China corta taxa básica de juros em meio a fracasso na retomada econômica do país
Gigante asiático enfrenta sérios problemas com incorporadoras imobiliárias, queda nas vendas, deflação e promessas de estímulos mais fortes à economia que nunca chegam
O mercado financeiro tem ficado cada vez mais tenso com o cenário econômico conturbado pelo qual tem passado a China, a segunda maior economia do planeta.
Desde a semana passada as notícias de problemas envolvendo diversas incorporadoras imobiliárias tem assustado os investidores e acendido o alerta para uma recuperação da economia do país que nunca chega.
Nesta segunda-feira, 21/08, o Banco Central da China (PBoC) reduziu a taxa básica de juros (LPR) de um ano em 0,10 pontos percentuais, de 3,55% para 3,45%. A baixa veio menor do que o esperado pelo mercado, que era de 0,15 p.p.
Já os juros para empréstimos de cinco anos foi mantido em 4,2%. Essa é a taxa mais usada como referência para hipotecas, importante fonte de recursos para os bancos chineses.
Essas duas decisões mostram os impasses enfrentados pelo governo da China. Por um lado, Pequim busca aumentar os empréstimos cortando as taxas de juros. Por outro, precisa preservar a estabilidade financeira, já que taxas de empréstimos mais baixas reduzem a receita e a lucratividade dos bancos.
Para os economistas do Goldman Sachs, o principal objetivo do menor corte de juros foi proteger as margens líquidas [porcentagem de lucro em relação às receitas] dos bancos.
“Dito isso, a confiança continua sendo a chave para uma recuperação econômica, e o corte decepcionante na LPR não ajudaria”, afirmaram, em nota.
O especialista da Valor Investimentos, Charo Alves, explica que a queda mais cautelosa dos juros pela China não é vista com bons olhos pelo mercado, que espera que o país estimule novamente o crescimento.
“A economia está bem fria, dado o lockdown que perdurou durante mais tempo do que no restante do mundo. A expectativa seria o BC injetar um crédito mais acessível para aquecer a atividade”.
Preocupações com as incorporadoras
Desde a semana passada, diversas notícias negativas têm impactado a economia da China e o mercado financeiro mundial. A preocupação vem com o risco de contágio da desaceleração do setor imobiliário no país.
Na quarta-feira, dia 16/08, a empresa de desenvolvimento imobiliário chinesa Country Garden deixou de pagar os juros de dois empréstimos, interrompendo a negociação de títulos de dívida.
A companhia é uma das 500 maiores do mundo, segundo a lista da Forbes, e tem dívidas de 1,15 trilhão de yuans (US$ 165 bilhões ou R$ 821 bilhões), de acordo com a agência Bloomberg.
Na quinta-feira, 17/08, a incorporadora chinesa mais endividada do mundo, a Evergrande, entrou com um pedido de proteção contra a falência nos Estados Unidos, processo semelhante à recuperação judicial no Brasil.
A empresa busca aprovação de um tribunal americano para reestruturar mais de US$ 19 bilhões em dívidas offshore de três de suas empresas. Elas têm sede em Hong Kong, Ilhas Virgens Britânicas e Ilhas Cayman.
“A questão da Evergrande pode prejudicar ainda mais, pelo seu tamanho e quantidade de dívida que carrega. Uma eventual quebra dessa companhia geraria um calote generalizado, e a recuperação judicial nos Estados Unidos é o indicativo”, explica Charo Alves.
A Evergrande foi a primeira companhia imobiliária chinesa a sofrer o efeito da crise no setor e provocou estresse no mercado de crédito no fim de 2021. A empresa já chegou a ser a empreiteira líder no mercado chinês.
No mesmo dia, a gestora de fortunas Zhongzhi atrasou um pagamento de título de dívida e assustou os investidores.
A empresa é uma importante administradora de ativos chinesa e gerencia 1 trilhão de iuans (US$ 137 bilhões). Segundo analistas, os efeitos de um possível calote poderia se espalhar pelo setor financeiro e desestabilizar a segunda maior economia do mundo.
Por que o setor imobiliário chinês está em crise?
O setor imobiliário da China representa um terço da economia do país, o que inclui a construção de casas, aluguel, serviços de corretagem, materiais de construção e até indústrias de produtos da linha branca, que abastecem as casas e apartamentos.
Com a desaceleração da economia, ainda reflexo da pandemia, as autoridades chinesas endureceram as condições de acesso ao crédito para empresas, a fim de reduzir o nível de endividamento do setor.
O esgotamento dessas fontes de financiamento, aumentou a dívidas das incorporadoras e passou a causar uma série de inadimplências. Isso impactou forte a confiança dos compradores e alertou os bancos para o impacto na lucratividade.
Economia da China em desaceleração
A semana passada também foi mais negativa para a economia chinesa, diante dos dados fracos da atividade no país.
A produção industrial aumentou 3,5% em maio deste ano em relação ao mesmo mês de 2022. O resultado representa uma desaceleração de 2,1 pontos do que o registrado em abril, quando o indicador subiu 5,6%.
No varejo, as vendas avançaram 12,7% em maio em termos interanuais, recuo na comparação com o crescimento de 18,4% em abril.
No início do mês, o índice de preços ao consumidor (CPI, sigla em inglês) teve deflação de 0,3% em julho em relação ao mesmo mês do ano anterior. Foi a primeira queda em mais de dois anos.
Já o índice que mede o custo de produtos na porta de fábrica (PPI) caiu 4,4% em relação a 2022, ante declínio de 5,4% em junho.
No mesmo mês, o total das exportações chinesas despencou 14,5% em relação ao ano anterior, o pior declínio desde fevereiro de 2020. As importações foram na mesma toada e afundaram 12,4%, segundo a administração alfandegária do país.
Nos dois casos, os números vieram bem piores que o esperado pelo mercado.
Impactos no Brasil
Os problemas no gigante asiático tem impacto na economia brasileira, diante da forte exportação de minério de ferro para o país. O preço da commodity, inclusive, é determinado pelo mercado chinês.
“O preço do minério impacta diretamente Vale, Gerdau, CSN e Usiminas. Então, toda vez que vem uma notícia negativa a gente sofre um pouquinho também. Acho que com a economia da China voltando a crescer o Brasil tende a ser tracionado e os ativos devem voltar a ter uma boa performance”, conclui o especialista da Valor Investimentos.
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