Entrevistas

Como surgiu e quais os planos de expansão do G10 Bank, o ‘BNDES’ das favelas

Em entrevista ao Bora Investir, Gilson Rodrigues afirma que favelas vivem uma espécie de embargo econômico, mesmo com potencial de movimentar até R$ 200 bilhões em consumo

Com potencial de movimentar até R$ 200 bilhões em consumo, os moradores da favela de Paraisópolis, em São Paulo, vivem uma espécie de embargo econômico. Assim como qualquer outra favela. Afinal, são comunidades onde o carro por aplicativo não chega, os bancos dificilmente concedem crédito aos moradores desses locais e o e-commerce não costuma levar produtos até lá. Ou seja, um cenário de embargo econômico.

“Se antes as pessoas viam as favelas como marginais e violentas, nós estamos buscando mostrar que não somos isso, mas que somos marginalizados e violentados pela falta de política pública que não chega”, afirma Gilson Rodrigues, presidente do G10 Favelas, também chamado popularmente de ‘BNDES’ das favelas.

O grupo reúne mais de 389 favelas do Brasil, e agora – através do G10 Bank – busca estimular a concessão de crédito, consumo e emprego aos moradores das comunidades que querem empreender ou que apenas buscam lidar melhor com o próprio dinheiro. Ele planeja expandir para favelas de outros estados, como Brasília, Belo Horizonte e Pernambuco.

“Nós queremos estar em todos os lugares em que o empreendedor precisa ter acesso à crédito e à mentoria”, afirma.

Para tornar isso realidade, Gilson conta que está formando vários professores de educação financeira que atuam em comitês para concessão de crédito. É assim que eles avaliam o score dos moradores para estabelecer uma relação de confiança e disponibilizar uma linha de crédito.

Confira a entrevista completa a seguir.

Bora Investir: Como surgiu o G10, o ‘BNDES’ das favelas?

Gilson Rodrigues: O G10 Bank nasce de uma necessidade de dar acesso ao crédito para o morador de favela. 40% deles sonham em empreender, mas é negado por causa de questões ligadas à informalidade, pessoas que não conseguem comprovar residência ou CNPJ por que o território é irregular. Então, percebemos isso e vimos que esse público tem muita desconfiança ao abrir uma conta e gosta de pagar uma conta e guardar cinco anos, porque se der algum problema, consegue comprovar. Isso porque ainda tem aquela memória do roubo da poupança. É um público que não está ainda nesse mundo digital, apesar de ser o futuro, que por vezes ainda não foi inserido no mundo real. Olhando para desenvolver nossa favela nós pensamos em criar o G10 Bank para ser uma espécie de ‘BNDES’ da favela, dando oportunidade de acesso ao crédito e mentoria. E cumprir com o papel social que os bancos também fazem, que é o desenvolvimento local.

Bora Investir: Como funciona a avaliação de concessão de crédito? Que critérios usam?

Gilson Rodrigues: Criamos um novo tipo de score de crédito que vai além do SPC e Serasa. Vai olhar um pouco para o conjunto da reputação que esse empreendedor tem para oferecer  o crédito. Somos orientados por um programa dentro do Banco Central e criamos os cinco Cs, que é um questionário para entender o contexto do empreender, se ele tem reputação, se os filhos estão na escola, se ele participa das ações na comunidade. A partir disso, nós estabelecemos um processo de confiança que é gerado a partir de um comitê de crédito composto pelos próprios moradores. A partir do comitê aprovamos os créditos através da pontuação de cada empreendedor e criamos esse novo score. Podemos até conceder crédito para pessoas negativadas.

Bora Investir: Em relação ao perfil desses consumidores. Como é o perfil de compra dos moradores da favela?

Gilson Rodrigues: Nós consumimos de tudo. É uma população de 20 milhões de brasileiros com potencial de consumo de R$ 200 bilhões. Então, são consumidos roupas, sapatos, bebo, eu sou cliente. Eu falo muito no mercado de publicidade, principalmente quando estamos ensinando esse público a dialogar com o povo da favela, que nós existimos.

Nós queremos fazer parte da solução, e não somos clientes-problema. Somos clientes. Queremos nos identificar cada vez mais com as marcas. É um público diverso que estabelece desde produtos básicos até os luxuosos. Nós temos também a periferia da periferia, onde os moradores estão empreendendo e se conectando melhor com outras marcas.

Bora Investir: E o que eles buscam?

Gilson Rodrigues: É um público muito fértil e que está buscando consumir novos produtos, buscando qualidade e que está se percebendo no mercado como agente de transformação. O G10 estimula para que o consumo aconteça cada vez mais dentro da comunidade, para alavancar nosso desenvolvimento, gerando emprego e renda, mas nós temos um público que consome para fora [da comunidade] e quer ser visto independente do CEP onde mora.

Bora Investir: Para quais áreas o crédito tem sido direcionado?

Gilson Rodrigues: Nós oferecemos crédito através do G10 para diversos segmentos, como logística, alimentação, moda e comunicação. Nós olhamos para o mercado brasileiro e vemos a favela como um micro mercado, em que tudo pode ser estabelecido e impulsionado.

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Bora Investir: Mas o G10 não fica apenas em Paraisópolis. Como está sendo expandir essa rede?

Gilson Rodrigues: O G10 está criando uma rede para atingir todas as favelas do Brasil. Nós queremos estar em todos os lugares em que o empreendedor precisa ter acesso à crédito e à mentoria. Na contramão dos bancões que têm fechado suas agências físicas, o G10 percebe que nosso público ainda precisa da loja física, que quer falar com o gerente, que quer entender o contexto para estabelecer confiança. Por isso, a gente cria uma loja física em Paraisópolis.

A partir dessa criação, nós temos buscado abrir novas unidades em outros territórios. Já está definido que vamos abrir uma nova em Higienópolis, e depois vamos para outros estados. Sol Nascente, que é a maior favela de Brasília, vai receber uma agência do G10 Bank. Vamos abrir outra em Belo Horizonte no Aglomerado da Serra. E também em Casa Amarela, em Pernambuco. Serão abertas essas para que a gente chegue ainda neste semestre a 100 mil contas abertas.

Bora Investir: Qual objetivo de abrir várias agências nas favelas?

Gilson Rodrigues: Para oferecer mais crédito, mais mentoria e ser um serviço completo de banco. Hoje, todos os serviços que um banco oferece, nós também oferecemos, como acesso à conta digital, a Pix, criamos programas para facilitar acesso a alguns serviços como Consórcio G10 e Seguro G10.

Nós estamos criando e modelando essa estrutura através de parceiros para oferecer as mesmas condições que um morador encontraria em um banco na Paulista, mas que ele pode encontrar, agora, dentro da própria favela.

Bora Investir: Como é viver em Paraisópolis? Como resgatar essa memória e cultivar novos projetos num cenário tão difícil?

Gilson Rodrigues: Viver em Paraisópolis é desafiador, mas também é uma grande oportunidade de ajudar quem precisa. Paraisópolis é uma terra muito fértil, que tem muitas oportunidades que, às vezes, são vistas como problemas. Ao longo desse período, nós conseguimos criar soluções para os problemas que temos aqui. É a partir dessas criações que conseguimos bons cases de sucesso para se espalhar pelo Brasil inteiro. Então, estou muito feliz em traçar essa jornada, que podemos estar em espaços onde antes nos diziam que era impossível chegar.

Bora Investir: Onde o G10 quer estar agora?

Gilson Rodrigues: Hoje, o G10 chega em diversos espaços e abre caminho para outros empreendedores. Neste ano, estou indo para os EUA e palestrarei em Harvard em um painel de economia. Por vezes a gente aparecia em uma foto como pessoas em vulnerabilidade. Hoje, estamos indo lá como potentes para falar que a economia existe e somos R$ 200 bilhões, que se fossemos uma empresa estaríamos listados na bolsa do Brasil e que as empresas que ignoram esse mercado de favela estão perdendo oportunidade de ganhar dinheiro e de ajudar o Brasil.

Bora Investir: Como mudar esse cenário?

Gilson Rodrigues: As favelas fazem parte da solução, e não do problema. Nós estamos buscando mostrar essas oportunidades para abrir caminhos. Se antes as pessoas viam as favelas como marginais e violentas, nós estamos buscando mostrar que não somos isso, mas que somos marginalizados e violentados pela falta de política pública que não chega. Porque vivemos uma espécie de embargo econômico. Onde os aplicativos de carro não vem, e-commerce nos bloqueia, os bancos não nos dão crédito e a gente fica nessa perspectiva do ‘não pode’ e ‘não dá para fazer’. Quando, na verdade, nós podemos fazer. Podemos criar uma nova realidade. Nós, que moramos nas favelas, nunca sonhamos em morar aqui. As pessoas que vêm para as capitais e metrópoles vêm para mudar suas vidas, para ajudar aqueles que ficaram em casa e ficarem ricos. Esse é o sonho do morador de Paraisópolis. 

Bora Investir: Em relação à educação financeira, o que o G10 vem fazendo nesse sentido?

Gilson Rodrigues: O G10 tem investido bastante em educação e mentoria para formar professores de educação financeira. Nós criamos o programa Donas de Si, voltado para as mulheres empreendedoras para terem mentorias, mas principalmente ter acesso à educação financeira, capital de giro e saber como captar investimento. Olhar um contexto do seu negócio e ensinar educação financeira para a população em geral. Vamos potencializar aquilo que temos.

Bora Investir: Como estimular essa mentalidade empreendedora?

Gilson Rodrigues: Vamos criar plataformas e pelo aplicativo para as pessoas perceberem o quanto gastam. Nós acreditamos que a população da favela já tem que fazer muito milagre e sabe economizar como ninguém, mas nós podemos dar um empurrãozinho e mostrar como lidar com cartão de crédito, como comprar melhor e mais barato. Então, vamos aperfeiçoar esse conhecimento que já é empírico dessa população que já passa tantas dificuldades.

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