Gastos de natal: veja como não gastar demais com presentes
O ato de presentear está ligado a relações de poder observadas em nossa sociedade. Atente-se aos gastos de natal.
Entre os diversos rituais natalinos, como montar uma árvore de Natal e organizar uma ceia, está a troca de presentes. Mas se para muitos presentar é uma atividade prazerosa, para outros pode se configurar um problema. Isso porque há quem gaste além da conta com presentes, o que pode comprometer o orçamento de fim de ano e até a renda extra do décimo terceiro salário.
Para entender por que algumas pessoas tendem a não controlar os gastos de natal, o Bora Investir conversou com duas especialistas: Vera Rita de Mello Ferreira, doutora em psicologia social e presidente da Iarep – sigla em inglês para Associação Internacional de Pesquisa em Psicologia Econômica – e Paula Sauer, economista, planejadora financeira CFP® e professora de psicologia econômica na ESPM.
Por que se dá presentes no Natal?
Dar presentes no Natal é uma tradição milenar. Muitos devem saber que o Papai Noel foi inspirado em São Nicolau, um bispo que viveu durante o século IV e presenteava famílias carentes durante a época natalina.
Muitos séculos depois, o hábito de dar presentes no Natal virou tradição em todo o mundo. No Brasil não é diferente. Um levantamento realizado pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojista (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) apurou que 73% dos brasileiros vão presentar no Natal de 2022.
Além da tradição, o ato de presentear abriga aspectos comportamentais do ser humano. “Presentear é considerado um fenômeno social, uma forma de se comunicar. Um mesmo presente pode ter diversos significados, ‘lembrei-me de você’, ‘lembre-se de mim’, ‘não te devo mais nada’, ‘estamos quites.’ Em muitas circunstâncias, o principal simbolismo do presente não está no ‘agradar’, mas em trocar, expressar hierarquia, poder, colocar o outro em dívida”, explica Paula Sauer.
Vera Rita destaca que o ser humano tem uma grande tendência a reciprocar, isso é, receber algo e dar outra coisa de volta. Além disso, presentear envolve aquilo que pensamos de nós mesmos: “um elemento importante é a autoimagem. As pessoas querem dar algo que as represente ou que imaginam que as represente. Muitas vezes é escolhido um presente caro, pois se pensa que essa é uma forma de aceitação social, que isso dará um lugar de destaque num grupo. Importante frisar que esses são comportamentos inconscientes“, observa Vera.
Por que muitos se endividam para presentear?
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Há situações em que alguém não tem dinheiro sobrando, mas contrai dívidas para poder presentear um ente querido. Se do ponto de vista financeiro a prática não faz sentido, do lado comportamental há alguns fatores que explicam a situação.
“Existe um efeito manada”, explica Vera, “um comportamento automático de gastar no Natal, como se a época permitisse gastos extras. O caso é agravado quando há cartão de crédito. Quanto às dívidas, há muitas vezes uma normalização delas. Isso acontece quando, por exemplo, convive-se com pessoas endividadas. Desse modo, contrair dívidas acaba sendo um comportamento familiar.”
Já Paula Sauer lembra que o assunto vem sendo estudado há muito tempo pelas ciências sociais. O sociólogo Marcel Mauss em sua obra Ensaio sobre a Dádiva, de 1925, analisa o ato de presentear e levanta a hipótese de o presente ser uma economia de troca.
“Quando visto como uma troca, é bastante comum observar consumidores se endividando financeiramente para não se sentirem em dívida com o outro, para honrar essa troca”, analisa Paula Sauer.
A mesma pesquisa que aponta 73% dos brasileiros presenteando no Natal de 2022 também mostra os principais meios de pagamento: cartão de crédito parcelado (45%), PIX (42%), cartão de débito (36%) e dinheiro (35%). Entre os que pretendem pagar parcelado, o número médio será de 4,7 parcelas, o que significa que o consumidor pagará a última prestação em abril de 2023.
Qual é a importância de dizer não para controlar os gastos de natal?
Uma situação parecida é a da pessoa que é cobrada a presentear, não tem dinheiro sobrando, mas não sabe dizer ‘não’. Segundo Vera Rita, “existe um tabu, muitos se sentem envergonhados de assumir uma má condição financeira. Minha recomendação é explicar que não se tem dinheiro, algo que pode ser bem recebido, pois muitas pessoas também podem não estar numa situação favorável.”
A situação é agravada quando são os filhos pequenos que pedem um presente de Natal aos pais. “O que as crianças realmente querem é a presença dos pais, que os adultos brinquem com elas. É isso que traz alegria verdadeira para os filhos. Se não há dinheiro para um presente caro, então esse pode ser substituído por um passeio, uma brincadeira ou mesmo um jogo de tabuleiro que envolva toda a família”, recomenda Vera Rita.
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Na hora de dizer não aos adultos, também deve-se estar atento para as convenções sociais e as pressões da sociedade que serão ignoradas. “Ter que presentear porque foi convidado para um evento social, ou então a máxima ‘não chegar de mão abanando’, são situações que todo mundo conhece. O presente é uma das facetas simbólicas do dinheiro. Por exemplo, entregar uma quantia como presente de Natal pode ser constrangedor e malvisto, mas uma camisa bonita e cara passa o recado de maneira mais elegante”, considera Paula Sauer.
Como controlar os gastos de Natal?
Por fim, há a situação de dar um presente para si mesmo. Segundo Paula Sauer, “emocionalmente falando, o presente pode ser considerado uma autoindulgência, fazer-se uma gentileza. Sem dúvida, também é importante ter atenção com esses gastos. A sensação boa provocada pelo presente está relacionada com o aumento da dopamina e passa rápido, as dívidas ficam.“
Vera Rita também destaca o fator emocional que existe por trás do presente para si. “Nosso lado racional só foi se constituir milhões de anos depois do nosso instinto. Desse modo, um dos aspectos que nos constitui como seres humanos é uma sensação instintiva de falta. Se no passado longínquo o ser humano ia à caça pois sentia fome, hoje tais necessidades se tornaram desejos que muitas vezes se resolvem por meio do consumo”, analisa a psicóloga social.
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