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Renda fixa: Marília Fontes explica como se proteger da crise de crédito e montar a reserva de emergência

Para a sócia da casa de análises Nord, títulos do Tesouro Nacional e do Tesouro americano devem entrar no foco do investidor na renda fixa agora

Marília Fontes, sócia da Nord. Foto: Nord/Divulgação
Marília Fontes, sócia da Nord: preferência por títulos pós-fixados e do Tesouro agora. Foto: Nord/Divulgação

Ninguém duvida que a renda fixa continue a ser o investimento do ano. Mas é necessário navegar agora com mais cuidado por essa classe de ativos. Afinal, não estamos apenas diante de uma ameaça de crise bancária global, mas também de uma crise de crédito mais ampla, que acaba afetando títulos de bancos e também empresas, como CDBs, debêntures, LCIs, LCAs, CRIs e CRAs.

Consequentemente, Marília Fontes, sócia da casa de análises Nord e autora do livro “Renda fixa não é fixa”, vem sendo mais conservadora em suas recomendações. Para ela, títulos do Tesouro Nacional e tesouro americano devem entrar definitivamente no foco do investidor em um cenário de turbulências como o atual. Contudo, títulos privados podem gerar oportunidades em um potencial ciclo de queda de juros: basta fazer a análise correta sobre cada um deles.

Em entrevista ao Bora Investir, Fontes também fala sobre a reserva de emergência e aponta entre as alternativas para montá-la o ETF do Tesouro Selic e CDBs de liquidez diária de grandes bancos. Acompanhe abaixo a entrevista:

Bora Investir – A renda fixa continuará a ser o investimento do ano. Mas ponderando que estamos diante de uma crise de crédito, de que forma os investidores devem passar a olhar para esta modalidade de investimento?

Marília Fontes – Você tem dois riscos na renda fixa: um é a marcação a mercado, que afeta os prefixados e títulos IPCA+ quando há aumento das taxas de juros, o que aconteceu recentemente. Outra coisa é o risco de crédito. Quando tem qualquer um desses efeitos, os títulos de renda fixa podem causar prejuízos.

O que vimos recentemente, em casos como os das financeiras Portocred e BRK, além das Lojas Americanas, foi o impacto do risco de crédito. Neste caso o investidor deixa de receber o principal da sua aplicação: ou tem a garantia do FGC, ou não tem para onde ir. Como é o caso da Lojas Americanas, no qual ele tem de ir até a Justiça.

Tinha muita gente investindo em fundos DI achando que investiam apenas em Tesouro Direto e não corriam risco de crédito. Mas esses fundos podem ter até 40% de sua carteira alocada em fundos de crédito. Alguns sofreram.

Bora Investir – O que o investidor que investiu em uma empresa que teve problemas ou em fundos que investiram em seus títulos deve fazer agora?

Marília Fontes – Depende. Se você investiu em Lojas Americanas tanto faz retirar ou não: a empresa deu default (entrou em recuperação judicial) e pode demorar para se recuperar, se ela se recuperar. Já se o investidor investiu em um fundo, é preciso entender o que ele tem na carteira dele para analisar se vai se recuperar ou não.

Muitos fundos de crédito que tinham bons ativos foram alvos de saques. Consequentemente, o valor de suas cotas se depreciaram porque tiveram de liquidar títulos a preços ruins. Esses se recuperam depois.

Mas no caso de fundos concentrados em Lojas Americanas, é melhor sacar o dinheiro, pois dificilmente irão se recuperar.

Bora Investir – Você apontou que o investidor que pesquisasse conseguiria ver que as financeiras que quebraram no país já estavam em maus lençóis há tempos. Como fazer uma análise de crédito e se proteger de eventuais recuperações judiciais ou falências?

Marília Fontes – A análise de crédito é complicada. Você tem de analisar o balanço da empresa, verificar se ela gera retorno consistente, e se é alavancada ou não é. Não tem como ser algo muito simples.

E não basta olhar se o título tem garantia do FGC (Fundo Garantidor de Crédito) ou não. O FGC também tem risco de crédito porque é uma seguradora. Se muitos bancos quebrarem ele pode ter problema de crédito também.

Mesmo que ele seja uma garantia a mais, é importante fazer a análise de crédito para não precisar dos recursos do fundo. É a pior hora para contar com o FGC: você pode ter problemas. Se investe em um banco que não é seguro, restará torcer para que não haja uma crise sistêmica.

Bora Investir – Neste cenário no qual há uma ameaça de crise bancária global, como é possível proteger os investimentos? Qual é a sua visão para a renda fixa local e lá fora?

Marília Fontes – No Brasil existem bons títulos para o momentos atual, no qual o governo pressiona juros mais baixo e aumenta o risco da inflação. Um deles é o Tesouro IPCA+, que protege contra a inflação em cenário no qual os juros não vão subir muito.

Nos Estados Unidos, se houver inflação, os juros podem subir mais, pois não há tanta pressão do governo. Mas no curto prazo há uma pressão do mercado financeiro por conta de um potencial risco sistêmico.

Nos Estados Unidos eu daria preferência a títulos pós-fixados. No pós-fixado, se houver mais inflação, e o governo subir mais os juros, a inflação não come o rendimento e o título não sofre a marcação a mercado que sofreria o prefixado. Mas títulos pós-fixados são raros de encontrar por lá. Portanto, a alternativa a eles seriam os títulos do Tesouro americano.

Por aqui eu dou preferência para os títulos Tesouro IPCA+. Debêntures, CRIs e CRAs estão sem demanda. Assim que o mercado normalizar serão uma oportunidade ou estarão alavancados e por um preço pior. Por isso é necessário entender e analisar cada um.

Bora Investir – Quais são as expectativas para a inflação e os juros no país?

Marília Fontes – Os últimos dados da inflação brasileira mostram que há uma aceleração dos núcleos e alta de preços no setor de serviços, o que também aconteceu nos Estados Unidos. Portanto, ainda há uma inflação preocupante nos dois países. Os núcleos são índices menos voláteis e mais suscetíveis à ação da política econômica. Se os núcleos não caem significa que a política econômica não está sendo eficiente.

O Copom não deve baixar os juros em um futuro próximo. Não há espaço para baixar e o Banco Central não deveria baixar. Mas com a pressão do governo não sei o que pode acontecer. O arcabouço fiscal pode trazer credibilidade e o BC pode começar a pensar na redução da taxa. E se a expectativa se volta para a meta da inflação, abre espaço para um ciclo de queda.

Bora Investir – Para montar a reserva de emergência você também indica o ETF que segue um índice de títulos do Tesouro Selic, o LFTS11. CDBs também fazem sentido para esse propósito?

Marília Fontes – As quatro alternativas podem servir como reserva de emergência: títulos Tesouro Selic, fundo tesouro Selic simples (com taxa zero de administração), ETF de Tesouro Selic ou CDB de liquidez diária que renda 100% do CDI. Mas no caso de CDB ele precisa ser emitido por um banco grande e seguro.

Há alguma diferença entre um e outro, mas é muito baixa, menor do que uma casa decimal. Portanto, quase nula. A não ser que você invista por 30 anos: aí essas diferenças ficam maiores.

O título Tesouro Selic paga 0,20% de taxa, mas não tem come-cotas. A ausência de come-cotas em prazos mais longos faz com que ultrapasse os fundos Tesouro Selic simples.

No curtíssimo prazo, em menos de 6 meses, o melhor será a LFTS11, sobre o qual incide sempre a alíquota de 15% do Imposto de Renda. Já nos fundos Tesouro Selic Simples e no Tesouro Selic, paga-se 22,5% de IR, conforme a tabela regressiva. Contudo, em prazos mais longos será necessário pagar mais taxa de administração.

Você pode usar qualquer alternativa, que estará seguro. O mais importante é separar a reserva de emergência do resto dos seus investimentos.

O vencimento do título Tesouro Selic também influenciará muito pouco na conta, mas em tempos mais malucos a taxa que varia conforme a demanda poderá variar mais. Quanto mais longos os títulos, mais eles sofrem a marcação a mercado.

Portanto, como estamos diante de um mercado volátil, o investidor deve preferir sempre os vencimentos mais curtos. Atualmente, o vencimento mais curto do Tesouro Selic é o 2026.

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