Hiperinflação: o que é e por que acontece
Problema já foi enfrentado por várias economias do mundo
O controle da inflação por meio da taxa de juros é um assunto que está sempre presente nos noticiários de economia. No Brasil, o assunto voltou à tona com o embate entre governo executivo e Banco Central, que envolve a definição das metas inflacionárias e a condução da política monetária. O tema também apareceu nos EUA, onde a inflação se mostra persistente, o que pode ocasionar novos aumentos dos juros.
Manter a inflação sob controle é muito importante porque impede que a escalada dos preços desvalorize a moeda nacional e a população perca o poder de compra. Além disso, uma inflação descontrolada pode acabar gerando hiperinflação. Confira a seguir mais detalhes sobre esse fenômeno.
O que é fenômeno da hiperinflação?
A hiperinflação caracteriza um escalada acentuada dos preços. No geral, considera-se que um país tem hiperinflação se sua taxa inflacionária mensal excede 50%; do mesmo modo, uma economia deixa o quadro de hiperinflação quando os preços caem 50% e assim ficam durante um ano inteiro.
Tal definição foi formulada nos anos cinquenta pelo economista estadunidense Philip Cagan e é usada até hoje. Em sua obra The Monetary Dynamics of Hyperinflation, Cagan afirma que caracterizar a hiperinflação por meio da taxa de 50% é algo arbitrário, mas funciona, porque inflações comuns raramente chegam a esse patamar mensal.
Como comparação, pode-se lembrar que hoje a inflação brasileira está em 5,77%. Já os EUA fecharam o ano passado com uma taxa de 6,5%.
O que ocasiona a hiperinflação?
Há uma série de motivos que podem causar a escalada abrupta dos preços e a hiperinflação. Veremos a seguir alguns casos famosos na história da economia mundial. Por ora, adiantamos que o fenômeno está geralmente relacionado a consequências de guerras – caso da República de Weimar nos anos 20 e da Hungria nos anos 40 – e à desvalorização da moeda causada pela impressão de dinheiro – caso do Zimbábue no início dos anos 2000.
Como o mercado se comporta em períodos de hiperinflação?
Segundo o economista e presidente do Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP), Pedro Afonso Gomes, a hiperinflação se caracteriza por um aumento geral dos preços, e não apenas em alguns setores, como quando se tem uma inflação alta, mas ainda sob controle.
“Num quadro de hiperinflação, os agentes econômicos, como os empresários e grandes produtores, ajustam seus preços acima da inflação geral, com o intuito de se proteger. Criam-se preços que vão além dos custos normais, porque entendem que no futuro terão aumento de preços que podem influenciar seus produtos. Foi esse o caso do reajuste das bombas de gasolina no Brasil, durante a hiperinflação dos anos 80, quando postos cobravam a mais, pensando que no dia seguinte a reposição do combustível seria mais cara. Logo, o mercado fica refém da espiral hiperinflacionária”, afirma o economista.
É também o aumento geral dos preços, característica da hiperinflação, que torna a espiral hiperinflacionária inescapável. Gomes explica que num quadro de inflação normal é possível recorrer a produtos de substituição. Por exemplo, se a farinha encareceu, pode-se trocar alimentos farinácios por outros que não tenham sofrido o aumento de preços. Já na hiperinflação, a troca não é possível, pois todos os setores sofreram aumento de preços.
Quais são as consequências no pós-hiperinflação?
Para solucionar o quadro de hiperinflação, é comum que haja a interferência do Estado na economia por meio de planos econômicos.
“Demora-se a fazer ajustes nos preços relativos, que são o quanto custa cada item da economia. Produtos agrícolas, industriais e os serviços têm seus custos, mas quando há o descontrole geral da hiperinflação, já não se sabe o valor real, só o preço. Preço e valor são diferentes, o primeiro diz respeito ao que se é obrigado a pagar, e o segundo é o quanto efetivamente vale. Com isso, após a hiperinflação há um período de assentamento. Para evitar essa fase de ajustes, em que ainda há certo descontrole, a maioria dos governo cria planos econômicos”, explica Gomes.
Por exemplo, foi o plano Real que solucionou a hiperinflação brasileira. Já na Argentina, adotou-se o Plano Cavallo, que instaurou a paridade peso/dólar.
Como é a retomada após a hiperinflação?
“Com a adoção de algum plano econômico, os preços abaixam e voltam a se aproximar de seus valores reais. É esperado também que as taxas de juros abaixem, o que estimula a economia por meio de concessões de crédito”, conclui Gomes.
Períodos de hiperinflação na história da economia mundial
Um dos primeiros casos conhecidos de hiperinflação aconteceu no período entreguerras da República de Weimar. Ao fim da 1ª Guerra Mundial, a Alemanha comprometeu-se com o pagamento de indenizações a países que haviam se prejudicado pelos combates. O acordo fez parte do Tratado de Versalhes, assinado em 1919.
Para liquidar as indenizações e ainda os empréstimos que havia tomado para financiar a guerra, a Alemanha imprimiu dinheiro, o que levou ao descontrole dos preços e hiperinflação. Além disso, as indenizações deveriam ser pagas em moeda estrangeira; desse modo, houve mais moeda alemã, o marco, no mercado internacional, usada para adquirir outras moedas. A maior ofertado do marco alemão ajudou a desvalorizá-lo.
Um caso mais recente é o do Zimbábue, cuja inflação anual chegou a 500% em 2020. Desde o início dos anos 2000 o país africano convive com a hiperinflação. Estre os motivos, está a impressão e desvalorização da moeda, além da diminuição significativa das exportações e consequente queda nas reservas de dólar no país. Com isso, as importações, negociadas em dólar, também ficam comprometidas e há encarecimento de produtos ocasionado pela falta deles.
Já a hiperinflação brasileira dos anos 80 foi resultado da indexação. Durante anos, o Brasil adotou a inflação como índice para reajuste de preços. Pode-se imaginar, como exemplo, uma situação em que, num mês, houve aumento de 5% nos itens que compõem a cesta de consumo das famílias, ou seja, a inflação mensal foi de 5%. Se a inflação for o índice para reajustes de outros preços da economia, o aluguel do mês seguinte terá aumento de 5%. Porém, como o aluguel faz parte da cesta de consumo, o aumento de seu valor irá puxar a inflação para cima durante os meses subsequentes e novos aumentos de preços serão registrados, outra vez seguindo o mecanismo da indexação à inflação.
A hiperinflação argentina dos final dos anos 80 teve motivos parecidos. Segundo observa o economista Manuel Solonet em seu livro La Hiperinflación del 89, o descontrole dos preços também se deveu à mecanismos de indexação que ajudaram a propagar a inflação. Além disso, durante décadas os preços argentinos escalaram, o que culminou na hiperinflação de 89.