Renda+ foi pensado até para quem ganha pouco e busca uma boa aposentadoria, diz Nobel de economia
B3 Bora Investir entrevistou acadêmicos que embasaram novo título público voltado para a previdência; entre eles, Robert Merton, Nobel de Economia
O Tesouro Nacional lançou um novo título, o Tesouro Renda+ no último dia 30 de janeiro. A diferença entre esse e outros títulos públicos é que se trata de um investimento já direcionado a determinado objetivo, no caso, uma renda complementar para a aposentadoria.
Por causa disso, o Tesouro Renda+ tem longas datas de vencimento. Atualmente, os resgates disponíveis estão fixados entre 2030 e 2065, sendo que virão por meio de parcelas mensais corrigidas pelo IPCA, índice oficial da inflação.
Na ocasião de lançamento do título, o então secretário do Tesouro Nacional, Paulo Valle, frisou que o objetivo do Renda+ não é substituir o INSS, mas ser um complemento à previdência social.
A ideia de usar títulos públicos como complementos previdenciários, onde a pessoa consegue ter uma ideia da renda que terá no futuro, vem do meio acadêmico e foi desenvolvida por Robert Merton, prêmio Nobel de economia de 1997 e professor de duas das mais conceituadas universidades dos Estados Unidos, o MIT e Harvard, em parceria com Arun Muralidhar, pesquisador da área previdenciária e gestor de fundos.
No meio acadêmico, a ideia é conhecida como Selfies, sigla em inglês para padrão de vida, começo prematuro e garantia de renda. Os três princípios são seguidos pelo Tesouro Renda+. O começo prematuro pela possibilidade de economizar para aposentadoria mais jovem, muitos anos antes da saída do mercado de trabalho. O padrão de vida pelo fato de o título garantir o poder de compra futuro e a garantia de renda pelo funcionamento de complemento à previdência social.
Já a adaptação do modelo à realidade brasileira se deu por meio dos estudos de tais acadêmicos com a colaboração de Alexandre Vitorino, pesquisador da área de títulos públicos e doutorando na Fundação Getúlio Vargas (FGV). Os três especialistas e Azita Sharif, pesquisadora da área de segurança financeira, empreendedora e parte do grupo de estudos de Merton, concederam entrevista ao B3 Bora Investir.
Entre os assuntos, eles explicaram mais sobre a ideia de título público como complemento previdenciário, discutiram meios de democratizar conhecimentos financeiros, falaram dos sistemas de previdências de outros países e como uma coisa que deu certo em um local pode não ser boa em outro. Também deram suas opiniões sobre o atual momento da economia no mundo.
Confira a entrevista completa a seguir:
O Tesouro Renda+ tem a aposentadoria como objetivo. Quais conselhos dariam a jovens adultos que estão começando agora a economizar para a aposentadoria?
Muralidhar: Gostaríamos de ressaltar, como um grupo, a importância da disciplina e dos bons hábitos para investir. Especialmente para os mais jovens é muito importante começar o processo de planejamento da aposentadoria bem cedo em suas vidas. Se começar a poupar mais cedo, pode ao longo dos anos juntar uma soma bem grande de dinheiro, ajudando a ter uma boa vida na aposentadoria. O que acontece é que quando se é muito novo, a ideia de aposentadoria não está no radar. Mas é importante estimular os jovens a começar a poupar cedo e o máximo que conseguirem. Do mesmo jeito que você constrói uma casa tijolo por tijolo para ter uma boa estrutura. O que esperamos é que esse novo instrumento ajude as pessoas a construir suas poupanças para aposentadorias tijolo por tijolo.
Sharif: Acho que deveriam existir cursos sobre aposentadoria nas escolas, do mesmo nível que existe nas universidades. Esses cursos deveriam ser obrigatórios. As pessoas ouvem sobre aposentadoria no seu primeiro emprego, o que é muito tarde. Uma cultura de poupança para a aposentadoria deve começar muito mais cedo. Há ainda aqueles que não têm a oportunidade de ir para faculdades. Por isso, cursos de poupança para aposentadoria deveriam ser ensinados nas escolas para as crianças, como matemática e ciência.
Qual o principal valor do Tesouro Renda+ para os investidores brasileiros?
Merton: Nosso trabalho objetivou um produto de alto nível para guiar os países. O Tesouro Renda+ reflete muitos aspectos do sistema brasileiro, que é único. O ponto que nos traz mais satisfação é o de que indivíduos de baixa renda, ou com poucas economias, e mesmo aqueles que não fazem parte do sistema previdenciário podem comprar o título Renda+ e assim obter recursos para aposentadoria. Os melhores meios para economizar geralmente não estão disponíveis para as pessoas que mais precisam. O Tesouro Renda+ foi bem planejado, sobretudo por meio do uso do Tesouro Direto, porque permite a investidores economizarem por meio de pequenas parcelas, algo como 30 reais. Além disso, se os investidores quiserem vender seus títulos, podem fazê-lo com facilidade. Portanto, o Renda+ é uma solução de baixo custo, com liquidez, democrática e inclusiva.
Vitorino: O Tesouro Renda+ pode ser um ponto de partida para poupadores brasileiros em termos estratégicos de renda complementar, assunto que não é tão discutido como deveria ser entre investidores e planejadores financeiros. Até mesmo os que sabem sobre o teto da previdência e querem se aposentar e manter um padrão de vida não têm conhecimento sobre quanto precisam economizar ou como investir para obter um determinado complemento de renda. Eu concordo que o assunto finanças pessoais deveria ser ensinado nas escolas, mas também é importante que seja ensinado em casa. Pais deveriam ensinar seus filhos adolescentes sobre aposentadoria. O Tesouro Renda+ facilita esse aprendizado, pois foi projetado para oferecer uma visão sobre o quanto é preciso economizar para obter certa renda futura.
Se a população se lançar a soluções de previdência que não venham do governo, estará contrariando uma típica realidade brasileira, a crença de que só o Estado deve ser o responsável pelo pagamento da aposentadoria. Acreditam que o novo modo de pensar o tema pode mudar não só a economia, mas também a sociedade?
Confira a resposta no vídeo a seguir:
Como o Tesouro Renda+ pode ajudar o Brasil a criar um sistema moderno de previdência?
Muralidhar: Acredito que o Brasil tomou um atalho. Por exemplo, eu tenho a minha pensão complementar nos Estados Unidos e todo mês ela me reporta sobre o quanto eu tenho em ativos, mas não me dá nenhuma ideia sobre a qualidade de vida que eu terei, se será melhor ou pior. Já com o Tesouro Renda+ alguém no Brasil pode pensar que quer se aposentar com o mínimo de três salários mínimos. Conforme os títulos são adquiridos ao longo de uma vida, de um modo simples e transparente, será possível visualizar como se está progredindo até esse objetivo. Para usar o Renda+ é preciso apenas dois instrumentos: um é a data de aposentadoria e o outro é objetivo de renda na aposentadoria. Ao responder essas perguntas, chega-se ao número de títulos que é necessário adquirir. No nível privado, cria-se um sistema que eu acredito ser melhor que qualquer outro que existe no mundo. O Tesouro Renda+ também não é só para pessoas físicas; quando o governo disponibilizar o título para instituições, então será possível sua utilização para fundos de previdência privada. Também é esperado que haja impacto em companhias de seguro, que poderão criar produtos melhores ante o aumento da expectativa de vida. Concluindo, essas são sementes que permitirão ao Brasil ter um sistema previdenciário mais sofisticado que o de outros países.
Quais são as principais teorias sobre renda complementar que influenciaram os Selfies e quais outros teóricos relevantes nessa área?
Confira a resposta no vídeo a seguir:
Se jovens pesquisadores quiserem produzir conhecimento sobre títulos de aposentadoria e criar soluções para seus próprios países, por onde deveriam começar?
Muralidhar: Quando o Professor Merton e eu começamos o projeto, tínhamos o princípio de desenvolver ideias que poderiam ser usadas em qualquer parte do mundo, mas também com a certeza de que estávamos trocando informações sobre as ideias de cada um. Assim, um país não precisaria repetir o que seria feito num outro. Então nós desenvolvemos um website, selfies for all, e nele há estudos sobre diferentes países, como Japão, EUA, Índia, Turquia e Brasil. Portanto, o site funciona como um banco de ideias em que as pessoas podem se informar. Ele também é gratuito, ou seja, disponível para pesquisadores, sejam eles jovens ou experientes.
Como suas ideias contribuíram para a criação do Tesouro Renda+ e a prática de renda complementar para aposentadoria?
Confira a resposta no vídeo a seguir:
Como suas pesquisas contribuíram para diferentes soluções em outros países?
Merton: Eu recebi meu Prêmio Nobel por um novo método de precificar derivativos. O assunto parece técnico e complexo, mas teve um impacto enorme em sistemas financeiros ao redor do mundo. Eles são muito eficientes para proteção de risco. Com isso, tivemos uma melhora nos últimos cinquenta anos, desde quando começamos a pesquisa. Os derivativos se tornaram um dos pilares do sistema financeiro. Hoje, é estimado que haja US$ 650 trilhões de derivativos no mundo, o que é quase sete vezes o PIB global. Nenhuma instituição financeira no mundo, incluindo bancos centrais, funciona sem derivativos. Esse é o pano de fundo que leva ao impacto que a pesquisa teve em alguns países, pois conseguimos levar adiante a teoria do portfólio. Antes haviam teorias focadas num mundo de certezas e somente no quanto era necessário poupar. O que eu trouxe e que se relaciona com aposentadoria é a solução do portfólio durante uma vida toda sob um quadro de incerteza. Ao mesmo tempo, nós determinamos a quantidade ideal de consumo e poupança e também a alocação do que foi poupado entre ativos com e sem riscos. Assim, há uma mudança dinâmica em resposta a novas informações e novas circunstâncias. É um problema complexo, pois a expectativa de vida está crescendo. São várias décadas e o futuro permanece incerto. A incerteza é de primeira ordem nesse problema.
Poderia dar mais detalhes sobre a teoria que lhe rendeu o Prêmio Nobel?
Merton: A ideia de usar contratos digitais é uma solução para substituir ativos físicos e revolucionou as finanças no último meio século. Minha contribuição com Myron Sholes e Fischer Black na criação do chamado modelo de precificação foi trazer uma ideia que não havia sido utilizada antes, o que acabou sendo muito prático e foi usado em muitos lugares. Hoje é estimado que o método embase 10 bilhões de contratos por ano, o que representa trilhões de dólares por ano. Por exemplo, se alguém quer construir uma companhia integrada de combustível ao invés de uma refinaria, e se não tem a expertise ou é muito caro, pode fazer uma refinaria sintética usando contratos. O método oferece um modo uniforme de avaliar risco de crédito, mas também foi usado para avaliar projetos reais. Eu citei a refinaria sintética e há a chance de construir uma estação de energia que pode funcionar com diferentes combustíveis, então é possível mudar de gás para carvão, madeira etc. Com isso há flexibilidade em modos de escolher o menor custo. Ainda é possível avaliar o impacto ambiental. Concluindo, a flexibilidade num mundo imprevisível é extremamente valiosa. Por isso que nosso trabalho teve grande impacto, a questão vai além dos contratos. Nosso método permite apresentar a flexibilidade e o preço.
Crescimento demográfico e envelhecimento da população são realidades em muitos países. Em suas opiniões, quais estão se saindo melhor no combate a esses problemas?
Confira a resposta no vídeo a seguir:
Outra grande contribuição do professor Merton para as finanças foi a resolução do problema de portfólio, que envolve a alocação de investimentos. Poderia explicar com mais detalhes?
Confira a resposta no vídeo a seguir:
Como outros campos de conhecimento, finanças costuma ser algo muito abstrato para o entendimento leigo. Em suas opiniões, quais medidas poderiam ser tomadas para que houvesse um maior entendimento de finanças pelo público não especializado? Como isso afetaria as economias pessoais de cada um?
Sharif: Finanças pessoais é um assunto que deveria ser parte da grade curricular escolar, começando desde muito cedo, ao mesmo tempo em que se começa a ensinar matemática para as crianças. No ensino médio deveria ser introduzida a ideia de aposentadoria e economias para esse fim. Um dos projetos em que o professor Merton e eu trabalhamos juntos é uma série de livros infantis com a temática de finanças pessoais. Então aos cinco ou seis anos já se começa a pensar sobre o tema, o que se torna natural.
Merton: se na concepção de produtos e serviços financeiros levarmos em conta o que as pessoas já sabem, então não será necessário mais educação financeira para que possam ser usados. O setor de carros, por exemplo, se alguém entra num carro de 1955 e senta no banco do motorista, terá diante de si o volante, terá o pedal do acelerador, ambos componentes com a mesma função de um modelo atual, de 2023. A tecnologia é diferente, em 1955 era físico, baseado em alavancas. Hoje, o sistema é eletrônico, você poderia ter o acelerador em qualquer lugar, no volante ou no painel, mas 60 anos depois, as peças ainda estão todas no mesmo lugar. Isso não é acidente. A indústria automobilística quer que quando alguém entre num carro saiba como utilizar, o que também tem a ver com segurança. Dirigir se tornou natural, então os pés e as mãos reagem mais rápido que os pensamentos. Com finanças, é possível fazer a mesma coisa, implantar algo que seja utilizável. Logo, educação é importante, mas também é preciso concepções inteligentes.
Tendo em vista a Guerra na Ucrânia, inflação na Europa e juros nos EUA no maior patamar desde 2008: como veem o atual momento da economia mundial?
Muralidhar: A sensação geral é que haverá uma recessão global. A inflação está teimosa e difícil de fazer cair. Uma das coisas interessantes do Tesouro Renda+ é que é ligado à inflação. É diferente do sistema de pensão de outros países, que não oferecem uma proteção contra a alta dos preços. Em muitos sistemas, como nos Estados Unidos, muitos dos pagamentos de aposentadoria, seja do lado corporativo ou complementar, não são índices de inflação. Assim, podem enfrentar uma piora no padrão de vida.
Por fim, gostaríamos que explorassem mais a ideia de como o Tesouro Renda+ pode ser um instrumento para financiar projetos de infraestrutura, beneficiando até quem não investe no título.
Muralidhar: quando começamos a pensar sobre o Tesouro Renda+, o professor Merton e eu nos perguntamos: qual entidade é a melhor para emitir esse título? Obviamente, com o governo e o Tesouro Nacional emitindo o título, há baixo risco, baixo custo e alta liquidez. Mas a questão mais importante era se o governo brasileiro tem outras atividades que poderiam ser financiadas. Quando se pensa em infraestrutura, pode haver muitos investimentos nessa área hoje, mas até o projeto ser concluído, dez ou quinze anos depois, não há dinheiro saindo dali. Então entendemos que o Tesouro Renda+ é um bom instrumento, pois o governo pode ter projetos de longo prazo alimentados por demanda doméstica. Assim, empréstimos não são necessários e não há tantos riscos. A parte sensível é que até quem não comprar o Tesouro Renda+ se beneficiará, pois haverá mais infraestrutura no país. Mais infraestrutura leva a maior produtividade, mais PIB e mais qualidade de vida.
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