Entenda por que o dólar caiu mais de 10% no ano e segue abaixo dos R$ 5
B3 Bora Investir também explica os motivos da cotação oscilar, o que leva o dólar turismo ser mais caro que o comercial, os impactos na inflação e as expectativas para o câmbio
“A cotação do dólar subiu”. “O real se valorizou frente à moeda americana”. “O dólar mais baixo vai ajudar a segurar a inflação”. “É sempre importante ter ativos em moeda americana”. “Câmbio turismo ainda segue pressionado”.
Quem nunca se deparou com uma ou mais frases sobre a cotação da moeda americana nos jornais e sites de todo o Brasil? O dólar faz parte do nosso dia a dia, seja no impacto na inflação, nos investimentos, nas viagens de férias ou nas compras de produtos eletrônicos.
Desde o início de 2023 a moeda americana já acumula queda de 11,2%. O dólar começou o ano cotado a R$ 5,36 até que ficou abaixo do patamar dos cinco reais no dia 12 de abril, quando bateu R$ 4,91. Depois a cotação chegou a voltar acima dos cinco, mas caiu forte novamente e agora vale R$ 4,76 (fechamento 26/06), o menor patamar em mais de um ano.
Por trás do desempenho positivo do real frente ao dólar há diversos fatores internos e externos. Entenda abaixo os quatro pontos principais.
1. Inflação em desaceleração e corte de juros no radar
O dólar vem mostrando fraqueza contra o real diante da perspectiva de início dos cortes na taxa básica de juros, a Selic. Hoje em 13,75% ao ano, o mercado espera um início de afrouxamento monetário a partir de agosto.
O movimento já aparece no boletim Focus do Banco Central, que espera a Selic em 12,5% no fim deste ano. O head de câmbio da HCI Invest e planejador Financeiro, Anilson Moretti, explica que essa melhora nas projeções para os juros, e o consequente impacto no câmbio, só foram possíveis por conta da perda de ritmo da inflação.
“O Brasil já estava preparado para esse real valorizado. A alta dos juros e o controle da inflação desde o ano passado foram essenciais para esse cenário.”
Faz seis semanas que as expectativas de inflação perdem força. Soma-se a esse cenário o IPCA de maio, que ficou em 0,23%, menor que a projeção do mercado. Em 12 meses, os preços desaceleraram para 3,94%, abaixo do teto da meta perseguida pelo BC.
Com essa perspectiva de inflação controlada e queda dos juros, o investidor brasileiro passou a procurar ativos de maior risco (ações e outros de renda variável) como formas de trazer mais rentabilidade aos seus investimentos.
Essa melhora favorece a avaliação das empresas da bolsa, o que ajuda a atrair mais investimentos estrangeiros ao mercado. Com a entrada de mais dólares, a cotação da moeda americana cai.
No primeiro trimestre, a entrada da moeda americana no país (fluxo cambial) registrou saldo positivo de US$ 12,5 bilhões, o maior para o período desde 2012, segundo o Banco Central.
A economista-chefe da Veedha Investimentos, Camila Abdelmalack, explica que a visão mais otimista para a economia brasileira também ajuda na atração de investimentos. Segundo ela, isso se soma ao cenário de que, mesmo com um iminente início de corte dos juros, o Brasil ainda vai continuar com a Selic muito alta.
“Uma estrutura econômica melhor é mais favorável para o fluxo de capital estrangeiro. E o Brasil tem atraído dólares tanto para infraestrutura quanto para o mercado de capitais. Os investidores passaram a olhar o país como uma futura potência de investimentos”.
+ Stock picking: 4 passos para escolher ações
2. Economia mais forte
Essa economia mais forte ficou evidente com o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) no 1º trimestre que avançou 1,9%, puxado pela agropecuária. A safra recorde de grãos ajuda na entrada de dólares no país por conta da exportação, o que impacta na queda da cotação da moeda americana.
“A gente teve um primeiro semestre com um fluxo comercial bem importante para o Brasil por conta dessa supersafra. Essa internalização de recursos de exportadores também foi muito importante para explicar esse movimento de recuperação do real em relação ao dólar. É óbvio que também tem um fluxo de investimentos na bolsa”, explica Camila.
Um outro fator foi o reconhecimento por organismos internacionais da melhora na atividade econômica brasileira. Na semana passada, a agência de risco S&P elevou a perspectiva de rating do Brasil de “estável” para “positiva”, fato que impulsionou o otimismo na bolsa e no câmbio.
O dólar mais baixo também fortalece a economia nacional. “Ao invés de exportar, as empresas passam a preferir vender o produto no mercado nacional. Isso faz com que o PIB do país aumente, dando incentivos ao crédito”.
A queda ainda contribui com a desaceleração da inflação. “Muitos produtos no Brasil ainda são importados, como eletrônicos, peças e acessórios e equipamentos industriais. A queda na moeda americana traz um incentivo para as empresas importarem mais e, com o tempo, os índices de inflação podem mostrar uma perda no ritmo dos preços”, conclui Anilson Moretti.
3. Novo arcabouço fiscal e o dólar
A melhora na percepção de risco país também ajuda na entrada de investimentos no Brasil. Por isso, o novo arcabouço fiscal, aprovado pela Câmara em primeira votação e no Senado, também tem contribuído para a melhora da atividade econômica. Isso acontece porque o mercado financeiro usa as contas públicas como termômetro para decidir os seus investimentos.
Apesar do país ainda registrar grandes déficits fiscais (despesas maiores que receitas), a nova âncora fiscal traz sinais de maior certeza sobre a estabilidade das políticas fiscal e monetária do país, o que tira pressão sobre o dólar.
A maior preocupação com a estabilidade dos gastos também incentiva as empresas do Brasil e do mundo a investirem capital no país.
+ Como investir no dólar pela bolsa de valores?
4. Cenário externo e o impacto na moeda americana
Em 2022, o dólar sofreu uma forte valorização em todo o mundo diante da elevação dos juros nos Estados Unidos. Esse cenário levou os investidores a colocar dinheiro nos Treasures, títulos da dívida americana, considerado os mais seguros do mundo.
No segundo trimestre de 2023, a expectativa dos analistas mudou, mesmo quando a economia dos Estados Unidos continuou mostrando resiliência. Passou-se a precificar a perspectiva de que o Federal Reserve, o banco central americano, interrompa o ciclo de alta de juros, o que se confirmou nas últimas semanas.
Esse movimento trouxe um maior apetite de risco para mercados emergentes como o Brasil, o que ajuda na queda da moeda americana.
“A gente sabe que vai haver alguns ajustes residuais de juros nos Estados Unidos. No entanto há um debate sobre se haverá uma recessão econômica. Se isso acontecer, provavelmente inicia-se o corte de juros”, conclui a economista-chefe da Veedha Investimentos.
Importante também pontuar que, enquanto os juros americanos estão na faixa entre 5% e 5,25% ao ano, no Brasil a Selic bate os 13,75% ao ano. “Esse diferencial de juros fornece para o investidor estrangeiro uma gordura relevante, o que explica grande parte dessa recuperação do câmbio”, conclui Abdelmalack.
Outro fator que ajuda na valorização do real é a reabertura da economia da China, que beneficia principalmente exportadores de commodities, como o Brasil.
Dólar Turismo x Comercial
As notícias de queda na cotação do dólar têm animado os viajantes de plantão que estão planejando férias e precisam comprar moeda. O problema é que quando chegamos nas casas de câmbio nos deparamos com o dólar turismo, que é mais caro.
Isso acontece porque as pessoas físicas compram bem menos dólares que grandes empresas e instituições financeiras, o que deixa o custo operacional muito maior.
“Além dos custos envolvidos com logística, lojas físicas (casas de câmbio) e mão de obra, existe o IOF [Imposto sobre Operações Financeiras] das operações em espécie que é de 1,1%. Todos esses valores estão incluídos na taxa de câmbio turismo, que hoje é vendido, em média, por R$ 5,01 com IOF”, explica o head de câmbio da HCI Invest.
“Para quem tem uma viagem planejada, agora é o momento propício para ir fracionando as compras e fazer um preço médio razoável”, conclui Camila da Veedha Investimentos.
O que esperar para o dólar no 2º semestre de 2023?
Os analistas acreditam que o dólar continue perdendo força no segundo semestre. Essa tendência será determinada pelo fluxo externo, puxado pela melhora nas perspectivas econômicas.
“Temos que controlar a inflação, ser atrativo para o capital estrangeiro na bolsa e reduzir o patamar atual de juros para o país entrar em uma política expansionista de crescimento do PIB e incentivo à produção e ao crédito. Se isso ocorrer, teremos a moeda americana ainda desvalorizada, chegando até a R$ 4,60”, acredita Moretti.
O especialista alerta, no entanto, que apesar do real estar se valorizando, a moeda americana historicamente tende a ser mais forte em um período mais longo de avaliação. “Por isso sempre recomendamos a diversificação dos investimentos”, conclui.