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Inversão da curva de juros nos EUA: o que é e o que isso significa para o Brasil?

Dados fortes de atividade nos Estados Unidos reduzem temores sobre recessão, mas juros devem se manter mais elevados por mais tempo

Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil
O resultado foi considerado positivo por agentes do Mercado Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

A inversão da curva de juros nos Estados Unidos é tida por muitos economistas e participantes do mercado como sinal de que uma recessão se aproxima. Há quem defenda que, historicamente, uma vez que a curva se inverte, a economia norte-americana entra em recessão em cerca de 15 meses. E quando a curva se inverteu da última vez? Há cerca de 15 meses.

Mas há razões para acalmar os temores e rever essa teoria. Uma delas é que a inversão diminuiu nas últimas semanas, o que pode indicar uma volta à normalidade. 

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O que é a inversão da curva de juros?

Em primeiro lugar, é importante entender o que é essa inversão e o que ela significa. 

Essa é uma situação que acontece quando as taxas dos títulos do tesouro americano de curto prazo ficam mais elevadas que as taxas dos títulos de longo prazo. O mais comum é o contrário, por uma razão simples: as dívidas de mais curto prazo são vistas como mais seguras, e por isso pagam taxas menores – menos risco, menos retorno. 

Já os títulos com vencimento mais distante costumam pagar taxas um pouco mais elevadas – mais risco, mais retorno. 

Desde o ano passado, o mercado vive nessa situação de inversão. A diferença entre as taxas de curto e longo prazo chegou a marcar máximas não vistas desde 1981. 

Nas últimas semanas, no entanto, com o aumento geral das taxas de juros, a diferença começou a cair. Em julho, os títulos curtos chegavam a pagar juros 107,5 pontos-base acima dos títulos mais longos. Essa diferença hoje está mais perto de 30 pontos-base, a menor em 12 meses.

O que a inversão significa?

Segundo Lívio Ribeiro, pesquisador associado do FGV Ibre e sócio da BRCG Consultoria, a inversão acontece quando há no mercado uma percepção de que os juros de curto prazo estão demasiadamente altos, e que a autoridade monetária terá de reverter essa situação no futuro próximo – ou seja, terá de começar a reduzir as taxas em breve. 

Paulo Feldmann, professor da FIA Business School, explica que “a taxa nos Estados Unidos foi elevada em um momento em que a economia não estava tão acelerada. E o aumento dos juros coloca ainda mais pressão para uma desaceleração da atividade.

A curva se inverte porque as pessoas acham que esse aumento na taxa vai durar pouco porque o governo vai ter que reverter essa taxa no curto prazo para evitar uma contração da atividade”.

Devemos esperar uma recessão nos EUA?

O Goldman Sachs alerta que a situação atual é atípica e que a curva não indica uma recessão a caminho. O banco inclusive reduziu a probabilidade de uma queda na atividade econômica no curto prazo. 

Segundo afirmou Ashok Varadhan, co-head de Global Banking & Markets, em um estudo, o que causou a inversão não foi uma redução na taxa dos títulos de 10 anos, mas a elevação dos juros de curto prazo pelo Federal Reserve

Na tentativa de domar a inflação elevada, o banco central norte-americano estipulou uma faixa de entre 5,25% a 5,5%, historicamente alta para o país. Em outros momentos, justifica Varadhan, a inversão da curva aconteceu porque os títulos mais longos estavam pagando menos juros do que o comum, reflexo da maior demanda de investidores pelos papéis com vencimento de 10 anos.

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Outra especificidade da inversão atual é que a queda da diferença entre as taxas mais longas e mais curtas tem acontecido pelo aumento das taxas longas (as taxas abriram, no jargão do mercado), e não pela queda nas taxas mais curtas. 

“O juro longo abriu, e a inversão da curva diminuiu muito. A curva continua invertida, mas muito menos do que se imaginava”, afirma Lívio Ribeiro, pesquisador associado do FGV Ibre e sócio da BRCG Consultoria. Segundo ele, a redução da inversão atual mostra que o mercado acredita agora que as taxas ficarão mais elevadas por mais tempo.

Segundo o professor, há algumas razões para isso. A primeira é que o que se imaginava ser um patamar excessivamente restritivo se mostrou não tão restritivo a ponto de desacelerar a economia.

 Os dados sobre a atividade e o emprego nos Estados Unidos têm surpreendido positivamente desde o começo do ano, e de forma ainda mais acentuada no segundo semestre.

Na semana passada, por exemplo, o Payroll surpreendeu o mercado ao apontar que a economia americana criou o dobro de vagas em setembro do que era esperado pelos analistas. “Eu caracterizaria a economia americana como incrivelmente resiliente”, afirmou Ashok Varadhan, do Goldman Sachs, em um podcast.

Ou seja: os dados podem apontar para um mundo com juros mais elevados, e que esse cenário pode ser mais persistente do que se imaginava. “Assim, a inversão da curva fica menos relevante”, explica Lívio. “Parece que o Fed escolheu um caminho que alonga o ciclo de política monetária, e não sobe tanto os juros no curto prazo, portanto a curva fica mais horizontal”, completa.

“O mundo que emerge no pós-covid tem inúmeros choques e mudanças de preços relativos, mudanças no padrão de consumo, e uma política fiscal mais ativa do que no pré-pandemia. Isso tudo somado sugere que taxas neutras no mundo tenham subido. É razoável acreditar que o juros agora será mais elevado do que no passado”, afirma Ribeiro. A taxa neutra, vale lembrar, seria aquela em que os juros não contraem nem estimulam a atividade econômica. 

Essa visão, entretanto, não é consenso. “Na minha visão, os Estados Unidos não podem ficar com a taxa de juros tão elevada nesse momento, em que o consumo ainda está caindo e os indicadores de emprego não estão tão bons”, defende Feldmann.

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Quais os efeitos para o Brasil?

Para Lívio Ribeiro, o primeiro impacto para o Brasil é uma maior dificuldade na redução dos juros locais. Desde o início do ciclo de cortes, em junho, o Banco Central brasileiro já promoveu dois cortes de 0,5 ponto porcentual na Selic, hoje em 12,75%. “O mercado estava muito animado com o corte de juros, mas tem ajustado as previsões”, diz. “O cenário não inviabiliza os cortes de juros, mas é mais desafiador”.

De acordo com o mais recente relatório Focus, a Selic deve fechar o ano em 11,75%. Para 2024, a estimativa para a taxa básica de juros seguiu em 9% ao ano, enquanto em 2025 permanece estável em 8,5%.

“Dessa vez, o Brasil não vai acompanhar o movimento dos Estados Unidos e elevar a taxa de juros. Isso não é o normal”, diz Feldmann, da FIA. “A taxa já está muito alta, e em processo de redução, o que é muito importante para a economia brasileira”.

Outro efeito é no câmbio, com uma depreciação do real frente ao dólar, fato que pode colocar mais pressão sobre a inflação, já que os bens importados tendem a ficar mais caros no mercado doméstico. “Pelo câmbio, podemos ter um aumento da competitividade dos bens industriais brasileiros, mas é pontual”, complementa Lívio.

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