Entrevistas

“Não será o fim do mundo se o governo não zerar o déficit das contas em 2024”, diz Eduardo Giannetti

Em entrevista, economista diz acreditar que, caso não haja equilíbrio entre receitas e despesas, desafio do País será contingenciar gastos

Eduardo Giannetti Crédito: Divulgação
Eduardo Giannetti Crédito: Divulgação

O governo e sua equipe econômica, liderada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem no primeiro ano de vigência das novas regras fiscais (arcabouço fiscal) o tortuoso desafio de atingir a meta de equilibrar as contas públicas – o famoso déficit zero.

Desde o ano passado, o executivo lançou uma série de medidas para elevar a arrecadação, com valor total na ordem de R$ 170,8 bilhões, para cumprir essa meta estabelecida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Muitas dessas propostas, inclusive, já foram aprovadas pelo Congresso.

Mesmo assim, o mercado ainda vê com ceticismo que o déficit zero seja alcançado – e projeta um rombo nas contas de 0,5% a 0,75% do Produto Interno Bruto (PIB) – em torno de R$ 80 bilhões para 2024. Ou seja, a expectativa é de que as despesas superem as receitas, aumentando a dívida pública.

O Tesouro Nacional, no primeiro Relatório de Projeções Fiscais divulgado na semana passada, pensa diferente e prevê o cumprimento da meta fiscal em 2024, mas não nos dois anos seguintes.

Para o economista e membro da Academia Brasileira de Letras, Eduardo Giannetti da Fonseca, não será o “fim do mundo” e do arcabouço se o déficit zero não for alcançado neste ano. No entanto, o professor alerta que se no fim do 1º trimestre a meta estiver longe de ser atingida, estão previstos na regra fiscal mecanismos de contingenciamento de gastos.

“O grande teste para as expectativas do mercado financeiro será saber se o governo vai recuar em relação às metas ou se vai implementar o contingenciamento. A boa notícia, no curto prazo, é que a arrecadação em janeiro surpreendeu para melhor”.

No primeiro mês de 2024, a receita com impostos e contribuições federais atingiu R$ 280,3 bilhões – maior valor para todos os meses de janeiro da série histórica da Receita Federal que começou em 1995. Segundo o Fisco, a tributação de fundos exclusivos ajudou na alta da arrecadação (R$ 4,1 bilhões), além da retomada dos tributos sobre combustíveis.

Em entrevista exclusiva ao B3 Bora Investir, o economista, filósofo e membro da ABL também falou sobre as mudanças climáticas e a necessidade de ajustar o sistema de preços para refletir os custos ambientais. Eduardo Giannetti é um dos primeiros pensadores brasileiros a trazer a questão ambiental para o debate econômico.

Arcabouço e contingenciamento

O arcabouço fiscal prevê o acionamento de ‘gatilhos’ no caso de descumprimento da meta, que obrigam o governo a contingenciar despesas. Hoje a LDO estabelece um limite de R$ 26 bilhões para o contingenciamento de gastos em 2024.

Contudo, o arcabouço fiscal aprovado em agosto de 2023 prevê que o bloqueio pode ser de até 25% das despesas discricionárias (não obrigatórias, como recursos para custeio e investimentos). O que elevaria o valor para mais de R$ 50 bilhões.

Se mesmo assim o governo descumprir a meta, outros ‘gatinhos’ passam a vigorar, como a proibição de criação de novos cargos e alteração de estrutura de carreira, por exemplo.

Essa discussão é importante para o governo porque pode afetar justamente a meta de zerar o déficit das contas.

Expectativas do mercado

As expectativas do mercado financeiro, já citadas por Giannetti, passam pelo modo como o governo deve apresentar as soluções para tentar atingir o equilíbrio das contas ou pelo menos chegar próximo dessa conta.

Segundo o economista, o compromisso assumido de austeridade nos gastos passa também pela seriedade com que o governo está tratando dessa questão.

“Quanto mais a gente estuda a economia, mais aprendemos como as expectativas são determinantes das ações e dos resultados. Portanto, é preciso tomar muito cuidado na administração, na gestão dessas expectativas, especialmente dos mercados financeiros, que são muito mais nervosos e muito mais capazes de promover grandes deslocamentos de recursos em curto período”.

Medidas de aumento da arrecadação

As principais medidas enviadas pelo governo e aprovadas no Congresso para aumentar a arrecadação somam R$ 170,8 bilhões em valores brutos, que serão divididos com estados e municípios.  

  • subvenções para investimento: R$ 35,3 bilhões;
  • fim da dedução de juros sobre capital próprio: R$ 10,4 bilhões;
  • apostas esportivas: R$ 1,1 bilhão;
  • taxas de loteria: R$ 3,1 bilhões;
  • novo regime de tributação simplificada para produtos importados: R$ 2,9 bilhões;
  • tributação de fundos exclusivos e offshores: R$ 20,1 bilhões;
  • recuperação de créditos do CARF: R$ 54,7 bilhões;
  • transação tributária entre Receita e Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional: R$ 43,2 bilhões.

Projeções: déficits em 2025 e 2026

O primeiro Relatório de Projeções Fiscais deste ano, publicado pelo Tesouro Nacional, alertou que o país deve ficar com as contas públicas no vermelho em 2025 e 2026.

Os déficits esperados são de 0,5% do PIB já no ano que vem e 0,4% do PIB em 2026, o que frustra as expectativas de meta fiscal prevista na LDO deste ano, que prevê superávit de 0,5% do PIB em 2025 e de 1% do PIB no ano seguinte – o que ampliaria gastos com investimento e redução da dívida pública.

Importante pontuar que essas são apenas previsões, ou seja, a meta que de fato vai vigorar em 2025 terá de ser incluída na LDO de 2025 e assim por diante. Segundo o Tesouro, esse cenário já considera os bloqueios de gastos nos próximos dois anos. Assim a equipe econômica terá de apresentar mais medidas para cumprir as metas estipuladas.

“Mesmo com a adoção de contingenciamento em 2025 e 2026, na ausência de novas medidas, a receita líquida se encontra abaixo das despesas neste período”, diz um trecho do documento.

Regulamentação da reforma tributária

O outro desafio do governo para 2024, segundo o professor Eduardo Giannetti, é a discussão das propostas que regulamentam a reforma tributária, aprovada no ano passado após mais de quatro décadas de discussão.

A Reforma unifica cinco tributos em dois: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) com gestão federal; e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS): com gestão compartilhada entre estados e municípios.

A emenda também cria uma série de tratamentos diferenciados a setores, com alíquotas reduzidas, que ainda precisam ser alvo de regulamentação. De acordo com o economista, esse detalhamento será o grande obstáculo para o governo.

“O diabo mora nos detalhes. Eu acho que o governo tem que tomar muito cuidado para não ficar preso em grupos de interesse que vão, como sempre fazem, querer privilégios. Vão achar que o seu setor é diferente dos outros e que merecem um tratamento especial. Evidente que alguns setores, de fato, vão ter que ter um tratamento diferenciado”, afirma Giannetti.  

A dificuldade na regulamentação de pontos da reforma passa, por exemplo, pela definição da lista de produtos que vão integrar a ‘cesta básica nacional’, que será isenta de impostos. Outro ponto polêmico é o mecanismo de cashback, que prevê a devolução do imposto pago por famílias de baixa renda em determinados produtos.

“É muito irrealista imaginar um cashback para milhões de brasileiros que receberiam de volta o dinheiro que pagariam de impostos ao comprar itens da cesta básica. É uma questão operacional extremamente complexa e, eu diria até mesmo inviável. Portanto, eu acho que a cesta básica de fato vai ter que ter um tratamento diferenciado, mas eu ficaria por aí”.

A reforma tributária já prevê a devolução para famílias mais pobres de impostos sobre energia elétrica e gás de cozinha.

Impacto da reforma tributária nos negócios

O economista e filósofo, Eduardo Giannetti, disse ainda que um sistema tributário mais simples e que dê horizonte para o tomador de decisões do setor privado será um ganho expressivo no ambiente de negócios brasileiro.

“Criar um regime tributário estável e juridicamente sólido potencialmente poderá fazer andar o que realmente ainda chama a atenção para pior na economia brasileira, que é o baixíssimo nível de investimento desde a recessão de 2015/2016”.

Segundo Giannetti, os investimentos no Brasil nunca mais foram os mesmos desde a estagnação econômica há quase uma década atrás.

“A capacidade de investimento brasileira, setor privado especialmente, é uma peça fundamental para que essa formação bruta de capital fixo possa voltar para território positivo e começar a crescer daqui para frente”, conclui.

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