“Correlação dos mercados com o Bitcoin cresceu nos últimos anos”, avalia Erich Marinelli
Analista de criptoativos da Genial Investimentos fala do cenário positivo para as moedas digitais, da alta na procura por ETFs de Bitcoin e explica o que é o halving, que acontece no mês que vem
As moedas digitais, puxadas pela maior delas o Bitcoin (BTC), têm batido recordes em 2024. O fôlego dos criptoativos veio da aprovação em janeiro, pela Comissão de Valores Imobiliários dos Estados Unidos (SEC, em inglês) das ETFs de Bitcoin negociados em bolsa.
O ETF é um fundo de investimentos atrelado ao desempenho de algum índice. Como os tradicionais, ele possui cotas e investe numa cesta de ativos. Ao ser negociado em bolsa, como uma ação, a compra e venda de cotas é feita de maneira rápida e o resgate facilitado.
No início do ano, um BTC valia US$ 44.168. Hoje a cotação está em US$ 65.880 – uma valorização de 58,2%, segundo dados do Coingecko. No dia 14 de março, o BTC bateu seu pico histórico de US$ 73.737,94.
Em entrevista ao Bora Investir, o analista de criptoativos da Genial Investimentos, Erich Marinelli, explicou que as perspectivas de corte dos juros americanos também turbinaram a cotação do Bitcoin, assim como das bolsas. Isso acontece, porque sem a esperança de retornos garantidos na renda fixa, o investidor buscar mais risco.
“A correlação dos mercados de risco com o Bitcoin cresceu nos últimos anos, principalmente com a bolsa de tecnologia dos EUA, a Nasdaq. Então, não apenas cripto está num bom ano, mas os ativos de risco como um todo”.
O mercado também está atento ao chamado Halving, previsto para o mês que vem. O evento limita a oferta de BTC e a remuneração paga aos mineradores, que trabalham para “descobrir” novos blocos (que contém informações de transações com bitcoin) da rede blockchain.
Para Erich Marinelli, esse halving não deve impactar tanto no avanço do Bitcoin. “Hoje a cotação do Bitcoin sobe por conta do ciclo macroeconômico e de empresas de investimento oferecendo mais opções de produtos com a moeda digital”.
Segundo o analista da Genial Investimentos, o momento é bom para as criptomoedas, mas o investidor precisa ficar atento aos riscos – principalmente a alta volatilidade.
“Tenho boas perspectivas para o preço do bitcoin num horizonte de um ano e meio. Isso não impede correções de 30% a 40% no meio do caminho. Cabe ao investidor ver se aguenta esses trancos”, conclui.
Confira abaixo a entrevista completa!
Bora Investir: O Bitcoin acumula alta em 2024 de quase 60% e as outras criptomoedas seguem essa tendência. Quais os fatores têm turbinado a cotação das moedas digitais?
Erich Marinelli: O avanço da cotação do Bitcoin neste ano tem motivado a alta das outras moedas digitais também. O principal gatilho dessa movimentação positiva vem desde o meio do ano passado, com a antecipação da possibilidade de aprovação dos ETFs à vista de Bitcoin nos Estados Unidos. Ou seja, antes mesmo de serem lançados, elas já alimentavam essa alta. Acontece que de fato esses ETFs foram aprovados. Uma vez no mercado, eles passaram a atender uma demanda institucional por Bitcoin, que estava reprimida.
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O segundo fator é mais macroeconômico. Os ciclos de cripto são muito interligados com os de expansão e contração da economia global. Hoje o mercado está comprando a ideia de que o Federal Reserve possa começar a ter um ciclo de redução das taxas de juros dos Estados Unidos. Essa flexibilização monetária leva o dinheiro a ficar mais barato. Com mais ‘grana’ na mão e sem ter a esperança de retornos garantidos numa renda fixa, o investidor passa a buscar um pouco mais de risco.
A correlação dos mercados de risco com o Bitcoin cresceu nos últimos anos, principalmente com a bolsa de tecnologia dos Estados Unidos, a Nasdaq. Então, não apenas cripto está num bom ano, mas os ativos de risco como um todo. S&P e Nasdaq também estão muito próximos das máximas, assim como o Bitcoin. Tudo muito ligado a essa visão macroeconômica de que a gente pode voltar a ter uma expansão monetária de novo.
Bora Investir: Essa escalada do Bitcoin também ocorre na véspera do chamado ‘Halving’ – previsto para o final de abril. O que é esse evento?
Erich Marinelli: Para entender o que é o Halving, vou explicar um pouco os principais conceitos de cripto. O primeiro de tudo é a blockchain, cadeira de blocos na tradução do inglês. Esses blocos seguram, no caso do Bitcoin, as informações de transações financeiras. Exemplo: eu Erich mando para alguém um número de Bitcoins. A cada dez minutos vão surgindo novos blocos na rede do Bitcoin que vão armazenando essas várias transações e formam uma cadeia.
O segundo conceito é a questão de uma blockchain descentralizada. Nela você tem essa cadeia de blocos com várias informações. Cada pessoa no mundo pode segurar uma cópia dessa cadeia, tornando-a descentralizada, que funciona 24 horas por dia, sete dias por semana e que pode ser auditada por qualquer pessoa.
Terceiro conceito: essa cópia da blockchain que cada pessoa guarda ao fazer uma transação com Bitcoin no seu computador são chamadas de ‘nodes’, na tradução nós. E você tem dois tipos de nós: o leve, que só acompanha a blockchain [ou seja, as transações feitas pelos compradores de bitcoin] e o profissionalizado, feito pelos chamados Mineradores, que ‘brigam’ para conseguir tentar incluir um novo bloco na rede.
O que os Mineradores ganham com isso? Por que alguém iria demandar energia elétrica para ligar o computador e ficar tentando embutir um novo nó na rede? Você tem um incentivo financeiro para isso. No caso do Bitcoin, a cada dez minutos o minerador que descobrir a senha desse bloco ganha as recompensas que aquele bloco traz. No caso do Bitcoin, hoje são 6,25 bitcoins. A cada bloco novo são mais bitcoins que entram no mercado. Essa é uma oferta definida pelo criador da moeda, Satoshi Nakamoto, que inclusive estipulou que no total vão existir 21 milhões de bitcoins, que devem ser gerados até 2140.
Tudo isso para chegar na explicação do que é o Halving. No início do Bitcoin, essa recompensa por bloco minerado era maior. Depois passou a ser cortada pela metade e assim por diante. Então, o Halving é uma forma de a mineração de bitcoins ir diminuindo aos poucos, limitando a oferta da moeda e a recompensa pela qual os mineradores lutam, que é o incentivo financeiro pago em Bitcoins. Esse evento que reduz em 50% as recompensas por bloco minerado acontece mais ou menos de quatro em quatro anos.
Bora Investir: É possível concluir, então, que esse evento é importante porque afeta diretamente a oferta de novos Bitcoins que entram em circulação, o que pode influenciar seu preço?
Erich Marinelli: Sim e não. No início você tinha muitos bitcoins sendo recompensados justamente para trazer mais pessoas. Então se ganhava no primeiro bloco a recompensa de 50 bitcoins. Quatro anos depois passou para 25, depois 12,5, depois 6,25 (que temos hoje) e daqui mais ou menos um mês vai cair para 3,125. Essa redução da oferta do Bitcoin é sabida porque está no código da criptomoeda. Ninguém vai mudar isso. O que faz o preço no Bitcoin é a demanda, que é variável, e que a gente não sabe como vai aumentar ao longo dos próximos tempos.
Quando você tem uma rede com poucos bitcoins em circulação e a cada dez minutos – como lá no início – você está colocando mais 50 bitcoins, essa inflação fazia muita diferença. Porque se estava dobrando a oferta de bitcoin semana após semana. Uma vez que já se tem vários bitcoins em circulação, que é o caso de hoje, e esse volume total negociado é bizarramente grande frente a entrada de novos bitcoins pela mineração, essa inflação passa a ser menor.
A inflação do Bitcoin hoje é justamente desses 6,25 bitcoins por bloco e está na casa de 1,7%. Quando acontecer o Halving, essa inflação vai diminuir para 0,85%. Então não faz sentido dizer que os preços do Bitcoin vão subir.
O Halving já fez o preço do Bitcoin, mas hoje não mais. Hoje a cotação do Bitcoin sobe por conta do ciclo macroeconômico e de empresas de investimento oferecendo mais opções de produtos com a moeda digital. Isso deixa tudo muito mais palatável para o investidor e justifica melhor o acréscimo de preço.
Bora Investir: Diante do atual momento macroeconômico, em que os Estados Unidos vão começar a desacelerar os juros e a renda fixa mais segura do mundo deve perder rentabilidade, o investimento em criptomoedas deve ganhar força?
Erich Marinelli: Sim. O mercado de criptomoedas é novo e começa a ganhar muita tração. Ele não pode mais ser ignorado. Pegando uma frase do próprio Satosh: ‘o que estou criando, ou ninguém vai conhecer ou vai ser discutido no mundo inteiro’. Hoje o mundo todo fala sobre cripto, não existe um meio termo.
A assimetria que cripto está tomando hoje é muito boa para o investidor não tomar esse risco. E aí, trazendo a palavra risco. Apesar de estar ganhando uma proporção mundial, existem riscos que devam ser levados em conta. A volatilidade é um deles. A capacidade do investidor de aguentar essa volatilidade pode fazer com que ele acabe fazendo alguma besteira. É o clássico: compra no topo, vende no fundo porque você não sabe o que está comprando.
Eu tenho boas perspectivas para o preço do bitcoin em dólar num horizonte de um ano e meio. Caso eu esteja certo, isso não impede que não possam ter correções de 30% a 40% no meio do caminho. Tem até um meme bem clássico em que o Bitcoin tem uma alta infinita, com correções de 80% no meio do caminho. Cabe ao investidor ver se aguenta esses trancos ou não.
Em resumo: é um bom momento, mas saiba que o Bitcoin saiu de US$ 15 mil há um ano atrás e já superou as máximas históricas. Os fatores que estão motivando essa alta na demanda são os macroeconômicos – que já falamos – e as ETFs de Bitcoin que ainda estão muito frescas. Ou seja, o ciclo de correção dos juros não começou e as ETFs têm três meses de vida. Portanto estamos num bom momento.
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Bora Investir: Com o gancho risco e volatilidade, pergunto: quais outros cuidados que o investidor precisa tomar com as criptomoedas?
Erich Marinelli: Existem formas do investidor se expor em criptomoedas. Hoje há a facilidade das ETFs à vista nos Estados Unidos. Aqui no Brasil, já se tem esses ETFs faz um bom tempo. Esse modo de compra não exige tanto cuidado porque justamente o investidor adquire cripto através de uma plataforma na qual já se está acostumado a negociar ações. Não é preciso se preocupar com a custódia desse ativo. Então paga-se pela conveniência. Mas saiba que você está comprando um ativo novo, que tem uma altíssima volatilidade.
Agora ao comprar através de uma corretora centralizada, o investidor deixa a empresa fazer a custódia para ele. A gente já teve no histórico recente exemplos como a FTX e a Mt. Gox, que foi a primeira corretora relevante de Bitcoin em 2013. São empresas que eram enormes e mesmo assim faliram. Então, o investidor precisa saber o risco ao deixar criptos em corretoras centralizadas. Porque se essas criptos não estão com você, elas não são suas. Elas podem acabar sumindo numa falência, por exemplo.
Já o investidor que for comprar e guardar os seus próprios Bitcoins numa chave física, isso também não é livre de riscos. Basicamente você está tirando o risco de custódia de terceiros e passando para você. A dica final é: se o investidor não sabe como fazer determinada coisa, é melhor não fazer ou usar pequenos valores para depois aumentar o seu portfólio.
Bora Investir: Em relação aos escândalos de empresas que operavam com criptomoedas – que você até citou a FTX. Como o investidor faz para escapar dessas armadilhas?
Erich Marinelli: O mercado cripto como um todo, por ainda ser novo, abre margem para que muita gente que talvez não saiba o que está fazendo, consiga causar problemas. E com o mundo entrando em um novo ciclo de alta, isso dá margem para o aumento de golpes e pirâmides financeiras. Isso acontece muito porque as pessoas que não entendem desses ativos, acabam se informando por meios errados. O famoso ‘Tio do WhatsApp’.
Então, uma vez que o investidor entenda o que é blockchain, o que é Bitcoin e quais são os parâmetros para ter ou fazer sua custódia, ele vai conseguir sair dessas armadilhas. Importante destacar que o problema não está na ferramenta, que é extremamente segura.
Bora Investir: A Comissão de Valores Mobiliários dos EUA aprovou em janeiro os fundos negociados em bolsa (ETFs) de Bitcoin à vista, que nós já citamos. Você acredita que esse passo ajudou a legitimar as moedas digitais frente ao mercado financeiro?
Erich Marinelli: Com certeza. Existia uma tese, antes da aprovação desses ETFs, que possivelmente teria muito capital institucional que gostaria de investir em cripto, mas não conseguia porque não havia um veículo legal para isso. O cliente de grandes gestoras – como a BlackRock, por exemplo, ou fundos de pensão – às vezes gostaria de investir em cripto e sem que o ETF existisse, ele não tinha meios legais de fazer isso. Com a apresentação dos ETFs, você criou uma ferramenta para que essa demanda institucional reprimida pudesse ser feita.
Só que estamos falando das pessoas que já queriam investir, ou seja, acreditavam no ativo. Agora, o fato do ETF ter saído e o preço estar subindo, mostra que o ETF foi um sucesso. O volume financeiro que eles negociaram nesses três meses foi muito alto. E aí, naturalmente, você acaba vendo as pessoas que eram um pouco mais reticentes, procurando esse investimento.
Bora Investir: Na semana passada, várias agências de notícias publicaram reportagens sobre a saída recorde de recursos dos ETFs de Bitcoin nos EUA. O que aconteceu?
Erich Marinelli: Os Estados Unidos tem dez ETFs ao todo, sendo nove novos e um deles, o GBTC, que era um fundo já negociado em bolsa foi convertido em ETF à vista. Esse GBTC tem muitos ativos sob gestão. Ele era da Grayscale e tem alguns clientes muito relevantes como a FTX, a Genesys, que hoje são empresas que passam por processos de falência. Então essa saída líquida foi causada por esse ETF e não pelos outros nove novos, que desde o lançamento tiveram entrada de recursos diariamente.
Entretanto, o GBTC é muito maior que todos os outros. Em números: hoje o GBTC está com aproximadamente US$ 22 bilhões – todo de Bitcoin – e o IBIT da BlackRock está superando os US$ 15 bilhões. Se a gente pegar IBIT e ETF da Fidelity com US$ 8 bilhões, a gente começa a se aproximar do que é o GBTC. Então, o grande ponto agora é quando que esse ponto de equilíbrio será atingido.
Bora Investir: O Brasil aprovou há pouco mais de um ano o Marco Legal dos Criptoativos – que regulam a atividade. Como você vê esse mercado no país?
Erich Marinelli: A penetração de cripto em países com moeda fraca perante o dólar normalmente é muito alta por conta da inflação elevada. No Brasil, dentre os principais motivos para investir em criptomoedas, estão a especulação e o gosto do brasileiro por apostas. Temos aí, por exemplo, a explosão de casas de bet nos últimos dois anos.
Sobre as regras do Marco Legal dos Criptoativos, é difícil entender como elas são aplicadas porque você tem muitas lacunas. Agora a parte de legalização, com a entrada de ETF e até saindo de cripto e indo para tokenização, isso caminha muito bem e o Brasil está dando aula para vários lugares do mundo.
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