Entrevistas

“Temos visto grande apetite do investidor brasileiro em diversificar e alocar no exterior”, diz diretor da BlackRock

Em entrevista ao Bora Investir, Cristiano Castro comentou as perspectivas da gestora quanto à economia brasileira e ao desempenho dos mercados globais

O investidor brasileiro tem se tornado mais globalizado e busca mais diversificação geográfica para seu portfólio. O movimento ainda é liderado pelos clientes do segmento conhecido como alta renda no mercado, mas também tem se mostrado entre os demais investidores de varejo.

Alguns fatores explicam essa movimentação. O primeiro, segundo Cristiano Castro, diretor responsável pelo segmento de wealth clients da BlackRock no Brasil, é a própria globalização dos brasileiros, que buscam consumir e investir em produtos internacionais. Em segundo lugar vem do avanço da educação financeira no país. “O brasileiro tem se preocupado mais com o planejamento financeiro e entende a importância que o investimento internacional tem nesse cenário”, diz.

Por fim, as baixas taxas de juros no Brasil no período da pandemia também fizeram com que os investidores buscassem novas alternativas. “Isso se materializou de duas formas: no aumento de investimento em ativos de riscos locais e na internacionalização. Eu diria que foi um processo que perdeu um pouco de força depois que a taxa de juros subiu, mas pelo menos o mercado saiu daquela inércia inicial em que ninguém investia no exterior”.

A área liderada por Castro na BlackRock trabalha diretamente com os multi e single family offices, os bancos e as plataformas de investimento. Com isso, o segmento representa quase dois terços dos nossos negócios da gestora aqui no Brasil.

Em entrevista ao Bora Investir, ele comentou as perspectivas da gestora, uma das maiores do mundo, sobre a economia brasileira. Também detalhou quais as apostas para alocação no mundo. Confira a entrevista completa:

Bora Investir: Você comentou que o Brasil chegou a ter uma taxa de juros num nível historicamente baixo para o País, de 2%. Mas tivemos rapidamente a volta de uma taxa de juros para um patamar bastante restritivo logo em seguida. O que essas mudanças bruscas fizeram com o mercado? Quais as perspectivas de vocês para investimentos no próximo ano?

Cristiano Castro: Soltamos recentemente nossa visão global para 2024 com base em três temas. O primeiro é gerenciar o risco macroeconômico. Viemos de um período entre 2008 até a pré-pandemia em que tivemos basicamente uma estabilidade dos mercados como um todo, com bastante liquidez, juros baixos (globalmente falando), e a bolsa andando bastante, com pouco susto.

Mas agora estamos num regime macroeconômico um pouquinho diferente, em que os bancos centrais fizeram um aperto monetário grande. E nos países emergentes, mesmo com a inflação mais controlada, os Bancos Centrais não podem levar os juros muito para baixo, porque há uma limitação lá fora [com os BCs de países desenvolvidos ainda com taxas elevadas]. Por outro lado, os países precisam reduzir os juros, para não causar um choque econômico. Então os BCs têm que achar ali um meio termo, que é o que está acontecendo um pouco no Brasil. E no meio disso, temos a questão fiscal em todo o mundo.

O segundo tema chamamos de direcionamento dos resultados do portfólio. Olhando esse cenário como um todo, as previsões macroeconômicas estão muito difusas, você não tem consenso em termos de valuations. Então, na nossa opinião, as pessoas vão ter que ser mais ativas, mais táticas nos portfólios.

E aí o terceiro tema é sobre aproveitar as mega forças. Nesse sentido, destaco a disrupção tecnológica e uso de inteligência artificial, que vemos como um ciclo longo e de muito investimento. E há também um novo futuro para as finanças. A gente acha que as empresas e as pessoas vão buscar alternativas de crédito fora dos bancos. Na outra ponta, vemos a mudança na forma como os clientes investem e o que vem acontecendo no Brasil, com os bancos digitais e plataformas de investimento internacionais a remodelar o futuro das finanças.

+ Dicionário do investidor da Bolsa de Valores: termos essenciais

Bora Investir: A BlackRock colocou o Brasil como um destaque na tese de investimento para 2024 entre os emergentes. Como estava a posição da gestora aqui no Brasil nos últimos anos? Esse destaque representa uma melhora do Brasil ou uma piora dos pares?

Cristiano Castro: Costumamos montar esses calls macroeconômicos aqui na BlackRock em seis grandes blocos: Estados Unidos, Europa, China, Japão, mercados desenvolvidos (exceto esses anteriores) e emergentes. O que aconteceu foi que, recentemente, fizemos um ajuste para mercados emergentes como um todo. O bloco como todo é neutro para levemente otimista, pois achamos que esses países podem se beneficiar das questões geopolíticas e desafios que a China enfrenta.

Entre eles vemos que alguns se beneficiariam mais do que outros. Os três destaques hoje são Brasil, México e Índia, cada um por um motivo. O México tem o benefício da estar perto dos Estados Unidos, tem a questão do near shoring, a Índia tem a questão demográfica muito forte. O Brasil é um país que passa hoje por uma série de reformas e ao mesmo tempo o Banco Central vem conseguindo fazer uma boa execução de controle inflacionário de política monetária.

Bora Investir: Além dessa visão neutra para otimista com mercados emergentes, quais são as principais teses da BlackRock?

Cristiano Castro: Hoje, a gente hoje tem três temas em que estamos over [otimistas] e três temas em que a gente está under [pessimista]. Um dos temas em que a gente está over é em treasury [ganhos] de curto prazo, o título do tesouro americano, porque a gente acha que os níveis de yield estão muito altos.

O outro tema em que estamos over é renda fixa emergente, mas temos preferência pela renda fixa emergente em dólar. Isso porque achamos que os bancos centrais dos mercados emergentes vão ter que fazer um ciclo de corte de juros antes de Europa e dos Estados Unidos. Só que com isso pode haver um enfraquecimento das moedas.

Bora Investir: E onde é que a BlackRock está a under?

Cristiano Castro: Em ações americanas. Existe uma expectativa de um início de ciclo de corte de juros e de que a economia dos EUA desacelere sem entrar em recessão, e a gente acha que existe um risco das pessoas se decepcionarem, principalmente no início do ano, com o início desse ciclo.

A segunda são as ações europeias, porque a gente acha que, apesar de ter bons valuations, você não tem catalisador. E o Banco Central Europeu tem sido muito contido.

O outro são os títulos globais de investment grade, e aí uma coisa muito específica porque os spreads atuais não compensam os riscos de crédito embutidos.

Bora Investir: E nesse cenário, o que muda para o portfólio dos investidores no Brasil?

Cristiano Castro: A gente tem capturado alguns temas. O primeiro é a combinação de gestão ativa com gestão passiva, que vem acontecendo nos últimos três ou quatro anos. Os brasileiros começaram a entender qual é a função da gestão passiva, migrando a parte do portfólio em que tinham gestão ativa e que não estava performando tão bem, e mantendo a gestão ativa na parte que estava com bom desempenho.

E tem a questão da internacionalização. Nosso ETF IVVB11, que basicamente compra o índice S&P lá fora, chegou a passar o BOVA11 [ETF que replica o índice Ibovespa] em número de cotistas. Isso mostra o interesse no investimento no exterior e em investir no exterior com um custo baixo.

Outro ponto interessante é que, em 2023, o nosso ETF de Small Caps foi, dentro da nossa base, o ETF que mais cresceu em número de cotistas e em volume. O Brasil sempre foi um país que gostou muito, dentro dos gestores de ações, dos value investors, que costumam comprar essas Small Caps. Mas houve uma dificuldade desses value investors de performar em relação ao índice Ibovespa nos últimos dois ou três anos. E os clientes que gostam desse tipo de estratégia se interessaram em um instrumento que captura a direção desse segmento do mercado e que tem baixo custo.

Ainda, houve uma mudança regulatória que começou lá atrás com os BDRs de ações. Quando a legislação mudou no final de 2020, permitindo que você montasse BDRs de ETFs, a gente conseguiu trazer um oceano para o Brasil. Hoje são 140 BDRs de ETFs disponíveis no país. Eles são muito diversos, há desde commodities, renda fixa, renda variável, até os chamados multi assets.

+ Tudo o que você precisa saber antes de investir em ETFs internacionais

Bora Investir: Por que houve esse movimento de maior internacionalização por parte dos investidores brasileiros?

Cristiano Castro: O que a gente tem visto é um apetite grande do cliente por diversificar um pedaço da riqueza dele porque a alocação do exterior é muito pequena. Quando a referência é pessoa física varejo, a alocação no exterior é de 1% ou 2%. Na alta renda é de 3% ou 4%. Então, acho que tem muito espaço para aumentar. E o temos visto falando com nossos parceiros é que, como eles estão no processo inicial de conhecimento, o ETF tem tido um papel preponderante na alocação de recursos. Porque você imagina que o cara não conhece nada sobre internacional, ele não sabe se tem que comprar Apple, Google, Meta, então é muito mais fácil comprar, por exemplo, o IVVB11, muito mais simples para o investidor.

Quer começar a investir? Confira este curso gratuito do Hub de Educação da B3!