Câmbio

Entenda por que nosso câmbio é sensível às oscilações do exterior

Maior incerteza política e risco fiscal doméstico são alguns dos fatores

Na última semana, o dólar atingiu a marca de R$ 5,70 e trouxe à tona um aspecto relevante da economia brasileira em paralelo ao aniversário de 30 anos do Plano Real: a sensibilidade da taxa de câmbio brasileira às volatilidades do mercado de capitais do exterior. Segundo especialistas ouvidos pelo Bora Investir, isso se explica pela incerteza política no mundo, risco fiscal doméstico e fuga do fluxo de capital estrangeiro.

Na cotação desta segunda-feira (8), o real brasileiro valia aproximadamente US$ 0,1827 dólares. Na visão oposta, a moeda norte-americana valia R$ 5,47, no fechamento do mercado. Essa é a taxa de câmbio, ou seja, o preço de uma moeda estrangeira convertida para a moeda nacional.

Em 1994, no lançamento da moeda em vigor no País, o real estava atrelado ao dólar, na proporção de um para um. De lá para cá, o real passou por diferentes crises econômicas, incertezas políticas e idas e vindas do fluxo de capital estrangeiro, o que fez seu valor se alterar.

Para controlar a variação do câmbio, contudo, o País possui alguns instrumentos monetários. O Banco Central, por exemplo, pode usar sua reserva em dólar a fim de suavizar as oscilações cambiais.

Por que o câmbio é sensível ao exterior?

Isso acontece, basicamente, por causa do fluxo de capital estrangeiro. Os investidores costumam movimentar suas carteiras para moedas mais seguras, como dólar, euro e iene – ou até mesmo para reserva em ouro —, em detrimento de moedas de países emergentes, como o Brasil, em momentos de incerteza. Esse movimento de recursos afeta a taxa de câmbio. É o que explica o professor André Braz, coordenador dos Índices de Preços da Fundação Getulio Vargas (FGV-IBRE).

“Os investidores estrangeiros costumam movimentar grande quantidade de dinheiro entre mercados para buscar maiores retornos. Se os EUA sobem os juros ou se mantêm a taxa elevada, e nossa economia passa por risco fiscal, pode ter uma migração de recursos para fora, o que desvaloriza nossa moeda. Quando há uma mudança nas condições econômicas globais ou percepção de risco entre agentes econômicos, esse fluxo de capital pode mudar rapidamente e afetar a demanda e a oferta de moedas, e consequentemente na taxa de câmbio”, explica.

Por outro lado, existem setores na economia que se beneficiam da desvalorização do real, como setor de exportação e turismo, segundo o professor de mercado financeiro da Trevisan Escola de Negócios, André Vasconcellos. 

“O real desvalorizado ajuda a exportar mais, ajuda setores do agronegócio, da agropecuária, que ficam mais competitivos do que outros produtos no exterior. Uma parte das receitas das companhias tem papel direto no câmbio. Petrobras, Vale e empresas do agro têm, de alguma forma, interesse genuíno na desvalorização do real para vender mais e construir mais sua receita”, afirma.

Eleições no mundo

O cenário de incerteza política no exterior também respinga no câmbio. Este ano é peculiar em razão do maior número de eleições em diferentes países do mundo, de acordo com Vasconcellos.

Neste domingo (7), a eleição parlamentar na França surpreendeu com uma reviravolta da esquerda sobre a ultra direita. Antes deles, houve eleição presidencial no México, onde foi eleita a primeira mulher no país; o indiano Narendra Modi passou por uma votação apertada; a eleição na Rússia manteve Vladimir Putin no poder, e ainda segue em curso a corrida presidencial nos EUA, com o possível retorno de Donald Trump à Casa Branca.

Ao menos dois bilhões de eleitores em 50 países devem ir às urnas neste ano, de acordo com estimativa do Center for American Progress. Esse cenário de incertezas políticas leva os investidores para países com moedas mais seguras.

“Esse é um ano em que mais da metade da população vai às urnas. Todo momento em que um país passa por eleição, é natural que o investidor estrangeiro fique mais reticente e não saiba como vai ser o cenário por causa da incerteza. Sempre que ocorrer instabilidade no cenário eleitoral, é natural que grandes fundos aloquem seus recursos em estruturas de reserva em economias mais sólidas, como nos EUA ou em reservas em ouro”, afirma Vasconcellos.

Expectativas dos investidores sobre o Brasil

Braz ressalta ainda a influência da expectativa dos investidores acerca do ambiente econômico e político no País, com consequências diretas na valorização ou desvalorização da taxa de câmbio.

“Expectativas dos investidores sobre futuras condições econômicas e políticas afetam a taxa de câmbio, notícias sobre instabilidade política, mudanças na política monetária ou fiscal, ou crises econômicas podem levar movimentos abruptos para a taxa de câmbio. Os investidores ajustam suas carteiras para gerenciar esses riscos. É um pouco o que há no Brasil quando o governo se manifesta sobre sua política fiscal.”

Flutuação suja

O câmbio brasileiro já experimentou diferentes tipos de administração no seu regime. Passou de fixo a flutuante e, agora, segue em uma flutuação suja, segundo os economistas. O que há de sujo?

“É um termo muito usual na economia em que o Brasil tem um regime de câmbio em que sofre intervenções do Banco Central, que pode intervir para suavizar e garantir estabilidade. Ele define nossa política cambial e identifica se deve comprar ou vender as reservas para acertar a oferta e demanda do real”, diz Vasconcellos.

Já Braz aponta que essa “sujeira” vem da intervenção do governo na economia. “Às vezes alguns governos ou o Banco Central intervém no mercado de câmbio para estabilizar a moeda, comprando ou vendendo as reservas internacionais. O Banco Central já fez isso, que é chamado de flutuação suja. Essas intervenções podem ser desencadeadas por volatilidade no mercado de capitais e podem afetar o mercado de câmbio. Isso eventualmente acontece para interromper essa desvalorização abrupta, o BC entra vendendo dólar, se a intenção for baixar a cotação. Ou comprando, se a intenção for desvalorizar o real”.

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