Como o teto do rotativo do cartão de crédito deve afetar as ações dos bancos e o seu bolso
Mudança que passou a valer em 03 de janeiro ainda divide opiniões entre os especialistas
Por Guilherme Naldis
A lei do teto do rotativo passou a valer em 03 de janeiro e seus impactos ainda não estão claros. Isso porque, do ponto de vista dos bancos e de suas ações na Bolsa de Valores, analistas discordam sobre os efeitos da medida.
De um lado, há quem diga que o setor financeiro sairá perdendo à medida que suas margens de lucro poderão ser achatadas. Do outro, há o argumento de que os balanços financeiros dos bancos ficarão intactos em razão das regras de faturamento destas instituições.
Como o rotativo funciona?
O crédito rotativo do cartão de crédito é ofertado ao cliente quando ele não paga o total da fatura até a data de vencimento. E aí, o valor se transforma em um empréstimo e passa a acumular juros enquanto não é quitado. Afinal, toda dívida tem um custo.
Esse é um crédito sem garantia e o banco não dispõe de muitas informações sobre o cliente; por isso, é mais arriscado para a instituição financeira, que cobra juros mais altos pelo serviço para compensar o risco. O custo médio do crédito rotativo no Brasil atingiu 455% ao ano em agosto de 2023, segundo o Banco Central (BCB).
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A taxa elevada também tem a ver com o nível de inadimplência desse tipo de operação, que está entre as mais altas dentre os produtos de crédito. Com quase metade das operações em atraso, a dinâmica do crédito rotativo é, então, marcada por um ciclo vicioso em que os altos juros alimentam a inadimplência e vice-versa.
“Essa linha de crédito é usada pelos bancos para custear o parcelado sem juros”, explica Júlia Aquino, analista da Rico. Esse tipo de pagamento é, atualmente, a principal fonte de receita para os emissores de cartões de crédito, e por isso o mercado acompanha de perto possíveis mudanças na modalidade, acrescenta.
Como os bancos devem ser afetados pela limitação do crédito rotativo?
Segundo a regulamentação do BCB, os bancos só podem reconhecer no balanço os encargos previstos como receita em seu resultado após 60 dias de atraso. Ou seja: ainda que o cliente atrase mais de 90 dias (30 dias do primeiro vencimento de fatura + 60 conforme a regra do BCB), o valor acumulado de juros não vai aparecer no lucro dos bancos.
“Para os bancos, que só podem reconhecer receita de juros a partir de 60 dias, o impacto do teto do rotativo é imaterial”, na avaliação da chefe de economia da Rico Investimentos, Rachel de Sá. “Portanto, não esperamos que a sanção impacte os lucros ou as ações dos bancos. Além disso, o tempo médio de permanência no rotativo é de cerca de 20 dias — abaixo dos 90 que usamos no exemplo. Portanto, resultaria em juros ainda mais distantes do novo teto”, conclui.
Já o analista da Moodys para o Brasil Alexandre Albuquerque afirma que a limitação da dívida do cartão de crédito é negativa para a rentabilidade futura dos bancos uma vez que restringirá o crescimento ou reduzirá os encargos de juros e a receita proveniente de tarifas das operações de cartão de crédito.
“O volume de transações será afetado negativamente pela redução do apetite por risco dos bancos em emitir cartões para novos clientes: particularmente, produtos de cartão de crédito oferecidos a clientes de baixa renda que representam um elevado nível de risco de crédito e aqueles mais propensos a financiar suas contas”, afirma.
Os bancos têm reduzido o apetite por risco de crédito para esse segmento de clientes, devido aos níveis ainda muito altos das taxas de juros e ao endividamento familiar recorde no Brasil, que atingiu 47,7% em setembro, justifica Albuquerque.
E nós, os clientes?
Segundo Juliana Regueira, head de contratos da VBD Advogados, os juros do rotativo no patamar de 431% ao ano, como o atingido em outubro de 2023, de fato dificultam o pagamento dos débitos pelo devedor, que vê sua dívida original ser multiplicada a cada mês. “Todavia, a mera limitação do teto de juros desconsidera a realidade nacional, em que o crédito é caro e de difícil acesso à maioria da população”, afirma.
Ela explica que o padrão de consumo nacional é, historicamente, pautado pela aquisição de bens de consumo por parcelamento, justificado por períodos de altíssimos índices de inflação e pelo baixo poder aquisitivo da média da população. “Não é exagero dizer que as lojas de varejo não vendem bens, vendem crédito”, opina.
Nesse cenário, o limite do teto de juros atualmente em vigor pode atingir um fim contrário ao pretendido, argumenta a especialista. “Sendo o crédito rotativo do cartão de crédito uma operação financeira sem garantia e com uma análise de crédito simplificada e massificada, ela é, por natureza, cara. Quando se restringe o teto a um valor que não necessariamente se baseia em um cálculo de alocação de riscos e expectativas, o resultado esperado é que a balança penda para um lado – que será a restrição da concessão de crédito”, estima.
Assim, com menos crédito disponível, os critérios de exigibilidade serão cada vez mais restritivos. Por isso, ela prevê a volta dos crediários à base de carnês e, também, dos cheques “pré-datados”.
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