Por que a inflação mensal cai na Argentina e como a política Milei impacta a nossa?
Na opinião de economistas, a contração abrupta da demanda argentina pode derrubar importações de produtos brasileiros a longo prazo
Por Rogério Piovezan
A queda de um dígito na inflação mensal na Argentina, que saiu de 11% para 8,8%, é reflexo de uma contração abrupta da demanda agregada no País promovida pelas medidas tomadas pelo presidente Javier Milei, que venceu as eleições de 2023 com este discurso de corte de gastos e planos “motosserra”, como o fechamento do Banco Central argentino. Contudo, alguns dos efeitos econômicos podem respingar no Brasil, com redução da importação dos produtos brasileiros e impactos na indústria de transformação.
Apesar dessa leve queda mensal, a inflação anual continua elevada em 289,4%, de acordo com o Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec). Portanto, a Argentina segue com uma das maiores inflações do mundo, segundo especialistas ouvidos pelo Bora Investir.
O Fundo Monetário Internacional (FMI), no entanto, divulgou um comunicado em que aprova uma extensão do financiamento da Argentina na ordem de US$ 44 milhões. No documento, o FMI explica que tomou essa decisão “com base no desempenho melhor do que o esperado até agora”.
“O programa continuará a centrar-se na melhoria da qualidade e da equidade dos esforços de consolidação, nomeadamente através de reformas que melhorem a eficiência e a progressividade do sistema fiscal, simplifiquem os subsídios e reforcem os controles e a responsabilização das despesas. É importante ressaltar que a assistência social continuará a ser reforçada conforme necessário”, diz trecho do comunicado.
As decisões econômicas de Milei, entretanto, vão além de mexer em índices e planilhas no Excel: as pessoas sentem esses efeitos no dia a dia. “O choque é para todos. Todos sofrem. Não é à toa que os índices de pobreza estão chegando a quase 50% da população. Não é algo específico de um segmento. Pessoas, empresas pequenas, médias e grandes, famílias pobres ou ricas, todas sofrem neste momento”, afirma Lívio Ribeiro, sócio da BRCG e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
Mas até que ponto tratar a economia com “choques” pode ser benéfico? Como essas medidas econômicas podem afetar o Brasil? O Bora Investir foi atrás das respostas. Confira.
Inflação cai no grito?
Não. Nem precisa ser um expert em economia para saber que não se derruba uma inflação sem confiança no governo e sem um plano de desenvolvimento econômico. A direção traçada por Milei pode ser certa, apesar dele não ter uma estratégia boa para executar essas ideias, de acordo com Ribeiro.
Variações mensais do índice de preços ao consumidor (IPC) na Argentina:
“Essa contração acontece porque houve um desmonte de subsídios que eram concedidos a basicamente todos os pedaços da Argentina, famílias e empresas, por exemplo. Isso leva a uma brutal redução da renda disponível na economia. Em paralelo, os dispêndios do Estado também foram reduzidos e houve uma contração de demanda privada e pública. Isso faz com que, em condições normais de temperatura e pressão, você tenha uma desaceleração tão abrupta da demanda que tenha junto uma desaceleração da inflação”, afirma Ribeiro.
À primeira vista pode ser uma miragem boa, mas ela vem acompanhada de uma recessão a longo prazo. “Então, as medidas surtem efeito inflacionário, mas precisamos ter uma visão geral porque isso pode gerar uma hiper recessão. Tem que haver uma política pública que faça sentido. Uma economia não é uma planilha de Excel. É feita de uma sociedade e tem uma série de questões que não é só apertar botões e mexer manivelas”.
“É uma das maiores taxas de inflação do mundo. O fato é que Milei não contribui para reduzir essa taxa. Inflação alta é falta de confiança da população e de vários agentes econômicos. Muitos não acreditam que o governo não vai reduzir, e com isso aumentam os preços das mercadorias e imóveis, com medo de que a inflação vá comer o rendimento”, explica Paulo Roberto Feldmann, professor de pós-graduação em economia internacional da Faculdade de Administração, Economia e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP).
Já Paulo Noije, professor de economia internacional da Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas (FCA-Unicamp), afirma que o recuo de um dígito é significativo, mas destaca que isso se deve à contração do consumo dos argentinos, o que pode se refletir de forma negativa na economia do Brasil.
“É uma queda importante, mas o patamar inflacionário continua elevado. Eles estão rodando 8,8% ao mês, isso é quase o dobro da inflação do Brasil no ano inteiro. Se a gente olhar para os componentes inflacionários, a queda veio do consumo e da renda real dos argentinos. Essa queda de consumo tem impacto importante na economia brasileira”, destaca.
No final de abril deste ano, a Câmara dos Deputados aprovou o pacote de reformas econômicas enviado por Milei, mas os textos ainda devem passar pelo Senado. O pacote prevê ajustar leis trabalhistas, privatização e tentar atrair mais investimentos externos. Inicialmente, o pacote ficou conhecido como “lei ônibus” e gerou uma onda de protestos no País, o que fez o governo recuar e alterar o projeto após perder nas votações no parlamento pressionado pela opinião pública.
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Impactos da economia argentina ao Brasil
Com a contração da demanda agregada na Argentina, as importações serão reduzidas e, com isso, a compra dos produtos brasileiros serão impactados, opinam os especialistas.
“A Argentina sempre foi um comprador importante do Brasil. Até 20 anos atrás, era nosso segundo principal comprador de produtos. Com a entrada da China, a Argentina caiu para terceiro e vai perder essa posição logo logo, porque não consegue mais importar. Vamos perder um bom cliente”, observa Feldmann.
Os efeitos também podem ser sentidos na indústria de transformação, porém, de forma mais limitada. “Isso porque a Argentina já foi mais relevante para nossa economia. Para alguns segmentos da indústria de transformação, a Argentina é um ator relevante que está sofrendo um choque grande. O choque não é permanente, mas é profundo e pode ser suficientemente persistente para gerar grandes rearrumações e reequilíbrios”, diz Ribeiro.
Existe solução para a crise da Argentina?
Não existe uma solução simples. Mas há um processo longo a ser enfrentado com um bom plano econômico, segundo Ribeiro.
Na opinião dele, a saída é empobrecer. A questão é que há diferentes formas de fazê-lo. O problema é eminentemente fiscal. É a primeira vez em décadas que um governo argentino não joga culpa no exterior e entende que se gasta mais do que se arrecada. Mas o que falta é estratégia.
“Não é uma terapia de choque, eles correm o risco de matar o paciente, porque não há apoio político para fazer as coisas de forma mais normal. Eles tentaram usar a DNU, lei de exceção nacional. Tentaram passar a lei ônibus, mas não resolveram. Conseguiram passar algumas coisas no Congresso, mas o alcance das medidas é muito menor do que imaginavam e não é o total necessário para fazer a transição que eles pretendem. A direção não está errada, mas a estratégia sim”, finaliza.
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