Criptoativos

Criptomoedas: o difícil ano das moedas em 2022 e o que esperar para 2023

Em entrevista, Axel Blikstad, sócio da BLP Crypto - gestora de fundos com exposição à criptomoedas, fala sobre o difícil ano para esse mercado e as expectativa para 2023

Imagem de uma moeda de bitcoin em tom acobreado
Bitcoin é a mais famosa das criptomoedas. Foto: Michael Wensch/Domínio Público

O mercado das criptomoedas teve um ano de 2022 para esquecer. Uma sequência de acontecimentos catastróficos levou a desconfiança nos criptoativos e levantou a discussão sobre como o investidor pode se blindar e evitar ser impactado pela má gestão dos ativos por algumas companhias intermediadoras.

O colapso da stablecoin Terra/Luna – moeda digital atrelada ao dólar, em maio, se somou a falência, em novembro, da FTX comandada pelo jovem americano Sam Bankman-Fried, de 30 anos, que chegou a ser considerado um garoto prodígio das moedas digitais.

No cenário macroeconômico, a alta dos juros nos Estados Unidos e na Europa para conter a inflação, pressionou os ativos digitais – assim como bolsas de valores e moedas em todo o mundo. O alívio na política monetária americana – com a redução no ritmo de alta dos juros observada na última reunião do Federal Reserve em dezembro – abre caminho para um 2023 um pouco melhor para as criptomoedas.

B3 Bora investir conversou com o Axel Blikstad, sócio da gestora BLP Crypto — responsável pelo primeiro fundo de Bitcoin do Brasil. Na entrevista, o especialista explica como o cenário econômico mundial impactou o mercado de ativos digitais; relembra as instabilidades em 2022; e as expectativas para 2023 com o avanço das discussões em torno da regulação desse mercado. Diante do ano conturbado, Axel também dá dicas de como investir em criptomoedas com segurança.

B3: O cenário macroeconômico impactou bastante o mercado de criptomoedas em 2022. Qual o balanço que você faz?

Axel: Foi claramente um ano esquisito. Começou com o Jerome Powell [presidente do Fed, o banco central americano] dizendo que a inflação era temporária e de repente ela está em dois dígitos e começa a aumentar a taxa de juros de forma muito forte. Todo mundo com medo, a bolsa despenca. Mas não foi só o Fed, tem a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, ao lado da Europa, que acontece já há mais de nove meses. O conflito fez subir o preço da energia – primeiro o petróleo e depois o gás. Isso fez com que a inflação subisse em todo o mundo, o que teve um impacto gigantesco nas moedas que a gente não via há muito tempo. Então teve muita coisa na macroeconomia que acabou impactando o nosso mercado que vinha forte nos últimos três anos. Chega, então, um momento que o gás desse mercado acaba e vem alguma correção. Curiosamente, o mercado de criptomoedas vem apresentando esses ciclos de quatro anos. O último foi em 2018, depois da euforia de 2017.

B3: O ano também foi marcado por instabilidades no mercado de ativos digitais. O exemplo mais recente foi o colapso da FTX. O que aconteceu com esse mercado?

Axel: Foram vários eventos no mercado de criptomoedas em 2022 e acho importante nomear alguns aqui. Teve a implosão do Terra/LUNA – que engloba a criptomoeda Terra (LUNA) e a sua stablecoin TerraUSD, que é uma moeda digital atrelada ao dólar. O colapso se deu quando a cotação da divisa desabou e não havia garantias, ou seja, liquidez, para segurar a paridade. Na sequência a gente teve a falência da Celsius – plataforma de empréstimos e outros serviços financeiros com criptomoedas – que provocou aumento do pessimismo no mercado cripto. E aí veio o maior e mais recente desastre do ano, em novembro que foi a quebra da FTX. Foi em um domingo, dia 6 de novembro, e eu num vou esquecer. Saiu um artigo com o balanço da Alameda Research que também era um negócio do Sam Bankman-Fried. Nele se comprovava as suspeitas de misturas entre os fundos da Alameda e da FTX. Não teve governança nas empresas FTX e a Alameda Research. Você não pode tomar dinheiro de ativos de clientes e emprestar para uma empresa irmã para ela se alavancar e operar no mercado. É basicamente isso que aconteceu. Foi aí que os clientes ficaram preocupados e começaram a sacar os investimentos. Em 48 horas ele não tinha mais nenhum ativo para entregar. Na sequência veio a recuperação judicial. Foi um mix de fraude, bandidagem, má gestão e alavancagem da empresa irmã de forma excessiva.

B3: Um ponto importante a se destacar é que apesar dos problemas enfrentados por essas empresas, a tecnologia das moedas digitais é segura?

Axel: É importante mencionar isso. Eu vejo que todos esses problemas foram gerados pelos intermediadores que fizeram bobagem. Seja uma alavancagem em excesso ou pouco controle de risco. Mas os protocolos funcionaram perfeitamente. A Ethereum operou, o Bitcoin continuou minerando o bloco na média a cada dez minutos, a rede não parou. Importante reforçar: não é um problema da tecnologia, mas sim de intermediários que não fizeram um bom trabalho. A Terra Luna nunca foi um negócio sério. O dono é um fugitivo até agora. A tecnologia funciona sim, foram algumas fraudes dos intermediários.

B3: O que pode ser feito para que esse mercado volte a um novo ciclo de estabilidade?

Para todo o ecossistema é muito ruim quando muita gente perde dinheiro. No entanto, quando os maus operadores são liquidados, tirados do sistema, vem muita gente boa para o mercado. Então temos visto agora muitos players fortes crescendo. É o caso da Fidelity Investments – gestora com mais de US$ 9,9 bilhões em custódia. Ela demorou quatro anos para estar no ecossistema – primeiro só com Bitcoin e agora com o Ethereum – e com uma plataforma de varejo. Não é só trading [buscar ganhos no curto prazo], mas também a custódia de criptoativos. Quando morrem essas companhias ruins, surgem empresas com mais renome, mais tradicionais e eu acho isso muito saudável para o ecossistema, apesar da queda dessas companhias menores no curto prazo serem ruins. Eu acho que você tem espaço para ter bons players. Eu acho que as feridas de 2022 vão cicatrizar com o tempo. Não acontece da noite para o dia. No médio a longo prazo, todos esses problemas neste ano vão acelerar a parte regulatória.

B3: Nesse caso da regulação, o Congresso brasileiro aprovou recentemente o ‘Marco dos Criptoativos’. Como você vê essa questão aqui no Brasil e no mundo?

Axel: No Brasil vão ter dois reguladores que são muito competentes: o Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários – a CVM. Os dois já estudam esse ecossistema há bastante tempo e felizmente o Roberto Campos Neto [presidente do BC] gosta bastante desse sistema e está querendo fomentá-lo e isso é muito saudável. A CVM também está bem atenta. Tem toda a parte tokenização de ativos – que eles são bem favoráveis. Acredito que isso é bom para o Brasil e os players do ecossistema. Ele também falou [Roberto Campos Neto] de Bitcoin sendo aceito como um meio de pagamento e isso é muito poderoso. O que não passou foi a chamada Segregação Patrimonial – que separa os ativos do cliente e da corretora. Acredito que isso possa vir em um segundo momento. É essa segregação – para a gente poder entender bem – que foi o grande problema na FTX. Era tudo uma coisa só, o Sam Bankman-Fried se aproveitou de todo esse dinheiro e causou problemas para todos os clientes e o mundo das criptomoedas. Para os Estados Unidos, acho que tem uma grande chance dessa regulação evoluir em 2023. Acredito que isso tende a acalmar o mercado no tempo, junto com a questão da normalização dos juros. Tem países, como o Canadá, que já proibiram as corretoras de oferecer alavancagem de ativos – o que é ótimo. Afinal é desnecessário, já falei isso várias vezes, qualquer investidor – seja um fundo ou de varejo – se alavancar. A pessoa que fez isso pode não estar sabendo, mas em alguma hora a coisa vai desandar. 

B3: O que esperar do mercado de criptomoedas para o ano que vem?

Axel: Vai ser devagar, mas volto a insistir na vinda de novos players na parte de custódia. A parte regulatória que tratamos aqui também vai evoluir e você começa a entrar naquele bom ciclo dos quatro anos. Acredito que no começo do próximo ano ou no primeiro semestre, o mercado começa a se animar com os ativos. Eu vejo também aqueles clientes ‘raiz’ – e não os que compram apenas para especular – vão manter esses ativos na carteira pelos próximos dez anos e isso faz com que os preços comecem a subir aos poucos. Eu espero que possa acontecer algo muito parecido com 2019. Naquele ano, quem realmente acreditava na tecnologia – e não só em ganhar dinheiro no curto prazo – ficou no mundo das criptomoedas.

B3: Os novos investidores que pretendem ingressar no mercado de criptomoedas em 2023. Quais as dicas que você daria?

Axel: A gente é muito conservador aqui, então a primeira coisa é: seja muito diligente a onde você vai comprar seus ativos. Não compre com qualquer corretora. Porque você, veja, a terceira maior corretora implodiu em 48 horas. Faça o seu dever de casa para ver quem é sério e quem não é. Segundo: antes de comprar estude o que você vai adquirir, fique confortável, entenda o que está fazendo e – importantíssimo – não use alavancagem. Não é necessário usar alavancagem nesse ecossistema. Terceiro: aprenda a fazer custódia fria, ou seja, custódia em uma carteira que não depende de um terceiro e está desconectadas da internet. Elas usam equipamentos específicos, físicos, que utilizam chaves de armazenamento para fazerem suas conexões. Então, comprou você tira da corretora. Seja você o dono das suas chaves privadas para não ter nenhuma surpresa. Se você está fazendo a custódia para você mesmo e sabe como fazer isso, você não vai ter dor de cabeça com ninguém.

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