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Entenda a crise nas big techs e o impacto para o investidor

Lucro das companhias despencou e levou a onda de demissões que persiste em 2023. Analistas alertam para momento delicado das ações, mas veem potencial no longo prazo

Sede da Apple e Amazon, nos Estados Unidos Imagens: Adobe Stock - Manipulação: Estadão.
Sede da Apple e Amazon, nos Estados Unidos Imagens: Adobe Stock - Manipulação: Estadão.

O grupo das gigantes de tecnologia – formado pelas empresas Alphabet (que inclui Google e YouTube), Amazon, Apple, Meta (grupo controlador do Facebook, Instagram e WhatsApp) e a Microsoft – tiveram um ano para esquecer em 2022. As cinco companhias registraram lucro líquido de US$ 65 bilhões no último trimestre do ano passado – uma retração de 34,1% em relação ao mesmo período de 2021 (US$ 98,6 bilhões).

O pior resultado ficou com a Amazon – empresa do bilionário Jeff Bezos – que viu o seu lucro despencar quase 100% no período. Ela foi seguida pela Meta (-54,8%); Alphabet (-34%), Apple (-13,4%) e Microsoft (-12,5%).

LUCRO LÍQUIDO – BIG TECHS 2022

(em US$ bilhões)

Companhia4ºtri/214ºtri/22Variação
Amazon14,30,3-98,1%
Meta10,34,7-54,8%
Alphabet20,613,6– 34,0%
Apple34,630-13,4%
Microsoft18,816,4– 12,5%
TOTAL98,665– 34,1%
Fonte: Empresas


No cenário macroeconômico, o resultado das chamadas big techs foi impactado pela alta da taxa de juros e da inflação ainda em patamares elevados nos Estados Unidos. A explicação é que o setor de tecnologia é muito dependente de investimentos para crescer.

Diante de uma taxa de juros alta, o financiamento fica mais caro para essas empresas. Funciona, com as devidas proporções, como o dia a dia das pessoas que precisam de crédito para comprar uma casa, um carro ou um eletrodoméstico, por exemplo.

Pelo lado da demanda, houve uma queda nos investimentos em publicidade e o fim do ‘boom’ da demanda por smartphones, computadores e serviços em nuvem – que tiveram o seu auge da pandemia. O e-commerce, por exemplo, teve o seu melhor momento no período e a Amazon surfou essa onda.

A estrategista de ações, Jennie Li, e o analista internacional, Rafael Nobre – ambos da XP – explicam que a desaceleração dos resultados já era esperada em virtude da base de comparação elevada ano contra ano. No entanto, com as perspectivas de desaceleração econômica e potencialmente uma recessão global, a perda de ritmo tem sido mais acentuada.

“A alta de preços e juros acabam pressionando a redução do consumo discricionário [de produtos e serviços não essenciais]. Já vemos os reflexos disso nos consumidores, que por sua vez estão conseguindo poupar uma parcela menor de seus rendimentos – de 3% a 4% na última leitura em comparação aos valores vistos no pré-pandemia – entre 8% e 10%.

Nesse contexto, o e-commerce tende a sofrer mais. Empresas que dependem muito da receita vindo de ‘ADS’ [anúncios] também sofrem, pois o custo é cortado em meio a um cenário de desaceleração econômica”.

O fechamento de fábricas na China – por conta da política de ‘Covid-Zero’ intensificada em 2022 – também pressionou as empresas.

+ Como a flexibilização da política de Covid-Zero na China ajuda o Brasil

Diante desse cenário e dos novos projetos que cada companhia começou a desenvolver no ano passado, o diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio), Carlos Affonso de Souza, deu um panorama sobre os desafios das big techs.

“No caso da Meta estamos falando do quanto investidores estão dispostos a continuar embarcados no projeto de médio e longo prazo da empresa, que é o metaverso. Até aqui, a tecnologia representou mais custos do que benefícios, mas essa equação pode virar a depender das transformações que se esperam na maneira como interagimos online. Alphabet passou a enfrentar novos competidores no mercado de publicidade online, enquanto a Amazon viu um natural reajuste de demandas com a redução das restrições impostas pela pandemia”, explica.

Onda de demissões

A crise levou as empresas de tecnologia a iniciar uma onda de demissões em massa nos seus quadros de funcionários para ganhar eficiência. Os desligamentos começaram no segundo semestre de 2022 e invadiram os dois primeiros meses de 2023. Só em janeiro, Amazon, Microsoft e Google demitiram mais de 40 mil funcionários.

Considerando todo o setor de tecnologia, até 14 de fevereiro de 2023 foram registradas 135.595 demissões, segundo um levantamento da plataforma TrueUp, especializada em empregos na área. O último grande corte aconteceu no início do mês, quando a fabricante de computadores Dell desligou 6.650 pessoas – 5% da sua força de trabalho. A única empresa que não anunciou demissões foi a Apple.

Apenas nos Estados Unidos, no ano passado, o setor de tecnologia demitiu 97.171pessoas – um aumento de 649% em relação aos 12.975 empregos cortados em 2021. Os dados são da Challenger, Gray & Christmas, Inc, empresa global de recolocação e negócios.

Para os analistas da XP, os estímulos monetários realizados durante a pandemia e maior digitalização do nosso dia a dia levaram a um forte movimento de contratações. No entanto, esse cenário mudou.

“Com estímulos econômicos sendo retirados, o custo do capital ficou mais caro. Também há uma crescente probabilidade de recessão econômica – o que obriga as empresas a “desinchar” e procurar mais eficiência. Caso o ciclo econômico volte a ser mais favorável – com taxas de juros voltando a cair e a economia a crescer – devemos ver as empresas voltando a contratar”, dizem Jennie Li e Rafael Nobre.

A criação de vagas no setor tem registrado uma forte baixa desde abril do ano passado, segundo dados da TrueUp. Enquanto na metade daquele mês foram abertos 477.845 postos de trabalho, em fevereiro deste ano o número está em 168.066 – uma queda 64,6%, como mostra o gráfico abaixo. Esses dados incluem, além das grandes empresas de tecnologia, startups, unicórnios e empresas públicas do setor.

Vagas de tecnologia abertas – mundo

Fonte: TrueUp

Impacto nas ações e para o investidor

A piora nos lucros e o aumento das demissões levaram a crescimentos decepcionantes das companhias de tecnologia em 2022, com uma leve melhora no início deste ano. O resultado ruim impactou diretamente o valor de mercado das big techs.

A queda de valor das cinco companhias no ano passado atingiu US$ 3,8 trilhões, segundo os dados do head comercial do TradeMap, Einar Rivero. Essas perdas equivalem a 4,7 vezes o valor de mercado de todas as empresas listadas na Bolsa do Brasil (B3). Até esta terça-feira, 14/02, as empresas não tinham conseguido recuperar nem US$ 1 trilhão em valor.

VALOR DE MERCADO – BIG TECHS

(em US$ bilhões) / Fonte: TradeMap

Companhia20222023
Alphabet-776.85169.174
Amazon-834.064164.713
Apple-846.342356.980
Meta-616.558146.240
Microsoft-737.352238.248
CONSOLIDADO-3.811.167975.355

* dados até 14 de fevereiro

Pelo lado das ações, todas acumularam alta nos primeiros 45 dias de 2023. No entanto nenhuma conseguiu recuperar as expressivas baixas registradas no ano passado. As ações da Meta foram as que mais sofreram em 2022, mas conseguiram recuperar parte das perdas neste ano. 

RENTABILIDADE – BIGTECHS

* dados até 14 de fevereiro

20222023
Alphabet-39,09%7,31%
Amazon-49,50%18,69%
Apple-26,31%18,09%
Meta-64,22%49,14%
Microsoft-28,02%13,49%
Fonte: TradeMap

Para quem pretende investir, a estrategista de ações e o analista internacional da XP alertam que o momento é delicado para os papéis das empresas que estão ainda começando – startups, por exemplo – por conta dos juros e da inflação em patamares elevados. Entretanto, as empresas de tecnologia têm um forte potencial de crescimento no longo prazo.

“Estruturalmente gostamos de empresas de tecnologia – pelo potencial disruptivo de inovação e crescimento no longo prazo. Isso sem contar pelo benefício de diversificação em relação ao mercado brasileiro. Vale lembrar que estas empresas seguem sendo líderes de mercado em muitos dos setores que atuam, então deverão continuar na vanguarda do desenvolvimento tecnológico. Para os investidores que estão nelas, vale uma reavaliação do cenário micro de cada uma”, conclui Rafael Nobre e Jennie Li.

Mudanças no portfólio

Em busca de melhorar os resultados, as big techs têm investido na diversificação dos negócios com a ampliação de serviços de streaming, aplicativos de exercícios físicos, videogames e armazenamento de dados em nuvem. A redução da dependência de fábricas na China também está entre as medidas adotadas pelas companhias de tecnologia. 

As gigantes de tecnologia também investem no aperfeiçoamento de produtos com Inteligência Artificial (IA). O mais novo deles é um chat robô (ChatGPT) – que foi lançado de forma pioneira pela empresa OpenAI. Ele aprimora a experiência e os recursos oferecidos por assistentes virtuais, como a Alexa e o Google Assistente. O sucesso da ferramenta está em oferecer ao usuário uma forma simples de conversar e obter respostas.

Carlos Affonso de Souza explica que a onda de demissões também espelhou essa mudança de foco das principais empresas de tecnologia – principalmente no que diz respeito à Inteligência Artificial, que por vezes substitui as atividades humanas.

“O futuro da IA é ser invisível: ela vai estar embarcada em grande parte dos produtos e serviços. Com isso, a corrida para o desenvolvimento e implementação dessas ferramentas deve marcar o futuro próximo e ser determinante para a direção que grandes empresas de tecnologia vão seguir. Mesmo a Google, que parecia dominante no setor de busca, sentiu a necessidade de acelerar o lançamento de soluções de IA depois da explosão do ChatGPT. Esse é um retrato das transformações que estão por vir “, conclui o diretor do ITS Rio.

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