Crise de crédito no país deve se intensificar, diz Vivian Lee, gestora da Ibiuna
Ao Bora Investir, sócia, co-CIO e gestora da estratégia de crédito da Ibiuna Investimentos explica como o investidor deve navegar pelo crédito privado após os problemas ocorridos na Americanas e na Light
Por Marília Almeida
Quando a torneira de crédito dos bancos fecha, as empresas costumam recorrer a instrumentos como factoring, FIDCs ou ao mercado capitais que, neste caso, emitem títulos de dívidas, como debêntures. Foi o que aconteceu em 2021 e 2022. Neste período, a indústria de fundos de crédito recebeu fluxos de investimentos da ordem de R$ 370 bilhões. O capital gerou números recordes de emissões no período, tanto por novas empresas como por empresas que já eram recorrentes neste mercado.
Agora, o investidor não está mais colocando dinheiro nestes fundos, pelo contrário, explica Vivian Lee, sócia, co-CIO e gestora da estratégia de crédito da Ibiuna Investimentos. “Durante a pandemia a indústria de fundos chegou a captar R$ 36 bilhões de recursos em um mês: em março, registrou resgates de R$ 41 bilhões. Quando isso acontece os fundos com liquidez diária precisam ficar com menos caixa e um menor percentual de debêntures na carteira. Se quiser ficar com o mesmo nível de caixa, tem de vender suas debêntures a um preço mais baixo. Isso se reflete no valor da cota do fundo, que fica negativa”.
+ Afinal, qual é o risco do crédito privado?
Como consequência, muitos investidores se assustaram e resgataram suas aplicações desde janeiro. Até agora, o nível de resgates das aplicações, causado principalmente por conta dos problemas financeiros relatados pela Americanas e a Light ainda não estabilizou. Ambas as empresas têm R$ 8 bilhões em títulos no mercado e muitos deles estavam nas mãos de pessoas físicas. A Americanas registra ainda uma pulverização de títulos, como debêntures, CRIs e CRAs (emitidos pelo seu negócio de hortifruti).
Lee é formada em Administração de Empresas pela FGV, possui pós-graduação em banking pela Fundação Dom Cabral e mestrado em finanças pelo Insper. Entre 2013 e 2020, atuou como analista de research e cogestora de portfólio de fundos de crédito da gestora do Itaú, quando tinha R$ 220 bilhões sob gestão. Ao Bora Investir, ela explica os limites da crise do crédito. Acompanhe abaixo a entrevista:
Bora Investir – Estamos efetivamente em uma crise de crédito?
Vivian Lee – Sim. A última crise de crédito do país havia acontecido entre 2015 e 2016 e começou pelas empresas grandes. Depois, se estendeu por toda a economia até o país registrar uma queda de 3,5% do PIB.
Agora as empresas já estavam sofrendo muito por conta dos juros mais altos. Após a pandemia esse cenário se intensificou, pois diminuíram as linhas subsidiadas para pequenas e médias empresas. Além disso, o endividamento das famílias, que estava alto, começou a pesar no consumo.
Esse cenário difícil começou a se refletir na inadimplência. Quando apareceram problemas na Americanas, os bancos fecharam a torneira do crédito no momento seguinte. Passaram a rever o risco sacado de outras empresas e analisar quem são os fornecedores da varejista. Depois, irão verificar se voltam a dar crédito no mercado.
Bora Investir – Qual é a extensão desta crise de crédito brasileira? Vimos o caso fora da curva da Americanas, mas agora uma série de empresas buscam renegociar dívidas, como Light, Hermes Pardini, Marisa e CVC.
Vivian Lee – A crise atual deve se intensificar e também vai ter impacto em toda a economia como a anterior, incluindo pessoas físicas e pequenas e médias empresas. Isso acontecerá porque atinge o consumo: ninguém vai mais trocar geladeira ou gastar com supérfluos, por exemplo.
Os pedidos de recuperações judiciais e falências decretadas aumentou, mas quando olhamos um cenário mais longo, esse número não está no mesmo patamar da crise anterior, apesar de ter acelerado em 2023. Em janeiro e fevereiro de 2015 foram 87 falências decretadas e recuperações judiciais deferidas. No mesmo período de 2016 o número subiu para 207. Em janeiro e fevereiro, deste ano o número atingiu 139.
Empresas como Tok Stok, Marisa e o Grupo Petrópolis são grandes, mas os problemas financeiros que estão ocorrendo agora de forma mais pulverizada, com nomes menores. O impacto no mercado de títulos de dívida também é menor. Nenhuma dessas empresas que citei, por exemplo, tinham debêntures emitidas no mercado quando seus problemas apareceram.
Bora Investir – A emissão de títulos de dívida já caiu bastante. Quando deve voltar?
Vivian Lee – Acredito que algumas empresas vão continuar emitindo títulos de dívida no mercado. São companhias boas, resilientes e que independem do cenário de crescimento do PIB e do endividamento das famílias. Elas pertencem a setores mais defensivos, como os de energia e saneamento básico.
Já no caso de outras empresas, pertencentes a setores com relação aos quais os investidores têm mais ressalvas, será difícil emitir dívida no curto prazo. As que já têm um caminhão de dívida que vencem neste ano são as mais vulneráveis, pois terão de rolar esses débitos. Caso contrário, terão de pedir recuperação judicial. Essas companhias estão com um grande problema nas mãos.
Em 2017 o mercado emitiu R$ 80 bilhões por ano em debêntures. Em 2022 esse valor subiu para R$ 250 bilhões. Neste ano certamente as emissões não chegarão a R$ 250 bilhões: iremos ver um cenário similar ao de 2017 ou até um pouco pior.
Bora Investir – Nos últimos dias vimos empresas revisarem os prazos de suas debêntures e até optarem pelo resgate antecipado. Como o investidor deve olhar para este mercado agora?
Vivian Lee – Quem já está em fundos de crédito e quer sair agora irá apenas cristalizar as perdas, e não terá ganho de capital quando houver a reversão desses spreads. O mercado de crédito é cíclico e tende a se recuperar.
Existem, de fato, nomes com maiores problemas financeiros. Mas a grande maioria das empresas que acessam o mercado de capitais e emitem títulos de dívida estão razoavelmente saudáveis e com alavancagem de até 2,5x o seu patrimônio.
Com a piora na concessão de crédito pelos bancos continuaremos a ver notícias de médias empresas com problemas. Mas elas não acessam o mercado de capitais. Portanto, o investidor terá de aprender a filtrar essas informações.
Quem tem títulos de dívida na carteira, fora dos fundos, terá de monitorar a atualização de ratings de crédito dada pelas agências e acompanhar os balanços financeiros das companhias. Dessa forma, poderá verificar se há a possibilidade de a empresa não cumprir com as suas obrigações. É um momento difícil para comprar títulos de dívida de forma direta.
Bora Investir – Tivemos efetivamente calotes de crédito no mercado? O que pode parar esta crise?
Vivian Lee – A S&P categorizou as debêntures emitidas pela CVC como D. Ou seja, é uma reestruturação equivalente a um default, assim como a da Americanas e da Light.
Na crise anterior de crédito tivemos calotes da Oi, Odebrecht, toda a cadeia de óleo e gás, além de construtoras, como a OAS, e o Grupo X. Apenas fazia muito tempo que eles não aconteciam.
Não há como parar este processo. Os bancos já sinalizaram que haverá uma seleção natural de crédito. Ou seja, empresas que não conseguirem rolar a dívida terão necessariamente de pedir recuperação judicial.
Bora Investir – Qual é a visão da Ibiuna sobre o cenário macroeconômico e como ele deve auxiliar ou prejudicar o mercado de crédito?
Vivian Lee – Apesar do auê criado para que o Banco Central baixe a Selic é necessário lembrar que o mandato do BC está relacionado à meta da inflação, e não à atividade econômica.
Portanto, se os dados de inflação continuarem pressionados, não há por que cortar os juros. Se o BC antecipar um corte de juros, pode ter de aumentar ainda mais a taxa depois.
Achamos possível que haja uma queda nos juros neste ano, mas não neste segundo trimestre. Portanto, ainda veremos balanços financeiros pressionados durante alguns meses.
Bora Investir – Qual é a sua visão para o cenário internacional?
Vivian Lee – Assim como no Brasil, existem poucas emissões de crédito lá fora agora. Isso acontece por conta de uma maior volatilidade. Há incertezas após a crise dos bancos americanos. Além disso, um cenário de eventual recessão nos EUA torna os investidores avessos ao risco.
Todo mundo está acompanhando a alta de juros promovida pelo Fed. Enquanto não houver clareza de que o ciclo de alta acabou, fica difícil emitir dívida. Como emissões offshore são pré-fixadas, o spread tem de acompanhá-las. Se a empresa emitiu a 4% e os títulos públicos americanos de 10 anos estão pagando 3,45%, é necessário ajustar o preço do papel para que o retorno seja equivalente ao spread que ela tinha antes.
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