Retrospectiva 2022: juros, inflação e descontrole nos gastos marcam ano
Saída da pandemia ajudou na melhora da atividade econômica brasileira, mas descontrole fiscal na eleição e guerra na Ucrânia tumultuaram o ano
A economia brasileira termina 2022 como muitas pessoas começam o ano novo: de ressaca. Essa é a sensação depois de um período que a melhora da pandemia trouxe um alívio para a atividade, mas a disputa eleitoral causou um descontrole de gastos que afetou um país atordoado pela inflação e os juros elevados. A instabilidade também veio do exterior com a guerra na Ucrânia que começou no fim de fevereiro e parece que não tem data para terminar.
O B3 Bora Investir relembra e analisa os cinco principais fatos que marcaram a economia em 2022.
1. PIB volta ao ritmo
O fim das restrições de circulação por conta da pandemia, trouxe de volta o ritmo de crescimento da economia brasileira. Movimento esse que foi turbinado por estímulos concedidos pelo governo como antecipação do 13º salário, da aposentadoria, da pensão e a liberação dos saques do FGTS.
O dinheiro antecipado, no entanto, acabou no início do terceiro trimestre do ano e mesmo o Auxílio Brasil de R$ 600 não conseguiu manter o padrão de demanda. Resultado: o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro desacelerou entre julho e setembro. Apesar dessa perda de ritmo, os economistas consultados pelo boletim Focus do Banco Central esperam um crescimento do PIB em 2022 na ordem de 3%.
O economista-chefe da Valor Investimentos, Piter Carvalho, destaca o setor de serviços como motor da economia em 2022. Além do peso da agropecuária nas exportações brasileiras.
“O setor de serviços voltou a subir no final de 2021 e teve grande peso em 2022 – puxando o PIB do Brasil. E ele volta com mais força, principalmente, quando a gente deixa de usar as máscaras e abre o comércio. O agronegócio também tem um forte peso e vem trabalhando forte. Ele tem uma grande importância na nossa exportação, na balança comercial. Hoje é quase um quarto do PIB brasileiro”.
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Pelo lado da indústria, o economista acredita que a falta de investimentos tem afetado o setor que perdeu grandes companhias neste ano.
“A indústria tem peso pequeno, principalmente com o pouco investimento que o Brasil tem feito nos últimos anos. Nós perdemos grandes montadoras, por exemplo, a Ford que mudou a sua linha de produção para outros países da América Latina. A indústria automobilística tinha grande peso no Brasil e era geradora de empregos”, explica Piter Carvalho.
2. Desemprego em queda
A recuperação econômica, após a paralisação da pandemia, trouxe consigo a boa notícia da queda do desemprego, puxada pelo setor de serviços. A taxa caiu para 8,3% em outubro, atingindo o menor nível desde 2015, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Apesar da desaceleração, o país ainda tem 9 milhões de desempregados.
A economista chefe Latin América da Coface, Patrícia Krause, explica que a melhora do emprego, no entanto, foi marcada pela precarização do mercado de trabalho e pelo rendimento médio em patamares muito baixos.
“A gente teve uma surpresa positiva no ano no mercado de trabalho. Então vamos fechar 2022 com um número de vagas criadas acima do esperado, assim como a redução do desemprego. Porém, há esse ponto de atenção que é a qualidade do emprego com a alta informalidade e os ganhos inexpressivos em relação aos salários”.
O número de trabalhadores sem carteira bateu recorde: 13,4 milhões de pessoas. Já o rendimento médio atingiu R$ 2.754 – uma alta anual, mas ainda em patamares muito baixos.
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“As pessoas estão trabalhando, a economia está girando, mas ainda não resolve o problema. Principalmente quando a gente coloca na balança o número de empregos e de pessoas endividados. Tem mais de 70% de brasileiros hoje endividados, ou seja, as pessoas podem estar trabalhando, mas ainda não conseguem pagar todas as contas e precisam fazem dívidas. Então a gente tem um problema a se equilibrar”, completa o economista-chefe da Valor Investimentos.
3. Juros e Inflação
A inflação em doze meses, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, permaneceu entre janeiro e julho em dois dígitos – puxada principalmente pela alta dos combustíveis e dos alimentos. O primeiro foi impactado pelo avanço nos preços do petróleo no mercado internacional diante da guerra entre Rússia e Ucrânia. O segundo também sofreu influências do conflito e da quebra de safras diante de questões climáticas adversas.
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A redução acentuada do IPCA começa a ser vista a partir de agosto – diante do avanço da taxa básica de juros (Selic) que está há cinco meses em 13,75% – maior patamar em seis anos. Em novembro, a inflação em um ano estava em 5,90% – menor resultado desde fevereiro de 2021 (5,20%). Apesar da queda, o valor está bem acima da meta do Banco Central que é de 3,5% – e acima do teto de 5%.
O impacto também veio artificialmente com as medidas para reduzir o preço dos combustíveis implementadas pelo governo federal. Em julho, o ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) cobrado pelos Estados, foi limitado a uma taxa entre 17% e 18% sobre itens como combustíveis e energia elétrica. O preço da gasolina nas bombas chegou a recuar quase 9% na época, segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP).
A redução de impostos dos combustíveis – que impacta diversos setores da economia – reverteu a alta da inflação. No entanto, o efeito não é duradouro uma vez que o aumento na demanda, por exemplo, pode fazer os preços voltarem a subir. Isso sem contar que a redução de outros tributos – como PIS/Cofins e Cide – valem apenas até 31 de dezembro – o que pode causar um repique nos preços.
Além dos efeitos da redução de impostos, Piter Carvalho destaca na inflação brasileira a forte influência do cenário externo.
“Boa parte da nossa inflação ela é importada, ou seja, depende do preço do petróleo e das commodities – como soja, trigo, milho. E ela teve forte efeito da guerra na Ucrânia, por isso o estouro maior no começo do ano. Em relação a Selic, o Brasil tem o maior juro real do mundo e começa a fazer peso agora no último trimestre. Por isso que o PIB de 2023 deve ter um crescimento abaixo de 1% com a economia sofrendo com os juros altos que também geram desemprego. Por isso que o desafio vai ser enorme para o próximo governo”.
A perda de arrecadação com as desonerações tributárias se soma a liberação de estímulos pelo governo – como falamos acima – de uma forma descontrolada. Passamos, então, ao próximo item da nossa retrospectiva.
4. Bomba fiscal
Com a aproximação da eleição, o governo passou a tomar outras medidas para aumentar a sua popularidade. A principal delas foi a chamada ‘Pec Kamikaze’ que concedeu uma série de benefícios às vésperas do pleito. A proposta foi aprovada na Câmara em julho e trouxe impacto fiscal de R$ 43 bilhões aos cofres públicos – fora do teto de gastos.
A proposta elevou o Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 mensais e incluiu 1,6 milhão de novas famílias no programa. Criou um bolsa-caminhoneiro de R$ 1 mil e um vale de R$ 200 para taxistas, a serem pagos mensalmente até dezembro deste ano. A proposta incluiu ainda um vale gás com limite de R$ 120; transporte gratuito para idosos; repasse de R$ 500 milhões para comprar alimentos produzido por agricultores familiares; e R$ 3,8 bilhões em créditos tributários para a manutenção da competitividade do etanol sobre a gasolina.
O repasse de emendas do relator – o chamado ‘Orçamento Secreto’ – também entra nesse bojo de aumento nos gastos públicos. Entre 2020 e 2022, os repasses dessas verbas ultrapassam R$ 44 bilhões. Esse dinheiro vem de indicações de deputados e senadores sem a necessidade de identificação.
O estouro nos gastos fora do teto em 2022 e a necessidade de continuar o pagamento de benefícios sociais em 2023 – como o Bolsa Família – fez o governo eleito enviar ao Congresso a Pec da Transição. O texto dá margem no orçamento para continuar o pagamento, a partir de janeiro, dos R$ 600 mensais, mais R$ 150 por criança de até seis anos na família fora do teto de gastos. A proposta foi aprovada pelo Congresso e vale apenas para 2023.
Na mesma PEC foi fixado um prazo, até agosto do ano que vem, para que seja enviado um projeto para substituir o teto de gastos. Até o fim dessa data, o Presidente da República deverá encaminhar ao Congresso Nacional um projeto de lei complementar “com objetivo de instituir regime fiscal sustentável para garantir a estabilidade macroeconômica do país e criar as condições adequadas ao crescimento socioeconômico”.
“A questão da PEC da Transição, o endereçamento do novo arcabouço fiscal, são pontos importantes para reduzir a incerteza para o próximo ano, explica Patrícia Krause.
5. Guerra na Ucrânia e Covid na China
A guerra entre Rússia e Ucrânia – que completa um ano em fevereiro – tornou o cenário econômico ainda mais desafiador em 2022. O choque nos preços das commodities agrícolas e de energia ajudou a engordar a inflação em todo o mundo.
No lado da Ucrânia temos uma nação que é importante exportado de trigo. Em relação a Rússia está a forte produção de gás e petróleo. Esse cenário se soma as restrições dos países ocidentais impostas sobre a Rússia – que ajudam a desacelerar a economia mundial.
“O efeito da guerra na Ucrânia sobre a economia brasileira tem pontos positivos e negativos. Positivo seria a questão do aumento no preço das commodities. Como somos grandes produtores e exportadores, acabamos sendo favorecidos na arrecadação [de impostos] pelo governo e também no resultado da Petrobrás. Do lado negativo, foi o impacto sobre a inflação que acaba corroendo o poder de compra da população”, explica a economista-chefe Latin América da Coface.
A política de ‘Covid Zero’ na China – com quarentenas rigorosas e bloqueios de grandes cidades – ajudou a derrubar a demanda e a economia da segunda maior economia do planeta. Essas restrições afetaram a economia brasileira, já que a China é o nosso maior parceiro comercial.