Colapso do Silicon Valley Bank nos EUA: o maior desde a crise financeira de 2008
Entenda a quebra da instituição, os impactos no sistema financeiro americano, as consequências para os investidores e a repercussão no mercado em todo o planeta.
Um dos maiores pesadelos da história da economia moderna dos Estados Unidos voltou a assombrar os investidores. Passados 15 anos desde a quebra do Washington Mutual, os americanos assistem ao colapso do Silicon Valley Bank (SVB).
A ruína do principal banco das startups começou na semana passada, após uma corrida dos clientes para resgatar as suas aplicações e da falha na tentativa de levantar o capital da instituição. Diante do colapso com a saída de recursos, principalmente das startups que são as principais clientes (e para evitar o episódio de 2008), os reguladores federais americanos fizeram uma intervenção no banco.
O SVB, criado em 1983, é uma instituição pouco conhecida do grande público, pois visava atender as empresas de tecnologia do Vale do Silício, na Califórnia. O banco foi responsável por financiar a maioria das startups americanas, o que levou seus ativos a alcançar a marca de US$ 209 bilhões – 20ª colocação de maiores bancos dos Estados Unidos.
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Neste domingo, um outro banco americano também precisou de intervenção federal. O Departamento de Serviços Financeiros (DFS) de Nova York passou a administrar o Signature Bank para garantir aos clientes o saque dos seus recursos. O banco comercial tem ativos de US$ 110 bilhões e depósitos na casa dos US$ 88,5 bilhões.
O especialista da Valor Investimentos, Charo Alves, explica que o SVB cresceu em um momento em que os juros americanos estavam muito baixos, mesmo motivo que contribuiu para o crescimento das fintechs. O problema é que diante do aperto da política monetária, as empresas precisaram de dinheiro para o caixa, o que impactou o banco diretamente.
“O SVB tomou um resgate ( de valores) tão grande das fintechs que precisou encerrar posições de renda fixa, que tinham um vencimento mais longo. Por lei, o banco tem a obrigação de ter essa disponibilidade de liquidez. Então, para recompor, ele precisou vender esses ativos no mercado que, junto ao grande número de resgates, levou a esse problema. Isso passou agora para o Signature Bank, um banco voltado para o mercado de criptomoedas”.
Por que o SVB faliu?
A explicação para a quebra do Silicon Valley Bank, avaliado em mais de US$ 40 bilhões no ano passado, começa pelo elevado patamar das taxas de juros nos Estados Unidos. Desde março de 2021, para conter a maior inflação em quatro décadas, o Federal Reserve (Fed) passou a apertar a sua política monetária.
Com os juros escalando na maior economia do mundo, a atratividade dos investimentos em ativos de risco diminuiu e há uma migração para a renda fixa – principalmente títulos da dívida americana, os mais seguros do planeta. Com a falta de capital para gerir os negócios, as startups passaram a retirar os seus depósitos do SVB.
A saída de recursos levou a perda da rentabilidade dos títulos que eram vendidos pela instituição. Para reforçar o seu caixa, o SVB anuncia a emissão de US$ 2,25 bilhões em novas ações – o que acendeu o alerta do mercado para a saúde das contas e levou diversas consultorias a recomendar o saque dos investimentos no banco.
A forte saída de recursos fez as ações do SVB despencarem na quinta-feira passada, 09/03. Um dia depois, os papéis do Silicon Valley Bank deixaram de ser negociados, os reguladores da Califórnia interviram no banco e a instituição foi liquidada.
É importante lembrar que as companhias de tecnologia tem passado por um forte processo de desaceleração e ajustes diante da alta dos juros e da inflação. Essas empresas são muito dependentes de investimentos para crescer. Desde o ano passado, o lucro das companhias despencou e levou a uma onda de demissões que ainda persiste em 2023.
O que acontece a partir de agora?
Nesta segunda-feira, 13/03, o HSBC Holdings anunciou que comprou a divisão britânica do Silicon Valley Bank UK pelo valor simbólico de uma libra. Segundo o HSBC e o Tesouro do Reino Unido, todo o dinheiro dos depositantes do SVB UK está seguro e as operações vão continuar normalmente.
Segundo vários analistas, o fatiamento e a venda do SVB para outras instituições deve continuar nos próximos dias.
Em relação ao mercado financeiro, um comunicado do Bank of America afirmou que a volatilidade das ações deve continuar no curto prazo, à medida que os investidores recalibram as suas expectativas. Disse ainda que o mercado segue cauteloso até que haja visibilidade quanto ao fim do ciclo de alta, ou até cortes, na taxa de juros pelo banco central americano.
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Fed tenta evitar nova crise financeira
O Federal Reserve anunciou a criação de uma nova linha de empréstimo de emergência para fortalecer o sistema bancário dos Estados Unidos e evitar o contágio de outras instituições.
Segundo o Fed, o financiamento vai “ajudar a garantir que os bancos tenham a capacidade de atender às necessidades de todos os seus depositantes”. Afirmou ainda que está “preparado para lidar com quaisquer pressões de liquidez que possam surgir”.
Em uma declaração conjunta, a secretária do Tesouro, Janet Yellen, o presidente do Fed, Jerome Powell, e Martin Gruenberg, da Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC), afirmaram que todos os depositantes do Silicon Valley Bank teriam acesso ao seu dinheiro nesta segunda-feira.
Para o economista-chefe da Órama, Alexandre Espírito Santo, nesse momento não há similaridade entre o que está ocorrendo com o SVB e o banco Lehman Brothers, considerado um dos drivers para a crise financeira de 2008.
No entanto, é preciso notar que 30% dos depósitos bancários americanos são feitos em bancos menores. Ou seja, há perigo de “transbordamento” para instituições maiores – o que precisa ser evitado pelas autoridades.
“Esse ponto é muito preocupante, pois implicaria numa corrida bancária que só teria paralelos com as crises de 1929 e 2008. Sendo assim, seria importante que os órgãos reguladores, especialmente o FED, possam dar liquidez e financiamento adicional, incluindo acesso ao redesconto”, diz Espírito Santo.
Repercussão pelo mundo
O presidente dos EUA, Joe Biden, disse hoje que os contribuintes americanos não vão sofrer perdas financeiras diante do fechamento do Silicon Valley Bank e do Signature Bank.
Segundo Biden, os depósitos serão honrados por meio do dinheiro de taxas pagas pelas instituições financeiras ao Fundo Garantidor de Depósitos – que é o FGC (Fundo Garantidor de Crédito) dos Estados Unidos.
“Todo americano deve se sentir confiante de que os depósitos estarão garantidos se e quando precisarem”. Pelo lado dos investidores, Biden foi mais duro. “Eles sabidamente tomaram um risco, e quando o risco não é recompensado, investidores perdem dinheiro. É assim que o mercado de capitais funciona”.
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O presidente americano afirmou ainda que é necessário reduzir o risco para evitar que ocorram novos colapsos. “Pedirei ao Congresso e aos reguladores bancários para fortalecer as regras aos bancos para que torne menos provável que esse tipo de falha ocorra novamente”.
Mudanças na política de juros pelo FED
O desenrolar dos acontecimentos em relação ao SVB trouxe ao mercado a percepção de que o Federal Reserve pode rever a sua previsão de subir ainda mais os juros na reunião de 22 de março.
“A gente já está vendo que essa alta de juros não pode ser feita com muita agressividade, porque está afetando diretamente os bancos. Então a tendência é que isso impacte as próximas decisões, talvez com uma manutenção – ou eventual redução de juros. Alguns bancos, podem não aguentar uma nova escalada e gerar um problema ainda pior”, conclui Charo Alves.
Impactos no Brasil e no mundo da tecnologia
No Brasil, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que é necessário analisar os impactos da falência do SVB nas taxas de juros globais, inclusive no Brasil.
“Qual o limite para aumentar juros sem desorganizar a economia como um todo? A quebradeira que pode advir do descasamento da carteira, e aí há setores dizendo que vai esbarrar nesse limite, e ter mais dificuldades de buscar o centro da meta em um período muito curto”, afirmou.
Haddad disse ainda que está em contato com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, sobre possíveis impactos da falência do SVB no Brasil. No entanto, destacou que ainda não é possível saber a dimensão do problema para o país.
Para o especialista da Valor Investimentos, superada a questão da falência do SVB, entra em discussão uma possível reação em cadeia na saúde das fintechs.
“A gente tem um problema grave pela frente reflexo de um movimento de juros altos que acaba afetando todo o mercado de tecnologia. As fintechs dependem de juros baixos para poder continuar crescendo e entregando resultados”.
Para o Brasil, ainda segundo Charo Alves, o problema também está concentrado no impacto nas empresas de tecnologia.
“A gente vê que o investidor brasileiro fica em uma aversão a risco e as principais empresas que temos no setor de tecnologia – os bancos digitais, por exemplo – acabam por sofrer nessa onda sim”, conclui.
Bancos digitais e o SVB
O setor financeiro, principalmente os bancos digitais, passaram a enviar comunicados ao mercado, clientes e acionistas para negar qualquer exposição ao Silicon Valley Bank.
Em nota Nu Holdings, controladora do Nubank, disse que “nem a Companhia nem nenhuma de suas subsidiárias têm qualquer exposição ao Silicon Valley Bank”.
O C6 Bank e o Banco Inter também afirmaram que não tem negócios com o SVB. “O Inter informa que a companhia e suas subsidiárias não têm e nunca tiveram qualquer exposição e/ou relação comercial com o Silicon Valley Bank”.
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