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O que deve mudar com a Reforma dos Planos de Saúde

O Projeto de Lei da Reforma dos Planos de Saúde deve mudar a forma com a qual os convênios prestam serviço e cobram seus clientes

Foto de profissional da saúde, com um avental ciano e um estetoscópio no pescoço, segunda moedas com um par de luvas brancas e as oferecendo para o paciente de um plano de saúde
Com a mudança, os Planos de Saúde passarão por novas regras de cobrança e prestação de serviço

A reforma dos planos de saúde é uma pauta antiga no Congresso Nacional, que já foi e voltou várias vezes em discussões pela complexidade do tema. O Projeto de Lei (PL) reúne mais de 270 propostas sobre saúde complementar e conta com um parecer do seu relator na Câmara dos Deputados, o deputado Duarte Júnior (PSB-MA). Tem como objetivo prever alterações na Lei dos Planos de Saúde, de 1998, que estabelece as regras de prestação de serviço e de cobrança por parte dos convênios médicos.

A expectativa é que a matéria seja votada ainda em setembro deste ano, mas não será uma negociação fácil – pelo contrário, trata-se de um grande desafio: de um lado estão os consumidores que querem os melhores serviços com preços justos. Do outro, as empresas operadoras dos planos, que enfrentam dificuldades financeiras generalizadas.

Bora entender o que está em jogo nesta forma e como ela pode impactar a sua vida? Segue com a gente.

O que é a Reforma dos Planos de Saúde?

O PL 7419, de 2006, pode alterar toda a estrutura legal do mercado de saúde suplementar e flexibilizar as regras para os planos de saúde. Durante a coletiva de imprensa concedida na comissão especial que analisa o tema na Câmara dos Deputados, o relator destacou os pontos prioritários da proposta:

  1. Adoção do prontuário único entre o Sistema Único de Saúde (SUS) e a rede privada
  2. Proibição da rescisão unilateral do contrato
  3. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos planos de alta gestão
  4. Criação do Fundo Nacional das Doenças Raras

Para o deputado, o foco do projeto é o consumidor final. Mesmo assim, não é necessário que a saúde pública e a privada estejam em conflito ou que uma perca para a outra avançar. “Não pode ser vista de forma dissociada entre saúde pública e privada, pois se complementam. Se o plano de saúde não cumpre seu papel, ele sobrecarrega o SUS”, afirmou.

Prontuário Único

A proposta obriga o poder público a compartilhar informações relativas ao histórico de saúde de pacientes atendidos no SUS com a iniciativa privada. A ideia é que as informações de cada pessoa atendida sejam registradas em um banco de dados, que será alimentado tanto pela rede pública quanto particular. As duas redes teriam acesso ao Prontuário Único.

Muitas vezes, os dados da saúde de uma pessoa são geridos por muitos agentes privados, além do SUS, e cada um deles pode ter interesses diferentes entre si, afirma Felipe Baeta, CEO da gestora de saúde Piwi. “Essa fragmentação de dados é um problema na eficiência e na sustentabilidade no sistema”, relata.

Por isso, a medida deve gerar mais eficiência nos atendimentos já que os dados de cada paciente terão mais qualidade e mais histórico. “Quão melhor você o conhece, melhor você pode atendê-lo”, diz. 

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Já a conselheira nacional de saúde, Shirley Morales, afirma que é importante unificar os dados, mas a forma como isso será utilizado pelo setor privado é preocupante. “Isso não pode ser um critério para seleção de risco dos pacientes, por exemplo. Não posso utilizar o histórico de saúde de um paciente para aceitar ou negar nenhum tipo de atendimento”, afirma.

A advogada Renata Rothbarth, da área de saúde do escritório Machado Meyer, defende que este ponto já está, de alguma maneira, coberto pelas outras legislações já existentes. Isso tanto pela Lei dos Planos de Saúde, de 1998, que impede as operadoras de selecionar riscos, quanto a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), de 2018, que proíbe dados para este tipo de conduta. 

“A lógica do plano de saúde é diferente de uma securitização de carro ou imóvel. Nesses casos, há uma precificação dos riscos daquela apólice se concretizar. Nos planos de saúde é o contrário: o risco é diluído para que ninguém seja deixado de fora”, explica.

Rescisão unilateral dos contratos

O novo relatório também defende a proibição da rescisão unilateral dos contratos (em outras palavras, que a seguradora cancele o plano sem o consentimento do cliente), a fim de evitar que os pacientes em necessidade sejam expulsos.

“Ninguém pode ser impedido de participar de planos privados de assistência à saúde em razão de sua idade, de sua condição de pessoa com deficiência, de ser pessoa com doença grave ou rara, ou de seus atributos pessoais, tais como etnia, cor, condição socioeconômica, situação familiar, nacionalidade, orientação sexual, identidade de gênero, religião, crença, posicionamento ideológico ou político”, diz o relatório.

A ideia é que as suspensões só aconteçam em casos de fraude ou não-pagamento da mensalidade por período superior a 60 dias consecutivos. O inadimplente deverá ser avisado a cada 20 dias sobre o risco de corte antes do cancelamento definitivo do plano.

Procon para planos de Saúde 

O PL também prevê a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos planos de alta gestão. Neste caso, o Procon poderá fiscalizar os reajustes das mensalidades dos planos de saúde.

“Queremos garantir razoabilidade nessa cobrança. Não pode haver um reajuste desproporcional, sem qualquer fundamento. Temos que ter reajustes, mas dentro daquilo que o consumidor espera”, diz o texto. 

Atualmente o consumidor que se sentir lesado ou precisar de alguma informação já pode entrar em contato com o Procon ou com a ANS (Agência Nacional de Saúde) para pedir orientações ou fazer reclamações.

Fundo Nacional das Doenças Raras

Outro ponto de destaque é o que propõe a criação de um Fundo Nacional composto por recursos públicos e privados para o financiamento de terapias de alto custo, vinculadas ao tratamento de doenças raras. Segundo a conselheira nacional de saúde, Ana Navarrete, a proposta pressupõe o compartilhamento de riscos entre setor público e privado.

“Na prática, independentemente de como as responsabilidades sejam compartilhadas entre um e outro, transfere-se, em algum grau, o risco financeiro inerente à atividade das operadoras ao setor público que, sabidamente, tem capacidades de atendimento e financiamento ainda mais limitadas do que as do setor privado”, avalia.

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Ela afirma que os subsídios públicos ao setor da saúde suplementar já são muito significativos – na forma de gastos tributários, de linhas de financiamento, atrasos de pagamentos e inadimplência dos ressarcimentos devidos. “A criação de mais um mecanismo que permita transferências de riscos tem o potencial de apenas aprofundar as iniquidades já estabelecidas entre um e outro”, diz.

Para Rothbarth, a falta de um fundo deste tipo gera ainda mais concentração no setor de saúde suplementar, uma vez que só os convênios grandes têm a capacidade de gerir seus recursos e absorver os impactos de tratamentos caros. Enquanto isso, as seguradoras menores ficariam cada vez mais frágeis, o que aumentaria a pressão sobre o SUS e daria menos opções aos clientes.

“Existem muitas seguradoras pequenas que, quando recebem um pedido de medicamento de R$ 10 milhões, são obrigadas a decretar falência no dia seguinte”, exemplifica.

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