Organizar as contas

Filho de peixe, peixinho é – inclusive nas finanças, diz Papai Financeiro

Em entrevista ao Bora Investir, o escritor e consultor financeiro da Rico, Thiago Godoy, explica como cultivar nas crianças uma boa relação com o dinheiro

Thiago Godoy, escritor e consultor financeiro da corretora Rico, conhecido como Papai Financeiro. Foto: Divulgação
Thiago Godoy, escritor e consultor financeiro da corretora Rico, conhecido como Papai Financeiro. Foto: Divulgação

O escritor e educador financeiro da corretora Rico, Thiago Godoy, conhecido como Papai Financeiro, acredita que o processo de reflexão acerca das finanças familiares deve ser constante. E, se os pais quiserem criar pessoas responsáveis financeiramente, a discussão sobre dinheiro também deve envolver as crianças.

Neste Dia dos Pais, o especialista contou ao Bora Investir como conciliar a paternidade e as finanças familiares, o passo a passo para educar financeiramente os filhos e, principalmente, o que fazer para cultivar uma boa relação com o dinheiro nos pequenos.

Veja abaixo a entrevista na íntegra!

Bora Investir – Como lidar bem com o dinheiro?

Thiago Godoy – Uma boa relação com o dinheiro começa quando encaramos a nossa vida financeira com o pé no chão. Isso consiste em entender, de fato, qual é a nossa renda, condição financeira atual, ambições para o futuro e questionar se estamos agindo de acordo com isso. Ou seja, se estamos tomando decisões adequadas à vida financeira atual e a que nós almejamos.

5 passos para melhorar sua relação com o dinheiro

O que a gente vê muito acontecer é isto: uma discrepância entre a realidade e uma situação almejada, sem que nada seja feito para que isso aconteça. O tempo acaba passando e a realidade fica desalinhada em relação às expectativas, o que gera frustração. 

Bora Investir – Como ensinar uma criança a ter uma boa relação com o dinheiro?

Thiago Godoy – Para a gente ensinar educação financeira, precisamos entender que as crianças vão replicar os nossos comportamentos. Independentemente da idade dela, ela vai olhar o que a gente tá fazendo e acreditar que aquilo ali é normal.

Então, se você não lida bem com o dinheiro como adulto – se você compra de forma compulsiva, se você se endivida, se você briga com seu marido ou a sua esposa por causa de dinheiro em casa – essa criança vai achar que isso é normal e que isso faz parte. Ela vai absorver isso como uma crença financeira.

Então, para a criança crescer de forma saudável com o dinheiro, ela precisa ter pais que vão se comportar de forma positiva. 

Quanto custa criar um filho até os 18 anos?

Agora, essa relação precisa ser leve. Para uma criança, quanto mais lúdico for o assunto, melhor vai ser para o desenvolvimento dela. Ela vai ver que comparar preço e pesquisar antes de comprar são coisas normais. Mas gastar mais do que se ganha é ruim. Que planejar as férias com antecedência vai ajudar a família a conquistar o objetivo. Para isso, é necessário colocar um limite na hora de gastar o dinheiro no mercado e usar a luz e água da casa.

Esse tipo de ensinamento constante e diário precisa ser muito claro para a criança. O erro financeiro acontece quando ela não entende a importância de lidar bem com os recursos não apenas financeiros, mas todos os outros. Jogar comida fora é péssimo! Desperdiçar energia elétrica é ruim! Não planejar as coisas para consumir é muito ruim. Esse tipo de coisa faz parte do dia a dia e a criança consegue entender quando isso vem pelo exemplo dentro de casa. 

Assim, a criança consegue ter mais consciência sobre o esforço e o resultado. Ela precisa entender que, sim, abrir mão de uma coisa que ela quer agora vai contribuir para algo que deseja no futuro. Fazer essa dinâmica da troca intertemporal é importante para:

  1. Se conhecer e entender quais são os desejos e as necessidades dela e da família 
  2. Ter mais auto responsabilidade no sentido de que as decisões que ela tomar vão impactar as coisas que ela quer, hoje e no futuro
  3. Ganhar mais autocontrole na hora de abrir mão do que ela quer no momento, sabendo que ela vai ter um benefício futuro

Essas são algumas habilidades que a gente ensina pra criança, sempre com muito carinho e acolhimento e de forma interessante.

Por exemplo: a levando para fazer compras no mercado. Muitos pais e mães têm resistência em levar o filho às compras porque ‘ele vai dar trabalho, vai querer levar tudo’. De fato, dá mais trabalho no começo. Depois, quando você faz certos acordos, como o de que há um limite máximo ou de que é preciso comparar preços na hora comprar a bolacha que ela gosta, ela vai entender a diferença que isso faz no orçamento da família.

Bora Investir – Qual a hora certa de falar sobre dinheiro com uma criança?

Thiago Godoy – O dinheiro é percebido pela criança desde muito cedo. Uma criança de dois ou três anos já sabe o que está acontecendo quando o pai e a mãe tiram o cartão para comprar alguma coisa. Ela entende a dinâmica: que estão usando um recurso para adquirir alguma coisa. Mas não entende que uma nota de R$ 100 vale mais que dez notas de R$ 5. Ela não entende a lógica matemática, mas que uma coisa compra a outra. 

Então, o que é importante de ensina para uma criança muito pequena é a dinâmica do esforço e resultado. O cartão de crédito não nasce nem cai do céu. É uma maneira de usar o dinheiro, que vem do trabalho. Isso pode ser dito desde sempre para uma criança. Mesmo que ela não fale, é possível explicar essas questões. 

Casais têm dificuldade para falar sobre ambições financeiras e isso gera disputa, diz Cerbasi

Depois dos cinco anos, ela começa a ter mais noção, e aí é possível dar a ela pequenas quantias em moedas, e incentivá-la a poupar. Com essa idade, você pode dar um cofrinho transparente, pois é legal para a criança ver o dinheirinho dela sendo guardado. Não precisa ser um valor alto: seja com uma moeda de 10 centavos ou de R$ 1 ela vai entender a capacidade de estoque do dinheiro. 

Esse processo vai evoluindo dia a dia à medida que ela vai sendo alfabetizada, entendendo os números e as operações matemáticas. São formas simples que vão fazê-la entender o mundo do dinheiro e do valor. E o mais importante: a criança precisa ter a consciência da troca intertemporal, que consiste em segurar os impulsos para adquirir algo melhor depois. 

Bora Investir – Quais são os maiores erros na educação financeira de uma criança? 

Thiago Godoy – O pai e a mãe podem não ter paciência nesse processo, ou não terem consciência de que a atitude deles com o dinheiro vai ser vista e gravada pela criança. Não adianta o casal querer que o filho tenha uma boa relação com o dinheiro se não estabelece esta relação como adultos. 

Um dos grandes erros é não adequar o ensinamento à idade da criança. Uma criança de cinco, seis, sete ou oito anos não vai entender o mercado financeiro. Antecipar a maturidade dela é um grande erro, como achar que vai conseguir ensinar o filho a investir em ações, a entender de coisas complexas para a idade dela. Não dá para querer que a criança amadureça antes do tempo. 

Uma criança pequena tem uma relação diferente com a vida financeira, pois não tem responsabilidades. Talvez um adolescente, de 15 ou 16 anos, que tenha interesse, entenda o mercado financeiro e os investimentos. Muitos adultos que trabalham no mercado financeiro ou gostam muito de finanças ficam tentando trazer esse universo muito cedo para a criança. Não é assim que funciona.

Dinheiro é uma consequência. A criança precisa primeiro entender sobre o mundo do trabalho, esforço e recompensa, paciência, sustentabilidade dos recursos, alimentação, reciclagem, não jogar comida fora. Tudo isso faz parte das questões éticas e morais da educação financeira. 

Não é só a escola a responsável pela educação dos seus filhos: a responsabilidade do pai e da mãe são determinantes. É preciso saber que vai dar trabalho, se envolver. É importante compartilhar as decisões com a criança para ela saber que existem escolhas e renúncias, saber dizer não para as coisas e entender os limites. Deixar a criança tomar uma decisão também para que ela erre é importante. Muitos pais não querem que a criança erre. Não! Tem que deixar a criança ver com os próprios olhos que aquilo é errado e a prejudicou. 

A educação financeira é para a criança errar. Ela vai errar, tem que deixar ela errar! Esse erro vai ser essencial na hora de fazer com que ela tenha sucesso na sua vida adulta.

Bora Investir – Como comunicar problemas financeiros para uma criança?

Thiago Godoy – A comunicação sobre as crises deve existir, sim, mas depende da idade. Não dá pra uma criança de seis anos entender as causas e o contexto de um aperto, mas ela consegue absorver que vão haver renúncias e mudanças temporárias de vidas por questões financeiras, que vão exigir da família um esforço conjunto. 

É importante ter muita clareza nessas mudanças. Uma criança pequena entende que ela vai ter que abrir mão de certas coisas. Ela não vai gostar, mas vai precisar compreender. Muitos pais tentam blindar seus filhos do universo financeiro porque acreditam que dinheiro não é assunto de criança. É óbvio que fazer dinheiro não é assunto de criança mesmo, mas tudo que envolve decisão financeira vai ter reflexos nas crianças e elas precisam entender o porquê. Senão, ela vai atribuir a mudança a outra coisa, que não é a questão real. Ela pode achar que é uma briga dos pais, que é por que ela fez uma coisa errada.

A partir dos 10 anos já dá para explicar tudo direitinho. Alguém perdeu o emprego? Aconteceu um imprevisto? Algo maior desestabilizou as contas? A criança vai conseguir entender e vai ter o compromisso de ajudar a tomar boas decisões. Quando temos essa transparência, primeiro ela vai sentir um baque. Mas, depois, ela vai amadurecer com esse assunto. O contrário é o que a gente vê por aí: uma família que blinda a criança e a deixa alienada do problema. Aí, ela age de forma imatura, e a culpa não é dela! Porque ela não sabe o que está acontecendo.

É claro que precisa ter uma linguagem acolhedora para não traumatizar. Mas a criança precisa entender que as questões financeiras são temporárias. 

Bora Investir – O assunto educação das crianças, tipicamente, é atribuído às mães, e não aos pais. Como é tocar o projeto do Papai Financeiro?

Thiago Godoy – Eu já trabalho com finanças há mais de dez anos e há muito tempo pesquiso a relação das pessoas endividadas com o dinheiro. Mas eu também sempre tive uma atenção especial para as famílias, e acredito que através delas vamos mudar as coisas. 

Quando o pai ou mãe não lidam bem com o dinheiro, não há um combinado entre as pessoas que vivem juntas, as chances de terem problemas é muito grande. A maior causa de divórcios é por problemas financeiros. Muitos casais se separaram não porque acabou o amor ou porque um traiu o outro. É porque não tem um alinhamento financeiro. Não é porque a pessoa está endividada. 

A falta de alinhamento financeiro leva ao estresse financeiro. O estresse financeiro leva à dívida e à queda na produtividade no trabalho, que aumenta a probabilidade de demissão. Perda financeira leva ao divórcio. Tudo isso é causado por causa da falta de comunicação sobre dinheiro nas famílias. Meu objetivo é que as famílias se comuniquem de forma positiva em relação ao dinheiro.

Apesar de falar de paternidade, a maior parte das minhas seguidoras são mulheres porque muitos homens são, de certa forma, patriarcalistas e machistas com o dinheiro das suas famílias e querem controlar tudo. Não deixam a mulher decidir: mesmo que a mulher trabalhe, o que é bem frequente, o marido acaba assumindo isso.

Se as decisões não forem tomadas em conjunto, vai existir um desalinhamento. “Ah, mas é o marido que trabalha e ganha dinheiro”. Ele trabalha numa profissão remunerada, e a mulher trabalha com a família. Se os dois trabalham, têm profissões e têm renda, qual é essa renda conjunta?

Esse trabalho precisa ser feito de forma constante. Não é uma vez ao ano. É como a higiene: nós escovamos os dentes três vezes ao dia e tomamos banho todos os dias. A gente precisa ter esse tipo de autocuidado com o dinheiro. 

Bora Investir – Que ensinamento pode ser trazido do mundo das finanças para a vida em família?

Thiago Godoy – Tem um ensinamento muito importante que a gente aprende no mercado financeiro e que a gente pode levar para o contexto da família que é o poder do longo prazo. A gente aprende isso com os juros compostos, na hora de falar sobre dinheiro. Eles são a rentabilidade dos nossos investimentos e vão se acumulando mês a mês, ano a ano. Essa visão deve ser conhecida pela família. 

Nenhuma mudança significativa acontece de um dia pro outro. Toda mudança positiva e estruturada acontece pouco a pouco. É como uma mudança de cultura: demora um tempo, tem que ter paciência e consistência, pensar a longo prazo. É uma mudança pequena hoje, uma outra amanhã e, daqui a um tempo, a gente estará em um outro patamar. 

A gente tem uma tendência a olhar tudo com imediatismo. O nosso cérebro é voltado para isso: a olhar benefícios de curto prazo. Mas a gente tem que olhar mais para a consistência, regularidade, firmeza em manter os combinados e compromissos de longo prazo, que vão nos levar aonde a gente tanto deseja.

Para saber ainda mais sobre investimentos e educação financeira, não deixe de visitar o Hub de Educação da B3.