Entenda a nova política externa brasileira e os entraves para o comércio regional
Novo governo quer fortalecer o Mercosul. No entanto, a economia ruim da Argentina, mudanças no perfil das exportações e concorrência com a China dificultam integração
A primeira viagem internacional do novo governo para a Argentina e o Uruguai marca uma virada nas relações exteriores brasileiras após quatro anos. É clara a intensão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de reforçar os laços políticos e econômicos com as nações que compõem o Mercosul – Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Uma vez “arrumada a casa”, o foco é alcançar novos mercados – com parcerias entre blocos – de uma maneira que predomine a competitividade de igual para igual.
No papel e no discurso, os analistas ouvidos pelo B3 Bora Investir concordam com a “política da boa vizinhança” de Lula. Agora na prática, os entraves passam pela economia da Argentina, a agressiva competitividade da China e questões internas que precisam ser resolvidas – como a reforma tributária.
“Todos os países que integram o Mercosul têm uma economia similar. Então é correta a decisão de começar a integração por aqui e depois, em um segundo momento, por exemplo, pensar numa integração com a Europa. Hoje nós temos acordos de pequeno porte para Israel, Palestina, Egito. É preciso ampliar começando pela maior integração regional”, afirma José Augusto de Castro, presidente executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
Em 2022, as exportações brasileiras para a Argentina somaram US$ 15,3 bilhões, avanço de 29% em relação ao ano anterior (US$ 11,8 bilhões). Apesar do crescimento, o nosso terceiro maior parceiro comercial tem perdido relevância nas vendas brasileiras para o exterior. Os embarques totais caíram na última década de 7,5%, em 2012, para 4,6% no ano passado. Os dados são do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic).
No ranking regional, a Argentina permaneceu como líder nas exportações brasileiras para a América do Sul em 2022. No entanto, a sua participação caiu de 44,9% em 2012 para 34,9% no ano passado. Na contramão, os embarques para o Chile avançaram 11,5% para 20,7% e a Colômbia, de 7% para 11,5% – segundo e o terceiro lugar, respectivamente.
Exportações do Brasil com países da América do Sul
Fonte: Mdic
Para José Augusto de Castro, o principal motivo para a perda de espaço no comércio com o nosso vizinho é a longa crise monetária, fiscal e cambial pelo qual passa a Argentina. “A Argentina, nos últimos anos, tem tido diferentes crises. Quase todas ligadas à falta de dinheiro. Exemplo: eles precisam comprar US$ 100 milhões, mas só tem dinheiro para pagar US$ 20 milhões. Ao mesmo tempo, essa falta de dólares faz o governo impor taxas a exportação. Ou seja, o produtor argentino paga um imposto sobre a produção, o que o desestimula a vender para fora do país. Isso gera falta de dólares – que não entram no país – e, portanto, não há dinheiro para comprar”, explica o presidente executivo da AEB.
As restrições do governo argentino para evitar a evasão de dólares afeta não só o país como os seus principais parceiros. Uma saída para tentar reestabelecer o fluxo comercial, que voltou a ser discutida nesta semana, é uma moeda comercial comum entre os países do Mercosul para substituir a moeda americana. A divisa seria usada apenas para transações comerciais entre os países do Mercosul.
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O diretor de Comércio Exterior da Câmara de Comércio, Indústria e Serviços do Brasil (Cisbra), Arno Gleisner, explica que a ideia de uma moeda comercial comum pode ser interessante, mas o prazo para implementação é muito longo. No entanto, segundo ele, outros meios de pagamento já existem e podem ser usados.
“Hoje, nós já temos mecanismos que permitem resolver ou melhorar essa situação. O primeiro é pagar em moeda local – que já faz parte do acordo do Mercosul – e o outro o CCR [sistema de pagamentos que conta com a garantia do Banco Central do importador]. No entanto, o Brasil se retirou desse sistema em 2019”.
Mudanças internas e acordos fora do Mercosul
Uma melhora no comércio entre o Brasil e os outros membros do Mercosul também passa por mudanças internas. Todos os especialistas são unânimes em afirmar que a Reforma Tributária é essencial para melhorar a competitividade do país no mercado mundial.
“O Mercosul é um bloco de relativo sucesso comercial, mas ele tem tido obstáculos para avançar também por conta de desafios brasileiros. Como, por exemplo, logística, tributação, legislação trabalhista. Todos precisam ser resolvidos, mas são ações de longo prazo”, explica Arno Gleisner.
Para José Augusto de Castro, após a melhora na integração dos países do bloco sul-americano e com as questões logísticas e tributárias resolvidas no Brasil, deve-se pensar em avançar no acordo com os países da União Europeia.
“Esse acordo na União Europeia é importante economicamente e politicamente. Mas é preciso criar condições para isso, com o país já tendo realizado reformas estruturais como a tributária e a administrativa. Essas mudanças darão ao produtor brasileiro um ambiente favorável para que ele participe do mercado internacional”, conclui o presidente executivo da AEB.
O diretor da Cisbra, acrescenta que essas mudanças também vão ajudar a impulsionar ainda mais o comércio brasileiro para outros países além do Mercosul. “Hoje nós temos uma participação da ordem de 1% no comércio global. É evidente que conseguiríamos alcançar algo da ordem de 5%, mas é preciso de investimentos de médio a longo prazo”.
Perfil das exportações
A menor participação da Argentina nos embarques brasileiros também é explicada pela mudança no perfil das exportações. Segundo dados da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), em 2000, 59% de tudo que o Brasil vendeu para o mundo foram produtos manufaturados pela indústria. Em duas décadas, essa participação caiu para 28%.
A inversão reflete o avanço da produção de commodities como carne, soja, minério de ferro e petróleo – que responderam por quase metade de tudo o que o Brasil exportou para o mundo no ano passado. A Argentina – que também produz e exporta alguns desses produtos – no entanto, ainda ficou com uma parcela desses bens manufaturados produzidos pela indústria brasileira.
“No caso da Argentina, para as exportações brasileiras, ainda predominam as manufaturas, ou seja, produtos industriais. Já para outros países, principalmente a China, houve um aumento muito grande das commodities nas nossas exportações. Essa mudança no nosso perfil de exportações também abriu espaço para o crescimento da participação das exportações chinesas para a Argentina”, afirma Arno.
Concorrência com a China
Desde 2021, o Brasil perdeu o posto histórico de maior país exportador à Argentina – e foi a China que abocanhou esse mercado. No ano passado, as importações do país asiático para os nossos ‘hermanos’ atingiram US$ 17,5 bilhões, um aumento de 29,4% em relação a 2021 (US$ 13,5 bilhões).
Em segundo lugar ficou o Brasil com US$ 16 bilhões, ou seja, a China ultrapassou em quase US$ 1,5 bilhão as vendas brasileiras aos argentinos no ano passado. O feito é inédito em bases anuais, desde 2002, início da série histórica do governo argentino.
“Esse aumento da participação da China veio, em parte, decorrente da dificuldade de pagamento que as empresas argentinas têm em função da falta de dólar. Mas o país asiático também criou alguns mecanismos para facilitar esse comércio. No entanto, após a pandemia, o rearranjo das cadeias produtivas e a alta dos fretes mostrou que é preciso buscar fontes alternativas às asiáticas. E essa é a oportunidade que o Brasil tem de voltar seu protagonismo nas exportações argentinas”, conclui o diretor da Cisbra.
Participação nas importações da Argentina com o mundo
Fonte: Indec
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