Aposentadoria: é urgente complementar esse dinheiro no futuro, diz Nilton Molina
Em entrevista exclusiva, presidente do Instituto de Longevidade conta quais serão os efeitos do envelhecimento sobre as finanças da população
Por Marília Almeida
A geração dos avós de quem tem hoje 40 anos no Brasil tinha, em média, de 6 a 7 filhos. Na década de 80 esse número caiu para 4, um contexto onde as despesas provocadas pelo cuidado dos pais na velhice seriam teoricamente divididas entre quatro pessoas, ainda que o cuidado em si acabasse se concentrando nas mãos de um. Ou seja, cada um ficaria com 25% dos gastos.
Mas este cenário está mudando drasticamente. Atualmente, cada mulher tem, em média, 1,7 filho no país: na região Sul, o número fica abaixo de 1. Para quem tem 26 anos, é bem provável que um eventual ônus financeiro com esse cuidado não possa ser dividido entre irmãos.
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A reflexão é trazida por Nilton Molina, presidente do Instituto de Longevidade, em entrevista ao B3 Bora Investir. “O cenário é dramático para as finanças de um jovem de 26 anos que terá de produzir riqueza para se sustentar em um cenário no qual a aposentadoria pública tende a se reduzir, arcar com as despesas de um eventual filho e também prover recursos futuros para cuidar do pai e da mãe, caso eles não tenham acumulado poupança suficiente”.
Administrador de empresas que atua há mais de 50 anos no setor de seguros, Molina também é diretor da CNSeg (Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização). Foi um dos fundadores da Bradesco Vida e Previdência e da Icatu Seguros.
Veja abaixo a entrevista concedida pelo especialista ao B3 Bora Investir:
Bora Investir – Temos de guardar um valor para a aposentadoria para cuidar de gastos pessoais. Mas onde se enquadra as despesas com o cuidado de entes queridos?
Nilton Molina – É um assunto complicadíssimo. Precisamos entender que cuidar significa dar amor e carinho, mas uma parte desse cuidado envolve gastos com saúde que necessitam de dinheiro.
Dependendo da doença que acometer o idoso, poderá ser necessário pagar um flat, cuidadoras, plano de saúde privado e até um médico particular.
Bora Investir – Como se planejar considerando esta situação?
Molina – É muito grave o problema que estamos levantando aqui. Falar sobre longevidade não é conversa para idosos: se o idoso não tiver feito uma poupança ainda jovem, já era.
Não se trata simplesmente do filho ter recursos financeiros para sustentar seu pai e mãe: o alerta deve ser para os pais deles também. Ter muitos filhos era solução para ser cuidado durante a aposentadoria. Agora, isso acabou.
Bora Investir – Quando sentiremos de forma mais intensa esses problemas?
Molina – Daqui a 20 anos a população mundial vai diminuir. É um fenômeno que não irá mudar. Para modificar uma tendência demográfica é necessário de duas a três gerações.
Se cada mulher não tiver dois filhos no Brasil a população tende a diminuir. Agora, se a taxa de filhos está inferior a 2 desde 2009 no país, por que isso não aconteceu ainda? Porque nasce menos crianças, mas as pessoas vivem por mais tempo.
Em 2020 haviam 50 milhões de crianças com menos 14 anos e 10 milhões de pessoas com mais de 65 anos. Trinta anos depois, em 2050, teremos 15 milhões de crianças e 50 milhões na terceira idade. Ou seja, a população só vai começar a cair levemente em 2032.
Bora Investir – Como essa inversão demográfica definirá o futuro da aposentadoria pelo INSS?
Molina – Os planos de seguro social no mundo todo foram criados e se sustentam até hoje por conta de um pacto intergeracional: você não paga INSS para você, mas para quem está recebendo o benefício agora. Tecnicamente, portanto, você não tem nenhum direito garantido no futuro.
Mas não é para deixar de contribuir, até porque a melhor previdência que existe no mundo é a do INSS: estou chamando atenção apenas para a necessidade de complementar esse dinheiro no futuro.
Quando havia muitas crianças e os adultos morriam cedo, o INSS foi superavitário durante anos. Mas hoje ocorre o contrário.
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No Brasil, atualmente, temos 2 ou 3 trabalhadores ativos para cada aposentado. A sociedade não terá dinheiro para sustentar um regime do tamanho do INSS. Porém, como não podemos ter um exército de pessoas com mais idade dependentes financeiramente do Estado, teremos de pagar uma renda mínima a elas no futuro na forma de impostos. Nos Estados Unidos isso já acontece: os idosos recebem um salário mínimo.
Diante desse cenário, pelo menos 10% do que a pessoa ganha deve ser guardado e investido. Esse tem de ser o nível de consciência: um pedaço do que você ganha não te pertence. Mas alguém pode falar: ganho tão pouco. Sim, mas um pedaço disso continua a não te pertencer.
Bora Investir – O que podemos aprender com os países nos quais a população já envelheceu?
Molina – O Japão, que é a sociedade mais envelhecida no mundo e tem as menores taxas de filhos por família há muito tempo, começou a fechar escolas nas grandes cidades há alguns anos por falta de alunos. A solução foi transformá-las em alojamento para idosos. Isso não acontece em outros lugares, ainda que haja opções. Na USP, por exemplo, existem salas com cinco alunos, enquanto nos Estados Unidos há anfiteatros que comportam 300 pessoas.
Não é apenas o filho que precisa arcar com as despesas de pais que não fizeram poupança. Trata-se de algo que a sociedade inteira tem de resolver.
O atual vice-presidente Geraldo Alckmin, ex-governador do estado de São Paulo, tentou fechar escolas por falta de alunos. Não conseguiu, porque é uma medida impopular. Mas as escolas são um bem público que já está financiado: não apenas por sua estrutura física, como pelas pessoas que empregam. Teremos apenas de trocar sua especialização, para que profissionais que trabalham hoje nesses lugares possam se transformar em cuidadores no futuro.
Um brasileiro com 40 anos, de classe média, precisa se sustentar, educar seu filho e sustentar seus pais, caso seja necessário. Mas o que dizer da classe média baixa e das camadas mais pobres da população? Será um filho por família e eles não terão recursos. A não ser que seja iniciado um processo de aumento da renda das pessoas e dada educação financeira para que isso aconteça.
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