar o cenário não só do Brasil, mas de boa parte do mundo. “A medida que o Fed desce a taxa de juros, isso pode ajudar a renda variável ao redor do mundo”, explica Mauad.

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