Comitê de Basileia: como funciona o Banco Central dos bancos centrais
Menos famoso que a ONU ou o Banco Mundial, o Comitê de Basileia é uma instituição financeira multilateral importante para o funcionamento da economia global
Por Guilherme Naldis
Os Bancos Centrais estão na boca do povo e há um porquê. Com a alta da inflação no mundo inteiro, estas instituições são as responsáveis por combater o aumento dos preços por meio do ajuste da taxa de juros. Mas você sabia que, por trás do Bacen e do Federal Reserve, há um outro Banco Central ainda maior e que dá diretrizes para os BCs de vários países?
O chamado Comitê de Supervisão Bancária de Basileia, ou apenas Comitê de Basileia, é uma organização internacional composta por vários países. De vez em quando, estas nações enviam seus representantes da política monetária, presidentes ou diretores dos Bancos Centrais, para discutir o sistema financeiro mundial e pensar em como aprimorá-lo.
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O objetivo do organismo é fortalecer a solidez dos sistemas financeiros, estabelecer padrões de boa conduta e debater questões relacionadas à indústria bancária. O Brasil já segue os acordos de Basileia há algumas décadas, mas passou a integrar seu conselho em 2009. Desde então, o país é considerado “conservador” na adesão das recomendações do órgão — o que torna nosso sistema financeiro muito sólido, segundo especialistas ouvidos pelo Bora Investir.
Como funciona o Comitê de Basileia?
Imagine os bancos comerciais de um país. Itaú, Bradesco, Santander, Caixa… todos eles competem entre si para abrir mais contas e lucrar com a entrada de novos clientes. É por meio deles que os correntistas irão fazer transações financeiras, receber seus salários, solicitar crédito, poupar recursos e investir.
Acima deles, há o Bacen que, entre outras atribuições, determina quais são as regras de atuação, os limites da concorrência e os deveres de uma instituição desta natureza. Agora, pense que cada país possui seu próprio Banco Central. Alguns deles são autônomos, como o dos EUA e da União Europeia. Outros podem ser dependentes de outras entidades, como o Ministério da Economia ou o Congresso Nacional, assim como é feito na Índia e em Angola.
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Por trás de todas estas autoridades monetárias, o Comitê de Basileia determina regras e critérios de segurança de crédito que devem ser adotadas por todos os países. Quando um país se torna aderente às regras do comitê, seu banco central pode seguir a cartilha. Quando esta mesma nação passa a integrar o Conselho, é esperado que ela cumpra as regras do comitê.
Não há um órgão de supervisão ou punição para quem descumprir as recomendações do Banco Central dos bancos centrais. Funciona assim: Basileia recomenda, os bancos centrais avaliam e, se acharem pertinente, aderem em maior ou menor grau. Na adesão, os bancos centrais passam a impor estas regras aos bancos comerciais do seu país. E cabe a cada autoridade monetária nacional fiscalizar o cumprimento destes requisitos de acordo com seu interesse.
Como o Comitê de Basileia surgiu?
O Comitê de Basileia surgiu em 1947, durante a convenção de Bretton Woods. Este foi um dos grandes eventos econômicos do século passado e, possivelmente, de toda a economia. Foi neste momento em que o dólar passou a ser a reserva de valor do mundo, no lugar do ouro. Antes disso, o dinheiro do mundo era lastreado no metal. As moedas dos países passaram a ser fiduciárias – isto é, seu valor é atrelado a uma confiança, e não a algo físico como o mineral dourado.
As conferências de Bretton Woods aconteceram no fim da Segunda Guerra mundial com o propósito de criar critérios para negociações comerciais e financeiras a nível internacional. Em outras palavras, organizar o novo comércio global para o pós-guerra, que viria a ser muito mais intenso a interconectado.
E aí, surgiu a necessidade de definir parâmetros de segurança fiduciária e de risco de crédito para os bancos, a fim de evitar quebras sistêmicas das instituições financeiras cada vez mais conectadas – o conhecido como “quebra quebra bancário” nas crises econômicas.
Com isso, o mundo começou a centralizar suas moedas na divisa americana e é assim até hoje. Isso permitiu uma maior internacionalização do comércio, ao passo que o dólar virou a principal moeda do planeta e, os Estados Unidos, a principal potência econômica.
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O que são os Acordos de Basileia e como eles funcionam?
Com a criação do Comitê de Basileia, alguns combinados foram firmados através do tempo. São os chamados Acordos de Basileia, que determinam boas práticas de conduta por parte dos bancos comerciais a serem exigidas pelas autoridades monetárias. A cada novo acordo, se preenchem lacunas do anterior e se adicionam medidas de proteção. Hoje, existem três:
Basileia I
Assinado em 1988, o Acordo de Capital de Basileia foi assinado na cidade suíça de Basileia e foi ratificado por mais de 100 países. Ele prescreve que as instituições financeiras ativas internacionalmente tenham uma reserva mínima e compulsória de capital para minimizar o risco de crédito.
Basileia II
Anos depois, o primeiro tratado foi revisado e, em 2004, surgiu o Basileia II. A nova versão adicionou e aprimorou o anterior. Foram estabelecidos três pilares de prudência para as grandes instituições, além de 29 princípios básicos sobre contabilidade e supervisão bancária.
Os três pilares são:
- Novos cálculos para exigências de capital, considerando riscos de crédito, de mercado e de operação;
- Parâmetros de supervisão para fiscalizar processos internos de adequação de capital, incentivando a aplicação das melhores práticas de gestão de riscos via monitoramento e mitigação, pelos próprios supervisionados; e
- Divulgação de dados referentes à adequação aos próprios acordos de Basileia, a fim de promover a transparência e disciplina de Mercado.
Basileia III
O último arcabouço, de 2010, é uma resposta à crise financeira de 2008. Trata-se de uma série de medidas que buscam fortalecer os bancos e torná-los capazes de absorver os impactos das crises vindas do próprio setor financeiro e mitigar as chances de propagação das crises financeiras. Para isso, as instituições deveriam aumentar suas reservas e colchões para emergências em capital de alta qualidade em volumes ainda maiores que os exigidos nos dois tratados anteriores.
Basileia IV?
O próximo acordo já está sendo elaborado e implementado pelas autoridades monetárias dos países que integram o comitê. Ao passo que o Basileia III focou na reforma do capital regulatório, a quarta versão do tratado busca uma maior transparência entre os seus regulados, uma equiparação uniforme dos níveis de reservas e, sobretudo, adequação às novas tecnologias.
“O Basileia IV tem um foco muito grande nas tecnologias de blockchain à medida que muitos países estão adotando versões digitais de suas moedas” afirma Carla Beni, professora de política econômica da FGV.
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Para ela, entretanto, a recente crise bancária dos EUA ou a alta da inflação no mundo inteiro, em resposta à crise da Covid-19, não serão pauta para o novo acordo. Isso porque, diferentemente dos fenômenos globais que motivaram os acordos anteriores, as crises atuais não possuem caráter sistêmico ou persistentes. Ainda assim, o descumprimento de Basileia pode estar por trás de alguns deles.
“Em 2020, o Federal Reserve reduziu o recolhimento compulsório a zero para que os bancos comerciais dinamizassem o crédito e emprestassem mais para a população”, relembra Beni. A decisão fez com que os “recursos em caixa” ficassem muito abaixo do recomendado por Basileia, de modo a incentivar o consumo das pessoas diante do isolamento social. “Quem foi penalizado foram os bancos de nicho”, diz.
Por que os países aderem às recomendações?
Nenhum país vai ser sancionado ou punido, de qualquer maneira, por não aderir ou cumprir os tratos do Comitê de Basileia. Afinal, não há nenhuma instituição supranacional responsável por avaliar o cumprimento dos acordos. Ainda assim, existem consequências indiretas de se desviar dos parâmetros globais, segundo Juliana Inhasz, professora de macroeconomia do Insper.
“Todos os países querem investimentos estrangeiros e querem parecer seguros para receber estes aportes do capital externo. E quando um país está em desacordo com Basileia, ele dá um sinal ao mundo todo de que não consegue gerar um ambiente financeiro adequado para que esse investimento aconteça. Quem vai punir é o Mercado”, afirma.
Neste sentido, os acordos servem para dar um carimbo de confiabilidade a um país. “Caso contrário, há uma punição indireta, com o país recebendo menos investimento estrangeiro já que tem uma imagem pouco confiável”, explica Inhasz. “É bom sentar- se à mesa com os países sérios”.
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