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Descontrole fiscal é o principal obstáculo para o crescimento da economia brasileira

Em entrevista exclusiva ao Bora, Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central, fala do impacto do desarranjo das contas públicas no PIB e das incertezas em torno de uma nova âncora fiscal

As incertezas sobre a saúde das contas públicas e a falta de uma indicação clara das estratégias para conter o descontrole fiscal têm elevado as preocupações sobre os rumos da economia brasileira. Enquanto as discussões sobre como bancar os gastos fora do teto tomam conta do cenário político, pouco tem se falado sobre uma nova âncora fiscal para frear ou até reverter a trajetória de endividamento do país.

O problema não é novo. Desde 2014, o Brasil gasta mais do que arrecada com impostos, o que gera o chamado déficit primário.

Os entraves para o crescimento mais sustentável do Produto Interno Bruto (PIB) também passam pelo impacto da escalada dos juros – que começaram a esfriar a atividade econômica no 3º trimestre. A Selic em 13,75% ao ano – maior patamar desde novembro de 2016 – se soma a uma economia que ainda convive com uma inflação de 6,47% em 12 meses, 9 milhões de desempregados e um recorde de brasileiros inadimplentes: 68,39 milhões.

B3 Bora Investir conversou com Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central e presidente do Conselho de Administração da Jive Investments. O economista falou sobre o impacto do descontrole fiscal na economia brasileira; as incertezas em torno de uma nova âncora fiscal para substituir o teto de gastos; e as perspectivas para o PIB brasileiro em 2022 e 2023.

B3: O PIB brasileiro tem crescido na casa de 1% desde o último trimestre do ano passado. Nesse meio tempo, o governo deu diversas medidas de estímulo – desde a liberação do FGTS até a redução de impostos. O que mudou na economia brasileira?

Luiz Fernando: De fato, todos estes auxílios começaram a vir a partir do final de agosto, início de setembro. Até agosto a economia estava muito bem, mesmo antes desses auxílios acontecerem. Por outro lado, a taxa de juros veio subindo e ela tem o seu efeito defasado, ou seja, começou a pesar. Eu diria que mais a partir deste último trimestre, os juros vão pesar ainda mais. Quando a gente olha a confiança dos vários setores, ela está declinando, depois de vir em um crescente há um bom tempo. É o que chamamos de um indicador antecedente, ou seja, já começamos a sentir, sim, que a economia começa a reduzir a sua atividade. Dá para ver também no caso da inadimplência de pessoas físicas, de crédito, que isso também é um sinal antecedente. Então nós estamos saindo de uma economia que estava crescendo na margem – entre 3% e 4% – para uma economia que vai aterrissar e crescer de 0,5% a 1% – a depender de como for o arranjo fiscal que o novo governo vai tratar com o Congresso. Nós hoje estamos muito dependentes de como vai ser esse novo arcabouço fiscal. Se ele dará conta de, no mínimo, estabilizar a dívida com relação ao PIB ao longo do tempo. Se essa premissa for verdadeira, é possível que a gente tenha até alguma surpresa de crescimento maior para o ano que vem.

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B3: A questão fiscal também passa pela proporção de investimentos em relação ao PIB?

Luiz Fernando: O investimento sobre o PIB já aumentou de 14,5% para 20% e isso gera mais crescimento para frente. Então o Brasil está hoje em uma condição que teremos um crescimento maior do que tivemos nos últimos dez anos. A dúvida agora é se esse investimento sobre o PIB vai continuar nesse patamar, porque temos uma dúvida das reformas que teremos daqui para frente e o quanto o arranjo fiscal vai ser sustentável. Se a gente tiver um arranjo fiscal minimamente sustentável, provavelmente o investimento sobre o PIB vai continuar alto e isso aumenta muito a possibilidade de o crescimento continuar em um nível alto.

B3: A questão da nova âncora fiscal – que deve ser debatida pelo novo governo – também é essencial para um bom resultado da economia brasileira?

Luiz Fernando: Nós temos uma âncora fiscal que é o teto de gastos. Ele foi furado algumas vezes. Tanto Bolsonaro quanto o Lula, eles acharam que devia haver uma trocar por outro tipo de arcabouço. Isso não é propriamente um problema, desde que o novo seja razoável. Para que a gente tem uma dívida estável, com relação ao PIB, nós precisamos ter um superávit primário da ordem de 2% a 2,5% do PIB. Então você tem que ter um arcabouço – não precisa ser hoje, não precisa ser em 2023 – mas que um pouco à frente vá produzir esse tipo de resultado fiscal.

B3: Indo agora para a PEC da Transição – que já está no Congresso Nacional – com gastos de quase R$ 200 bilhões fora do Teto de Gastos. Qual a sua análise da proposta?

Luiz Fernando: Ela é uma medida de gastos muito relevante porque eles [novo governo] estão pedindo R$ 200 bilhões por quatro anos, sem dizer como essa conta será financiada. Então não é uma coisa razoável. Agora com as negociações no Congresso, provavelmente vai sair uma proposta bem razoável. Algo em torno de R$ 100 bilhões por um ano, talvez dois anos.

B3: Diante de todas essas questões fiscais, qual o cenário para a economia brasileira no próximo ano?

Luiz Fernando: Se você tiver uma certa confiança no arcabouço fiscal, podemos falar em um cenário bastante razoável para Brasil em 2023. O problema é que você não pode ter essa espada na cabeça, essa dúvida com relação ao tamanho da dívida que nós temos hoje. A nossa margem de erro é muito baixa porque a dívida já está muito alta, então é preciso fazer o dever de casa.

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B3: Como o cenário internacional turbulento – com guerra na Ucrânia, juros escalando e inflação nas alturas – impacta nas perspectivas para a economia brasileira?

Luiz Fernando: O Brasil hoje tem uma dependência muito pequena do que acontece nos Estados Unidos ou na Europa. A gente está muito mais associado às coisas que a gente faz internamente. Não é por outra razão que o mundo foi muito bem nos últimos dez anos e o Brasil não. Acontece que agora temos muitas dúvidas com a sustentabilidade fiscal, uma luta que não deveríamos ter. Se a gente não tiver [problemas com a questão fiscal], a inflação vai continuar a declinar. Vamos ter condições do Banco Central reduzir os juros. O custo da vida vai ser mais baixo e o juro não vai ser tão impeditivo para o crescimento para a frente. A China está gradualmente relaxando a maneira de lidar com a Covid-19, além de ajudar o setor imobiliário que estava com problemas. Eu não acredito que a China vai entrar em uma recessão, portanto isso não vai afetar as commodities a caírem mais do que elas estão hoje – o que seria sensível para o Brasil. Até porque o crescimento mundial será afetado mais pelos países desenvolvidos – que vão reduzir uma cesta de consumo principalmente de manufaturados, itens com tecnologia – e não bens básicos.

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