6 fatos para entender a crise da Americanas
BTG obtém liminar que bloqueia R$ 1,2 bilhão da varejista. É a primeira decisão contra o pedido de 30 dias de proteção contra credores. B3 Bora Investir explica os principais fatos para entender o caso
O imbróglio contábil da varejista Americanas acaba de chegar a um novo patamar: a companhia entrou hoje, 19/01, com pedido de recuperação judicial registrado na 4ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A medida é um recurso que suspende o pagamento de dívidas durante um período por parte de uma empresa, desse modo evita-se a falência e o não pagamento definitivo a credores.
Entre os principais credores estão os bancos BTG, Bradesco e Safra. No total, são 16.300 credores de uma dívida que chega a R$ 43 bilhões; a companhia pede 48 horas para apresentar a lista de credores e que seguirá as operações normalmente, segundo informações da Agência Estado.
Veja a seguir a ordem cronológica dos fatos que levam a companhia até o pedido de recuperação judicial:
11/01: Os erros e a renúncia
Em comunicado ao mercado, a Americanas S.A informou que o presidente da companhia Sergio Rial renunciou ao cargo, após identificar um rombo de ao menos R$ 20 bilhões no balanço contábil. Rial deixou o cargo apenas 9 dias após ter assumido. O diretor financeiro da empresa, André Covre, também renunciou.
Os nomes haviam sido muito bem recebidos pelos investidores. Na época, as ações da empresa chegaram a subir mais de 20% na bolsa. No dia seguinte, em conferência, Sérgio Rial explicou que os balanços de vários anos terão de ser revistos e que a empresa precisará de uma capitalização.
“A primeira grande conclusão é que não estamos falando de um número que está fora do balanço. Só que ele não está registrado de forma apropriada ao longo dos últimos anos. (…) A empresa segue vendendo, ela é absolutamente viável. Tem um nível de dívida incompatível para que possa prosseguir, portanto, a capitalização tem que ocorrer. E os acionistas de referência permanecem comprometidos com o futuro da companhia”, disse no dia.
12/01: Impacto no mercado
Um dia após a revelação, as principais instituições financeiras colocaram as ações da Americanas (AMER3) sob revisão. Em um relatório, a Genial Investimentos, por exemplo, passou de recomendação de compra para venda e reduziu o preço-alvo de R$ 28,40 para R$ 9,40.
A Bolsa do Brasil (B3) colocou os papéis ordinários da Americanas em leilão. Mesmo assim, o tombo no dia após o anúncio chegou a 77,33%.
Importante explicar que o leilão é um mecanismo acionado automaticamente e protege os investidores de variações atípicas nos preços de um ativo. Através dele, as ações passam ser negociados em um sistema fechado e a Bolsa do Brasil passa a registrar as ofertas de compra e venda. Os negócios, então, só são efetuados com investidores dispostos a negociar no mesmo patamar de preços.
13/01: Dívidas podem chegar a R$ 40 bilhões
Na última sexta-feira, o juiz Paulo Estefan da 4ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro atendeu a um pedido da Americanas de Tutela de Urgência por 30 dias. Esse mecanismo impede que, durante esse período, os credores da companhia venham a cobrar suas dívidas e atingir o patrimônio da empresa. Isso dá fôlego para que, se necessário, a Americanas formule um pedido de recuperação judicial.
No documento, a companhia afirma que a correção das inconsistências contábeis, com valor estimado de R$ 20 bilhões, vai levar à revisão dos resultados financeiros de anos anteriores.
E que essa correção vai impactar no descumprimento de contratos e ao vencimento antecipado e imediato de dívidas que, segundo o documento, pode chegar a R$ 40 bilhões.
A medida deferida pelo TJ-RJ pede ainda que qualquer valor recebido pelos credores por causa desse assunto seja devolvido à empresa. Essa é a principal crítica do BTG que entrou com a ação, como acompanhamos anteriormente. Caso houvesse esses vencimentos antecipados, a companhia quebraria.
O economista e sócio da BRA BS, explica que diante desse rombo todos os instrumentos para saná-los devem ser utilizados pela empresa. Dentre eles passam opções como aporte adicional dos sócios controladores, renegociação de taxas e prazos com os credores e até a venda de ativos saudáveis como o ‘Hortifruti’ e o ‘Natural da Terra’.
“Outros grupos varejistas relevantes podem ainda ter interesse na Americanas. O mercado ainda não tem nenhuma dessas informações que devem ser divulgadas a partir do comitê independente de recuperação da empresa, explica Beto Saadia.
14/01 e 15/01: Pedido de suspensão de dívidas
No fim de semana, o banco BTG Pactual entrou na Justiça com o pedido de suspensão da execução de dívidas por 30 dias – medida que abriu caminho para um pedido de recuperação judicial da Americanas. O pedido havia sido negado.
A decisão do BTG veio também após a Justiça obrigar o banco a estornar à varejista R$ 1,2 bilhão. Segundo a decisão, os vencimentos antecipados já declarados e compensações já realizadas a partir do dia 11 – quando saiu o comunicado sobre as inconsistências financeiras – fossem desfeitos.
Em nota, a Americanas informou que a medida cautelar que suspende a cobrança de dívidas “visa somente a sustentação jurídica necessária” para que a empresa e os credores tentem “chegar a um possível acordo”.
“A Americanas reitera a importância da manutenção da liminar, apesar da tentativa de suspensão, o que poderia gerar assimetria entre os seus credores, inclusive bancos, e não ajudaria no processo. (…) Dado o seu peso social em todo o Brasil, gerando mais de 100 mil empregos diretos e indiretos”, afirmou.
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16/01: BTG x Americanas
No dia, a Justiça ficou de apreciar o recurso apresentado pelo BTG Pactual ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) ainda não foi reconhecido, uma vez que o desembargador Luiz Roldão de Freitas Gomes Filho entendeu que, apesar do pedido de urgência, o caso não se enquadra nas decisões de um plantão judicial.
A expectativa no mercado de que outros grandes bancos também recorram à Justiça. No pedido, o BTG define o rombo na Americanas como “fraude confessada” e fala da capacidade de pagamento.
“Num processo de recuperação ordinário, os insucessos corriqueiros de uma atividade empresarial podem ser compartilhados numa barganha coletiva entre empresário-devedor e credores (…). Já numa crise de insolvência de uma empresa que tem fraude contábil em seu modelo de negócio, não há função social subjacente que se possa preservar”. (…) Fraude contábil não é função social legítima, merecedora de proteção da lei, mas ato que deve ser punido severamente, com suas potenciais consequências criminais”.
17/01: nova CFO
Uma semana após a renúncia de Rial, o conselho da companhia elegeu Camille Loyo Faria como a nova diretora financeira, no lugar de André Covre.
A executiva ocupava a mesma cadeira na empresa de telecomunicações TIM e, anteriormente, na Oi, de novembro de 2019 até agosto de 2021. Ela tem, portanto, experiência em processos de recuperação judicial e fez carreira em bancos de investimento como o Bank of America, Bradesco BBI e Morgan Stanley.
No mesmo dia a agência de riscos Fitch cortou mais uma vez a nota de crédito da empresa, de CC para C, a nota mais baixa da agência, que significa um risco “excepcionalmente alto” da empresa de não cumprir com pagamentos.
18/01: BTG x Americanas
O pedido de recuperação da companhia feito dez dias após do primeiro anúncio ao mercado acontece um dia após o BTG Pactual conseguir uma liminar na Justiça para o bloqueio de R$ 1,2 bilhão em aplicações da Americanas no banco, como garantia de pagamento antecipado de dívidas.
A medida concedida pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) abriu um precedente para outros credores.
Para o economista e sócio da BRA BS, Beto Saadia, a empresa já havia entrado na modalidade de recuperação judicial naquela data.
“Esse procedimento permite a empresa renegociar dívidas com todos os credores de forma equânime, evitando que a empresa quebre. Os bancos credores tentam descaracterizar juridicamente a condição de recuperação judicial de diversas formas para acionar, cada uma, suas garantias que foram mantidas pelas Americanas em custódia da próprias”, explica.
E agora, investidores, o que fazer?
Diante de tantas informações e notícias, muitos investidores se perguntam: o que fazer? O sócio da BRA BS diz que agora é quase impossível se proteger de um evento já ocorrido, mas que algumas incertezas começam a ser remediadas como, por exemplo, o risco de que outras empresas pudessem se utilizar da mesma ‘contabilidade criativa’.
“Hoje, o comprador e acionista da Americanas não tem mais algo que se pareça com uma ação convencional, variando conforme expectativa de lucros futuros. Ele deve enxergar suas ações como uma espécie de bilhete que pode conferir algum retorno se o imbróglio jurídico se desenrolar favoravelmente. Estamos no início de uma novela, com muitas temporadas, que pode envolver inclusive varas criminais – por conta de má fé na contabilidade e Insider trading”, conclui Beto Saadia.
Nesta quinta-feira, 19, a B3 anunciou que as ações da Americanas (AMER3) não faram mais parte de nenhum índice da bolsa de valores brasileira a partir do fim do pregão do dia 20 de janeiro. A medida acontece após a companhia entrar com pedido de recuperação judicial, alegando dívida de R$ 43 bilhões.
O procedimento é padrão de listagens que entram em título de “Recuperação Judicial”, já que na metodologia da B3, companhias em em tal situação não são elegíveis para fazer parte de nenhum índice, sendo excluídas ao final do dia seguinte ao ato. Assim, o papel da Americanas (AMER3) será excluído dos índices: IBOV, IGCX, ICO2, ICON, IBXX, IGCT, IGNM, IBRA, IVBX, ISEE, ITAG, SMLL, IBXL e GPTW.