Organizar as contas

Como me preparar financeiramente para virar profissional autônomo?

Deixar um emprego estável requer planejamento empresarial e financeiro, conhecimento do negócio e resiliência para superar os desafios do dia a dia como autônomo

Especialistas dão dicas de como se preparar financeiramente para trabalhar como autônomo. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Por Élida Oliveira, especial para o Bora Investir
Ser dono do próprio negócio e ter domínio sobre seu tempo e dinheiro é um sonho de muitas pessoas. Mas deixar um emprego estável, com carteira assinada, e partir para o empreendedorismo e trabalho autônomo, não é para qualquer perfil. O desafio fica ainda maior se a pessoa é empurrada para essa realidade ao passar por uma demissão e ter dificuldade de se recolocar no mercado de trabalho.

Sem muita experiência em negócios, é grande o índice de empresários que fecham as portas após os primeiros meses de empreendedorismo. Entre 2017 e 2022, 50% das MEIs (Micro Empreendedores Individuais) fecharam antes de completarem 1 ano e 50% das MEs (Micro Empresas) encerraram atividades com 1 ano e 7 meses, de acordo com o estudo Sobrevivência das Empresas, do Sebrae.

Para não ser mais um nas estatísticas, especialistas recomendam que o futuro empreendedor fique atento às suas características pessoais e ao planejamento. 

André Massaro, especialista em finanças pessoais, recomenda que o candidato a empreendedor observe se consegue tolerar riscos, instabilidade financeira, pressão e incertezas. Se a resposta for sim, dá para partir para o planejamento financeiro.

Esse planejamento precisa considerar todos os custos pessoais do empreendedor, e os custos da empresa – sem esquecer de incluir os tributos. Caso a pessoa esteja deixando um emprego estável, com carteira assinada, é importante contabilizar os benefícios junto com o salário, afirma Wanessa Guimarães, sócia da HCI Invest e planejadora financeira CFP pela Planejar.

Entre os benefícios, estão 13º salário, férias, plano de saúde, e outros que vão variar conforme a empresa, como o VR (vale-refeição), PLR (Programa de Participação nos Lucros e Resultados), bônus, seguro de vida, auxílio-creche, auxílio-educação (própria ou de dependentes), previdência privada, destaca Marcos Milan, professor da FIA Business School. 

Já os custos operacionais da nova empresa podem incluir gastos com sede física, estoque, equipamentos, dependendo das características do negócio.

Por isso, durante o processo de transição, é preciso colocar tudo na ponta do lápis. 

1. Faça um diagnóstico das suas finanças pessoais

É preciso conhecer os valores dos seus ganhos, incluindo salário líquido (aquele que cai na sua conta), salário bruto (o total do holerite, sem os descontos) e os benefícios que nem sempre aparecem no contracheque, aconselham Milan e Guimarães.

Um deles, aponta Massaro, é o valor do plano de saúde. Considere cotar no mercado quanto custa o plano de saúde fornecido pela empresa e o quanto você precisaria levantar de caixa todos os meses para cobrir essa despesa. 

Depois, levante seus custos mensais, considerando o cenário usual – sem cortes e sem economia – e divida por áreas. Saiba quando você gasta com alimentação, transporte, moradia, educação, e supérfluos. Avalie onde dá para cortar, caso seja preciso.

2. Considere fazer a transição para autônomo em paralelo ao emprego atual

Em algumas profissões, é possível fazer a transição de carreira em paralelo ao emprego atual. Dessa forma, é possível esperar a nova empresa crescer em experiência, número de clientes, e robustez, sem deixar a segurança do salário fixo, afirma Wanessa Guimarães. O ideal é fazer isso até alcançar a renda desejada para manter o padrão de vida. 

3. Tenha uma reserva de emergência

A sugestão para a reserva de emergência é ter, em média, o valor equivalente a 12 meses dos custos mensais para manter o padrão de vida. 

Massaro aconselha um prazo ainda mais conservador, de 18 meses, porque a transição de carreira traz mais incertezas do que uma simples troca de emprego.

Se, em um cenário de troca de emprego, a reserva sugerida é de um ano, o cenário para o autônomo precisa ter uma folga maior. “Eu colocaria 18 meses como absolutamente mínimo, porque quando a pessoa se lança nessa aventura de empreender e fazer um negócio próprio, a gente não sabe quanto tempo vai ter retorno, gerar receita. Às vezes não demora, às vezes pode levar um ano”, diz Massaro. Além disso, talvez seja preciso investir no novo negócio.

Para montar a reserva, a sugestão de Guimarães é colocar o dinheiro em investimentos conservadores, de baixo risco e de alta liquidez, em que “você aperta o botão, e o dinheiro cai na conta”, como investimentos D+0, em que o resgate entra no mesmo dia, ou D+1, que cai no dia seguinte. Tesouro Selic, CDB, Fundos de Renda Fixa de baixo risco são alguns exemplos destacados por ela. 

Durante o período de acumulação da reserva, considere poupar tudo que for possível. Pare e pense o quanto você consegue guardar por mês para fazer essa proteção financeira. Depois, calcule em quanto tempo essa reserva vai atingir o valor necessário para cobrir seus custos durante a transição.

Com isso estimado, você vai saber em quanto tempo conseguirá fazer a transição – se será em um, dois, ou cinco anos, por exemplo. Esse período de tempo, em finanças, determina os tipos de investimentos disponíveis, pondera Massaro.

E para quem foi demitido e não tem prazo para fazer a reserva de emergência? A sugestão é pegar as receitas da rescisão, guardar em um investimento seguro de renda fixa e usar da melhor maneira possível para garantir suas despesas, afirma Guimarães. 

+ Como garantir uma aposentadoria acima do salário mínimo sendo MEI

4. Conheça o mercado e o público-alvo

O professor da FIA aconselha que, antes de desistir do emprego CLT, você faça uma pesquisa de mercado, conheça o próprio negócio e avalie se o que irá vender tem aceitação junto ao público-alvo.

“O candidato a empreendedor precisa começar logo para que seja possível avaliar as suas ações. Dificilmente você acertará de primeira”, aconselha Milan.

5. Faça um plano de negócios como autônomo

O ideal, segundo o professor, é fazer um plano de negócios antes de se tornar um CNPJ. Este documento deverá guiar o futuro empreendedor em cada passo, especialmente no início. Ao escrever o plano, faça uma análise detalhada sobre o “problema” que você quer resolver, ou seja, qual será o objetivo do seu negócio – antes mesmo de testá-lo com o público-alvo.

O plano de negócios também vai estimar todos os gastos da empresa, incluindo fornecedores, aluguel do ponto físico ou estrutura para ser online, e ainda, se haverá custos para fazer visitas aos clientes.

Milan sugere que os custos da empresa incluam uma previdência privada, para formar uma aposentadoria para o futuro. Para as mulheres, é preciso considerar se a maternidade está no radar. “Nenhum plano de previdência privada ou seguro de vida privado dá direito à licença maternidade. Nesses casos, a contribuição para o INSS é a única solução para que as futuras mamães lancem mão do direito à licença remunerada”, diz o professor da FIA.

6. Estime o preço do seu serviço como autônomo

Uma etapa importante do empreendedorismo é saber quanto cobrar pelo serviço. Após o plano de negócios e uma sondagem no público-alvo, quem quer empreender já vai saber o custo para operar e os valores cobrados no mercado por serviços semelhantes.

Segundo Milan, não há “fórmula mágica” para chegar ao valor. “Não tem jeito, é tentativa e erro, mas claro que uma análise da concorrência ajuda nessa definição”, afirma.

Uma dica para o futuro empreendedor não se frustrar com os ganhos é analisar se o preço do serviço que ele quer prestar vai cobrir as despesas básicas que ele tem. 

Um ponto de partida pode ser considerar se o valor da hora trabalhada como CLT é igual ou inferior à hora de trabalho no novo negócio – mas apenas para referência inicial, já que os dois universos são completamente distintos, pondera Massaro.

“Pode ser um ponto de partida quando a gente não tem absolutamente nenhuma outra informação, porém não é muito interessante misturar a realidade de CLT com autônomo porque a precificação de um autônomo ou de um empreendedor depende do mercado, do quanto as pessoas estão dispostas a pagar por aquele serviço”, afirma.

7. Saiba que faturamento não é salário

Quando a sua empresa começar a operar, ela irá gerar um faturamento. Segundo Milan, é preciso ter em mente que nem todo o dinheiro que entrar será o salário do autônomo.

“Existem todos os custos, despesas e impostos já previstos no plano de negócios, além da necessidade de fazer uma reserva para ser investida no crescimento da empresa”, afirma.

Para que todos esses números fiquem claros, Milan sugere que o empreendedor defina um salário fixo para si, com planos para aumento desses ganhos ao longo do tempo. 

“Muitas vezes esse salário fixo inicial será menor que seu salário como CLT e, por isso, é importante ter a reserva de emergência”, diz.

8. Seja resiliente

Não pense que, ao empreender, você vai trabalhar na praia todos os dias e ter liberdade total com seus horários. Para Milan, essa ideia é uma ilusão que permeia muitos empreendedores. A realidade é muito diferente do que é mostrado em redes sociais.

“Você vai trabalhar muito mais do que quando era CLT e provavelmente ganhará menos no início”, afirma Milan. 

Segundo o professor, é preciso ter resiliência para os altos e baixos do dia a dia e seguir o plano de negócios à risca – se ele estabelecer que seus custos mensais não podem exceder R$ 5.000, não exceda.

“Não há limites para os seus ganhos, desde que você tenha resiliência, força de vontade e se dispa de qualquer orgulho na hora de empreender”, diz Milan.

Quer saber como declarar os seus investimentos? Acesse o curso online e gratuito do Hub de Educação da B3.