Entrevistas

“Crédito mais seletivo impede juros imobiliários de acompanhar queda da Selic”, diz Alberto Ajzental

Em entrevista, coordenador do curso de negócios imobiliários da FGV-SP explica que com menos recursos na poupança, bancos destinam pouco capital para empréstimos imobiliários - o que encarece os financiamentos

Os cortes na taxa básica de juros, que começaram em agosto de 2023, ainda não chegaram aos juros do financiamento imobiliário. A Selic caiu de 13,75% no ano passado para 10,75%, atualmente.

Nem mesmo a expectativa de que o Comitê de Política Monetária (Copom) leve os juros para 9% ao fim de 2024 tem alterado a percepção dos analistas de que os empréstimos para comprar a casa própria não devem ficar muito mais baratos.

Em entrevista ao Bora Investir, o coordenador do curso de negócios imobiliários da FGV-SP, Alberto Ajzental, explicou que a retirada dos recursos da poupança nos últimos anos que é a maior fonte de capital para o crédito imobiliário – tem impedido que os cortes na Selic cheguem a esses empréstimos.

“Se a oferta de crédito é mais seletiva, dificilmente os juros do crédito imobiliário vão acompanhar tão rápido a queda da Selic. As alternativas que estão entrando no lugar do SBPE [Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo] são CRI e LCI, que são mais caras. Portanto, dessa vez, as taxas de juros do financiamento imobiliário não vão cair na mesma velocidade do que no passado”.

Apesar desse momento difícil para conseguir taxas mais em conta, o especialista afirma que o critério para a compra de um imóvel não deve ser o cenário econômico e sim a capacidade de poupar e se programar para quitar esse investimento de longo prazo

“Nada se compara à compra de um imóvel. O comprometimento da renda é de 25% por 25 anos. É preciso, então, pensar em reunir condições de pagar as parcelas e ter uma entrada de até 20% do bem. Quem não é dono de um imóvel, provavelmente mora de aluguel, ou seja, precisa ter a capacidade de pagar aluguel e ainda fazer uma poupança”.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deve anunciar em breve um pacote de medidas para destravar o crédito imobiliário ofertado pelos bancos no país. A ideia é permitir que as instituições financeiras vendam a terceiros os contratos de financiamento imobiliário que estão em sua carteira, chamados de “recebíveis”.

“Isso vai aliviar o que eles têm de comprometimento e vai fazer com que possam voltar a emprestar mais. Então, isso sim é bacana e inteligente”, afirma o coordenador do curso de negócios imobiliários da FGV-SP.

Sobre o FGTS Futuro, que permite aos trabalhadores formais comprometerem a contribuição que o empregador ainda vai depositar na sua conta vinculada do FGTS para pegar um financiamento habitacional, Alberto Ajzental é contra.

“A pior coisa que você tem é comprometer o seu futuro. Ninguém sabe se vai ter emprego amanhã. É como contar com o ovo que não saiu da galinha”, conclui.

Acompanhe abaixo a entrevista completa.

Bora Investir: A Selic está em desaceleração desde agosto de 2023. A projeção do mercado é terminar o ano em 9%. Mesmo assim, as taxas de financiamento imobiliário ainda não refletem todo esse corte. Por que essa redução não acontece de forma direta?

Alberto Ajzental: De todas as formas de financiamento, a mais próxima à variação da Selic são as taxas de juros do crédito imobiliário. Antigamente 70% do capital para esse crédito vinha da caderneta de poupança e hoje isso caiu para abaixo de 40%. Mesmo assim, a poupança segue como a maior fonte de capital para o crédito imobiliário e tem o menor spread [diferença entre os custos de captação dos recursos pelos bancos e o custo dos empréstimos que faz a seus clientes], excluindo o crédito consignado. Esse spread é menor porque se tem uma garantia real, que é o próprio imóvel.

Se você voltar algumas décadas, em momentos de subida ou descida da taxa básica de juros, uma variação 2,2 pontos ou 2,3 pontos na Selic trazia 1% de variação na taxa de crédito imobiliário. Só que agora estamos vivendo um momento diferente, já que a queda dos juros não acontece de forma tão rápida. Isso se soma aos recursos para o crédito imobiliário, via poupança, que estão minguando, ou seja, você tem menos recursos disponíveis.

A poupança está há dois anos com saldo negativo de captação de recursos e com isso os bancos ficam mais seletivos na concessão de crédito – apesar de 65% do total captado em poupança precise ir para financiamento imobiliário. Portanto, se a oferta de crédito é mais seletiva, dificilmente os juros do crédito imobiliário vão acompanhar tão rápido a queda da Selic. As alternativas que estão entrando no lugar do crédito SBPE [Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo] são CRI e LCI, que são mais caras.

Então estamos perdendo captação de um dinheiro que é mais barato. Os bancos estão mais seletivos na oferta de crédito que está menor e mais cara. Desta vez as taxas de juros do financiamento imobiliário não vão cair na mesma velocidade do que no passado.

Bora Investir: Apesar desse cenário de crédito imobiliário ainda caro, temos uma inflação mais controlada e a renda média das famílias mais alta. Esse cenário pode favorecer a compra da casa própria?

Alberto Ajzental: Não, pois além do custo de capital não estar tão barato, o custo de construção está alto desde a pandemia. A gente teve um Índice Geral de Preços Mercado (IGP-M), que são os preços de matérias primas, muito alto. E esse índice impacta no INCC [Índice Nacional de Custo da Construção]. O INCC chegou a bater 17%, agora está mais comportado, mas não apresenta deflação, ou seja, ficou mais caro e o preço não voltou ao que era antes. Construir está mais caro, o capital para um financiamento está mais caro e as famílias brasileira vão precisar de mais renda para comprar ou construir um imóvel.

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Bora Investir: Diante dessa conjuntura, como os brasileiros devem começar a se organizar financeiramente para esse investimento de longo prazo que é comprar a casa própria?

Alberto Ajzental: Nada se compara à compra de um imóvel. Não tem nenhuma compra que exige tanto de renda por tanto tempo. O comprometimento da renda é de 25% por 25 anos. Comprar um carro, por exemplo, é 5% da renda por no máximo cinco anos.

O critério para comprar ou postergar a compra de um imóvel não deve ser o cenário econômico melhor ou pior e sim pensar no longo prazo. O investidor precisa pensar se o seu negócio vai bem, se tem perspectiva de crescer ou se manter. Se o seu emprego está em ordem e tem perspectiva de crescer ou se manter. É preciso pensar no longo prazo. Não existe o momento: ‘esse final de semana vou aproveitar e comprar a minha casa’. Não é assim que funciona. Não é uma compra por impulso.

Para comprar um imóvel é preciso pensar em duas coisas: reunir condições de pagar as parcelas do financiamento imobiliário e ter um sinal, uma entrada. Para se ter um sinal, significa que você precisa em alguns anos de vida ter a capacidade de acumular essa entrada. E a gente fala de 10% a 20% do valor do bem. Para fazer isso, é preciso necessariamente fazer um exercício diário e mensal que é gastar menos do que ganha, ou seja, ter a capacidade de poupar.

A partir da sua situação financeira, é preciso fazer uma conta para saber em quanto tempo se reúne o sinal. Se você conseguir fazer esse exercício e ter essa disciplina de poupar, provavelmente você terá condições de se programar para pagar as parcelas do financiamento.

Quem não é dono de um imóvel, provavelmente mora de aluguel. Ou seja, você precisa ter a capacidade de pagar aluguel e ainda fazer uma poupança. Você terá de viver aquém da sua receita por muitos anos para pagar o bem. É bem verdade que assim que se dá o sinal, você começa a pagar as parcelas e se muda para a casa ou apartamento. Com isso, você economiza o aluguel e parte para pagar as parcelas.

Tendo a capacidade de poupar, você entra na questão do dia a dia de mercado financeiro que é como investir melhor. Isso vai depender das taxas de juros e da capacidade de poupança do comprador.

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Bora Investir: O consócio também é um modo de conseguir comprar a casa própria. Quais as diferenças dele para um financiamento comum e as vantagens e desvantagens?

Alberto Ajzental: No financiamento você pega dinheiro emprestado e paga juros em função disso. Ao assumir um compromisso junto ao agente financeiro, você se muda e vai morar no local. É verdade que se paga juros pelo adiantamento do capital para sua compra, mas também é verdade que você mora no seu bem e para de pagar o aluguel.

Milagre não existe e dinheiro custa. Quando se faz um consórcio, apesar de não ter juros nas parcelas, é preciso desembolsar um valor para pagar a entidade que promove o consórcio, algo em torno de 4% a 5%. O consórcio nada mais é do que uma transferência de renda de uns para outros. Ao fim de cada mês, pelo menos uma pessoa do grupo é contemplada com uma carta de crédito e consegue o direito de comprar o imóvel.

Os primeiros 40% contemplados têm a vantagem de pagar as parcelas sem juros e já poder morar. Da metade para frente, as pessoas estão pagando parcelas do consórcio e o aluguel de onde elas moram. Ou seja, estão subsidiando e pagando os primeiros contemplados. Por isso o índice de desistência de consórcio imobiliário é altíssimo.

No caso da inadimplência, o consórcio e o financiamento são muito diferentes. No primeiro caso é preciso esperar o grupo se dissolver, o que pode levar anos. Já no financiamento, o risco é o imóvel ir a leilão, paga-se o saldo devedor e o valor desembolsado se recebe de volta. Portanto, tudo isso precisa ser levado em conta na hora de escolher um ou outro.

Bora Investir: Para quem já tem um imóvel financiado e quer renegociar os juros. Quando vale a pena fazer a portabilidade da dívida?

Alberto Ajzental: A portabilidade você vai incorrer num custo de mais ou menos R$ 3 mil numa avaliação do imóvel. Ela é uma medida muito inteligente ao permitir o tomador de crédito passar de um banco para outro e um sucesso na medida que essa mudança acontece em pouquíssimos casos.

A instituição financeira original não quer que o cliente vá embora, então geralmente ela cobre a oferta de juros mais baixos do outro banco. Isso explica por que o número de efetividade na portabilidade é baixo. A portabilidade, portanto, é uma ótima ferramenta para você não ficar preso a um determinado monopólio. Ou seja, fechei com determinado banco, não sou obrigado a ficar 25 anos com ele.

A portabilidade vale a pena quando se tem um diferencial de taxa, ou seja, aquilo que se contratou quando fechou o financiamento está acima de 2% da taxa do mercado. No caso prático, agora a Selic está em queda. Passou de 13,75% ao ano para 10,75% ao ano e vai chegar a 9% ao ano. Portanto, agora não é o momento de pedir uma portabilidade ou renegociar, porque está se enxergando que os juros vão cair ainda mais.

Quando se faz a opção pela portabilidade, o Banco Central se encarrega de todo o trâmite e em até dois dias você passa a sua dívida de um banco para outro.

Bora Investir: Para destravar o crédito, o ministro da Fazenda deve anunciar uma medida para permitir que bancos vendam a terceiros os contratos de financiamento imobiliário que estão em sua carteira. Essa proposta pode alavancar a concessão de crédito?

Alberto Ajzental: Com certeza, porque os bancos podem rodar o processo. O que isso significa? Os bancos tiveram originação de negócios de crédito, ou seja, originaram os recebíveis. Eles estão limitados na questão dos 65% do total de dinheiro captado pela poupança ter de ir para financiamento imobiliário. Como esses recursos estão diminuindo, as instituições estão travadas na possibilidade de conceder mais crédito, ou seja, estão com menor flexibilidade para conceder empréstimos.

As instituições financeiras podem, então, pegar essas carteiras, empacotar, passar para outras pessoas que têm interesse em receber. Isso vai aliviar o que eles têm de comprometimento e vai fazer com que possam voltar a emprestar mais. Então, isso sim é bacana e inteligente.

Bora Investir: Começou a valer uma nova medida do Conselho Curador do FGTS que permite o trabalhador formal comprometer os depósitos previstos no FGTS para compor renda e ajudar a pagar prestações do imóvel no Minha Casa, Minha Vida. Isso é positivo?

Alberto Ajzental: Essa medida é péssima. Uma coisa é o trabalhador gastar o que tem no bolso e a outra é gastar um dinheiro que ainda não entrou na sua conta do FGTS. A pior coisa que você tem é comprometer o seu futuro. Ninguém sabe se vai ter emprego amanhã.

Eu não posso me comprometer a comprar um bem tão necessário na vida de qualquer pessoa e caro sem ter esse dinheiro comigo. Isso coloca em risco todo o processo que nós conversamos até aqui. Como contar com o ovo que não saiu da galinha.

É um movimento muito arriscado, imprudente e inconsequente por parte do governo. Eu acho que é uma proposta – principalmente para uma população que vive no limite, que não tem poupança, não tem recursos – e ignora fatos de financiamentos e de educação financeira. Não acho que isso deva ser adotado por uma família.

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