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Selic: “Comparação com juros de outros países é absurda”, diz Maílson da Nóbrega

Em entrevista exclusiva ao Bora Investir, o ex-ministro Maílson da Nóbrega explica os juros altos, a autonomia do BC e sua opinião sobre a economia do país

O governo criou ruídos ao apontar que a taxa de juros básica, a Selic, deveria ser menor do que 13,75% ao ano, o seu nível atual. Essas declarações colocaram à prova a autonomia do Banco Central, e o presidente do órgão, Roberto Campos Neto, precisou ir a um programa de entrevistas para dar suas explicações.

Mas, afinal, por que os juros continuam altos no Brasil em um cenário que começa a gerar problemas financeiros para as empresas? Por que ela é muito mais alta do que a de outros países? A resposta não é simples e envolve diversos fatores, especialmente o cenário inflacionário lá fora.

Para responder a estas questões, o Bora Investir entrevistou Maílson da Nóbrega, economista e sócio fundador da Tendências Consultoria. Nóbrega acompanha a política monetária do país há mais de 40 anos: foi Ministro da Fazenda de 1988 a 1990, após fazer carreira no Banco do Brasil e no setor público. Como ministro, presidiu o Conselho Monetário e o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e integrou os conselhos do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista do ex-ministro concedida ao Bora Investir:

Bora Investir – Por que os juros continuam altos no país, mesmo ante um cenário no qual grandes empresas estão pedindo recuperação judicial, enquanto outras relatam dificuldades para renegociar dívidas?

Maílson da Nóbrega – Existe uma comparação absurda entre a taxa de juros do Brasil e a de outros países, especialmente os desenvolvidos. Estas comparações são inadequadas porque levam em conta realidades completamente diferentes.

Os Estados Unidos têm juros de 5% ao ano porque têm condições fiscais, institucionais e históricas que nós não temos. A dívida pública americana é, inequivocadamente, isenta de riscos. Não há caso de calote da dívida americana, enquanto no Brasil esse calote ocorreu diversas vezes.

No Brasil o risco fiscal é grave. Além disso a taxa estrutural de juros é bem menor nos Estados Unidos. Porque a potência da política monetária dos Estados Unidos é maior, já que ele pode cumprir metas de inflação com uma taxa de juros menor.

Desde o início dos anos 90 diversos países aderiram ao regime de metas para a inflação, e todos abandonaram as metas quantitativas de moeda. Porque as teorias econômicas evoluíram, as informações melhoraram e foi possível usar uma taxa básica de juros como politica monetária pelo efeito que ela tem no crédito e nas expectativas dos agentes econômicos.

Mas, no Brasil, cerca de metade do crédito não é influenciado pela Selic, como o crédito habitacional, o crédito rural e muitas operações do BNDES que ainda estão em vigor, que foram celebradas antes da criação da TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo).

Imagine que seja preciso bombear água para uma caixa d´água e existem dois canais para que isso ocorra. Se o canal estiver entupido, como é o caso do Brasil, que tem a questão do crédito direcionado, a potência da água precisa ser o dobro da de outros países sem esse problema. Por isso os juros no Brasil tem de ser mais alto do que em países os quais o crédito se sensibiliza à taxa de juros.

Bora Investir – Como a pressão do governo para baixar os juros influencia a atuação do BC?

Maílson da Nóbrega – Por quase todo os dois mandatos de Lula o BC operou com autonomia. Só houve uma vez em que o presidente quis demitir o Meirelles (ex-presidente do BC) porque ele não havia reduzido os juros como o queria. Chegou a ter até um nome para substituí-lo, o de Luiz Gonzaga Belluzzo. Por sorte, enquanto Lula não se decidia, o Brasil ganhou grau de investimento, e ele desistiu.

Mas agora o presidente acha que a taxa de juros é uma vergonha e que a independência do Banco Central é uma bobagem. No tempo dele o Meirelles decidia a taxa de juros sem consulta-lo. Portanto, tinha autonomia,

Tudo isso está afetando expectativas. Não é à toa que as projeções de meta da inflação da pesquisa Focus subiram por 10 semanas consecutivas, e os juros futuro também subiram. E tudo isso, por incrível que pareça, é um tiro no pé. Tudo o que Lula colheu até agora foi a piora da situação financeira do país.

Vamos esquecer a teoria conspiratória de que o BC age para beneficiar banqueiros. Os bancos são como supermercados: compram uma mercadoria e vende para outro. O banco toma dinheiro emprestado do investidor, seja empresas ou pessoas físicas, por meio de CDBs, e ganha um spread do outro lado.

Mas o spread é influenciado por várias coisas aqui. No Reino Unido os bancos recuperam mais de 80% do crédito em atraso. No Brasil, esse número é menos de 20%. Tem um custo maior do crédito no Brasil que em outros países, e isso irá influenciar na taxa de juros paga pelo consumidor, que serão mais altas aqui.

O Banco Central não trabalha para o sistema financeiro, mas para o país. Seu objetivo é assegurar dois elementos fundamentais para a economia: a estabilidade da moeda e do mercado financeiro. Sem essas duas coisas, não há desenvolvimento.

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Bora Investir – Como o sistema de meta de inflação interfere na Selic?

Maílson da Nóbrega – O governo quer agora rever a meta da inflação. Qual é a mensagem que emite? Que quer que juros caia. É uma forma de interferir indiretamente na política monetária. Pela experiência que o Brasil tem nesses 35 anos do regime de metas é que quando anuncia o aumento da meta, como ela já está consolidada nos agentes, os agentes se adaptam imediatamente à essa nova meta, e a economia rapidamente caminharia para ter uma inflação superior. Isso irá fazer com que a Selic real caia, e fazer com que o BC aumente a Selic ao invés de diminuir.

Dificilmente uma política pública, como a monetária, é tão monitorada no Brasil. O Banco Central adotou características para as metas de inflação usando os melhores exemplos do mundo. O regime de metas começou em 1998 no Brasil, sete anos depois que esse sistema foi criado no mundo. Portanto, já havia muita experiência acumulada.

O Banco Central divulga intensamente informações por meio de comunicado quando decide Selic e relatórios trimestrais de informações. Os modelos econométricos do Banco Central são conhecidos por economistas, que sabem como o BC toma decisões. O BC se reúne a cada relatório de inflação com economistas geradores de informação para o Boletim Focus, e discute o andamento da política monetária. Todo o processo é muito transparente e passível de crítica se começa a dar errado.

Temos três exemplos do que acontece quando há interferência do governo na Selic. A Dilma, em sua gestão, mandou o Tombini (ex-presidente do BC) baixar a Selic. O mercado reagiu instantaneamente: o aumento era justificável, e não a redução da Selic. Resultado: Dilma colheu mais inflação e juros: a Selic que estava em 7,25% quando o Tombini baixou foi para 14,25% quando a Dilma saiu: quase dobrou. O que colheu Dilma com essa loucura? Mais custo para a sociedade. Mais recentemente o governo interferiu na taxa de juros da Argentina e Turquia. Resultado: a inflação chegou a 100% na Argentina e a 60% na Turquia. Ou seja, só tiveram prejuízos.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está fazendo um esforço meritório, geralmente contrário à política do PT, para mostrar que a política econômica segue um curso responsável, que ele vai anunciar uma proposta de arcabouço fiscal crível. Mas esses dias o próprio ministro fez exigência para baixar os juros. Isso é algo inédito no Brasil e gera incertezas sobre se o governo vai interferir no Banco Central, propor a revogação da autonomia do órgão. Eu acompanho a política monetária há mais de 40 anos, e desde a criação de metas para a inflação a revisão é a primeira vez que isto ocorre.

Bora Investir -A inflação voltou a subir, atingindo o nível de 6% ao ano. Ela é gerada por um cenário global (a inflação está no nível de 8% na Europa e 6,4% nos EUA), e não por demanda local. Manter os juros elevado resolve o problema?

Maílson da Nóbrega – É verdade que o Banco Central não pode evitar os efeitos de choques de oferta, os aumentos de preços causados pela Guerra na Ucrânia e a Covid-19. Mas o Banco Central tem a missão de evitar os efeitos secundários desses choques de oferta. Uma mercadoria que chega ao país com preços elevados interfere nos valores de outras mercadorias, particularmente das matérias primas, peças e componentes. A taxa de juros elevada não mira apenas a demanda interna, mas sim o efeito que eventuais choques possam ter no Brasil, que ampliam a taxa interna de inflação.

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Bora Investir – O quanto o BC irá esperar pela redução de expectativas de preços sem estrangular a economia? Historicamente, os BCs contraem a atividade econômica até chegar a uma recessão?

Maílson da Nóbrega – Sim! Isso é uma realidade. Quando a inflação sobe, os Bancos Centrais exercem sua função para evitar que a inflação fuja ao controle e que volte para a meta. Mas isso tem uma consequência, que é a desaceleração atividade econômica. É um efeito colateral e inevitável.

Se alguém tem uma doença grave e precisa de tratamento, passará por exames, mudança de dieta, terá de tomar remédios e repousar. O que está em jogo é a saúde e manutenção da vida. Para preservar a vida o sacrifício faz parte do jogo. Quando gera desconforto, ele não deixa de fazer tudo isso, porque a consequência é a morte. Mesma coisa com os juros: se não fizer, virá o descontrole da inflação prejudica principalmente as camadas mais pobres da população, que não têm como se defender da alta de preços.

Bora Investir – O risco fiscal também influencia na manutenção ou não dos juros?

Maílson da Nóbrega –À medida em que a inflação sobe por conta do choque de oferta, ela aumenta a inércia inflacionária, processo em que agentes econômicos condicionam decisões de preços à inflação passada. Isso reduz a potência da política monetária. Há também as incertezas que o governo cria para si próprio, que impacta os juros futuro.

A minha aposta é que o BC irá resistir à pressão do Ministro da Fazenda e da Ministra do Planejamento porque há muito em jogo neste processo. O Roberto Campos Neto é o primeiro presidente do Banco Central independente. Vai depender dele a consolidação desse avanço constitucional. Se ceder, perderá completamente a credibilidade, e um presidente do Banco Central depende disso para coordenar expectativas. Se não tem credibilidade, não consegue exerce este papel.

É preciso evitar que aconteça com o Brasil o que ocorre na Argentina. O Banco Central da Argentina ganhou independência nos anos 90 e houve uma pressão forte para que mudasse a taxa de juros. O presidente no Banco Central, na época, chegou a ser impedido de dar expediente por sindicalistas apenas porque estava negociando com o FMI. No governo de Nestor Kirchner o presidente do Banco Central renunciou. A cada mudança de governo por lá o presidente do Banco Central renuncia. Na prática o BC da Argentina é um órgão de governo, não de estado. E não tem independência.

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