Falência do Silicon Valley Bank reacende fantasma da crise global de 2008
Ano foi marcado pela quebra do Lehman Brothers, do Washington Mutual e de uma crise que se alastrou pela economia real e foi o estopim de uma recessão mundial
A falência do Silicon Valley Bank (SVB), conhecido como o banco das startups, e que levou também a liquidação o Signature Bank – instituição voltada para criptomoedas – reacendeu na memória dos investidores a crise financeira de 2008 que começou nos Estados Unidos e se alastrou para o resto do mundo.
Crise global de 2008 nos EUA
No dia 15 de setembro de 2008, o gigante do mercado financeiro global – o banco americano de investimentos Lehman Brothers foi a falência, tragado por uma bolha imobiliária que começou no início do novo milênio e estourou em 2007. Antes de chegar nessa fatídico dia – que está na memória de muitos investidores, empresários, jornalistas e políticos – precisamos voltar um pouco no tempo.
Após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, o Federal Reserve (Fed) começou uma redução forçada dos juros americanos para estimular o crescimento da economia. As taxas passaram de 3,5% ao ano antes dos atentados para 1% ao ano entre 2003 e 2004. Com o crescimento do país a juros baixos, os bancos passam a conceder empréstimos imobiliários para clientes com pouca capacidade de pagamento – os chamados Subprime.
O incentivo das instituições americanas era tão grande, que muitas famílias começam a fazer hipotecas de diversas casas. A partir de 2004, com a economia mais estabilizada, o banco central americano elevou novamente os juros – que atingiram 5,25% em maio de 2006. O encarecimento das prestações dos financiamentos imobiliários, levou a disparada no calote das hipotecas.
É no início de 2007 que a crise no Subprime começa a estourar em todo o planeta. O problema do calote nos financiamentos, que poderia ser apenas uma questão local, se transformou numa bola de neve global. Isso aconteceu porque muitos bancos venderam a investidores locais e no exterior fundos lastreados nessas hipotecas, ou seja, investimentos que ofereciam um rendimento atrelado ao pagamento desses financiamentos habitacionais. Gerou-se assim um efeito cascata incontrolável.
+ Colapso do Silicon Valley Bank nos EUA é o maior desde a crise financeira de 2008
Repercussão ao redor do mundo
Para evitar uma crise bancária sem precedentes, vários governos ao redor do mundo, precisaram resgatar grandes instituições financeiras e coordenar a venda de outras. Na época, o mercado estimou que os empréstimos Subprime nos Estados Unidos chegaram a US$ 1,3 trilhão.
O primeiro banco a sofrer o baque da bolha imobiliária americana foi o Bear Stearns, em junho de 2007. Pouco depois foi a vez do BNP Paribas, da França. Inicia-se uma crise de confiança entre os bancos em todo o planeta, o que interrompe a troca de crédito entre as instituições e obriga os bancos centrais a injetar recursos no sistema bancário para evitar um completo colapso.
Chega 2008 e os problemas no mercado mundial persistem – com o fortalecimento da intervenção dos governos nos bancos. Em fevereiro, o governo do Reino Unido nacionaliza o Northern Rock – quinto maior banco do país. Em março, o JP Morgan Chase compra o Bear Stearns. Em setembro, o governo americano resgata duas empresas autorizadas por eles próprios a conceder empréstimos imobiliários: o Fannie Mae e a Freddie Mac.
A quebra do Lehman Brothers
15 de setembro de 2008, segunda-feira. Após um fim de semana tenso, o Lehman Brothers pede concordata e se torna o primeiro grande banco a quebrar por conta da crise financeira sem precedentes. Começa um novo capítulo da histórica econômica mundial moderna, que ficou conhecida como a Grande Recessão – nunca vista desde a Depressão de 1930.
As imagens do desespero de funcionários, correntistas e investidores chocam o mundo. Pelo lado financeiro, começa um efeito cascata de falências, resgates por governos e compras de bancos e empresas de seguro por outras instituições.
O Bank of America dá a largada ao adquirir, no mesmo dia, o Merrill Lynch por US$ 50 bilhões. A empresa americana de seguros e previdência, AIG, é resgatada pelo governo americano. A companhia tinha 30 milhões de segurados apenas nos EUA, atividades em 130 países e apólices para mais de 100 mil empresas e entidades.
A quebra do Washington Mutual
O pior mês para a economia moderna da história americana termina com o colapso do Washington Mutual (WaMu). A instituição era o maior banco de poupança e empréstimos do país na época – detinha cerca de US$ 309 bilhões em ativos quando enfrentava as perdas com empréstimos hipotecários e uma corrida dos seus correntistas para retirar o dinheiro com medo de insolvência.
O banco acabou fechado por agências reguladoras e vendido ao JP Morgan Chase. Até hoje, mesmo com a crise no Silicon Valley Bank, ainda é a maior falência de banco na história dos Estados Unidos.
Pacotes de emergência
Diante de toda a crise, governos do mundo inteiro – inclusive aqui no Brasil – passam a anunciar pacotes de emergência para socorrer bancos e tentar evitar um problema ainda maior no sistema econômico.
Nos Estados Unidos, o Congresso aprovou um pacote de US$ 700 bilhões para capitalizar instituições financeiras com a compra de ativos e até parte do capital das companhias – medida inédita na história do Tesouro americano.
No Brasil, o governo autoriza o Banco Central a comprar carteiras de créditos e bancos em dificuldades no país, além de liberar os bancos públicos a adquirir a participação em outras instituições sem a necessidade de licitação.
Na Europa, vários países também aprovam resgates como a Alemanha (500 bilhões de euros), França (350 bilhões de euros) e Espanha (100 bilhões de euros).
A crise se espalha
A partir de 2009, a crise que começou nas hipotecas dos Estados Unidos se espalha para empresas de outras atividades econômicas.
Em abril, a montadora Crysler recebeu um resgate do governo americano após pedir concordata. Em junho, a General Motors – maior fabricante de automóveis dos EUA durante 70 anos – pede falência ao não conseguir renegociar dívidas. Para evitar a perda de empregos, o governo americano investe US$ 50 bilhões na fabricante de veículos em troca de 60% da empresa.
As crises são diferentes
Os economistas da XP, Fernando Ferreira (estrategista-chefe e Head do Research) Jennie Li (estrategista de Ações) e Rebecca Nossig (analista de Estratégia de Ações) explicam que as comparações com 2008 são naturais, mas as similaridades, por enquanto, param por aí.
Segundo os especialistas, hoje os bancos americanos e globais têm uma regulação muito mais restritiva – aprovada após a crise de 2008. Isso tornou o sistema financeiro mais seguro com os níveis de capital regulatório maiores, os de alavancagem menores e regulações de empréstimos mais duras.
“Isso tudo ajudou a tornar o sistema muito mais seguro, mas ainda não à prova de falências, como vimos no caso desses dois bancos regionais americanos. (…) Em suma, não vemos uma crise sistêmica nos moldes e profundidade que vimos em 2008. Além disso, os reguladores e bancos centrais têm atuado muito mais rapidamente para conter o contágio”, conclui o time de analistas.
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