Fundos de Investimento

Luciana Seabra explica o novo marco dos fundos de investimento: “É revolucionário”

Ao Bora Investir, diretora da Indê Investimentos explica como as novas regras vão mudar a vida do pequeno investidor

Luciana Seabra, diretora da Indê Investimentos. Foto: Divulgação
Luciana Seabra, diretora da Indê Investimentos: investidor não pensa apenas no curto prazo: é o assessor de investimento que o leva a isso. Foto: Divulgação

O novo marco regulatório dos fundos de investimento já deveria estar em vigor, mas a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) preferiu dar um prazo maior para que bancos, corretoras e outras instituições financeiras se adaptem às novas regras.

Há uma razão para isso. Na visão de Luciana Seabra, analista e planejadora financeira certificada e especialista em fundos de investimento, a resolução CVM 175 é revolucionária. “As normas vão questionar e expor conflitos existentes entre bancos e corretoras. Também dará mais trabalho às instituições financeiras e irá gerar custos adicionais. Por isso, o prazo ficou apertado”.

Ex-sócia das casas de análises Empiricus e Spiti, Seabra recentemente fundou a Indê com dinheiro próprio. Seu propósito é continuar independente e especializada em fundos de investimento. Portanto, dessa vez, não terá sócios.

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Desde o lançamento da casa de análises, em janeiro, 4,3 mil clientes optaram pela assinatura de seu conteúdo. “Bancos e corretoras estão comprando casas de análise e as independentes que restam estão lançando produtos próprios. Eu não acredito nisso, e prefiro o caminho radical. Não boto a mão em dinheiro de cliente: minha única receita é o meu relatório de recomendação”.

Ao Bora Investir, Seabra também fala sobre as novas regras que disciplinam a atuação de assessores de investimento, a evolução da educação financeira no país e por que é uma grande defensora dos fundos de previdência privada. Acompanhe abaixo a entrevista:

Bora Investir – Você ficou satisfeita com as mudanças que serão trazidas pelo marco, ou ainda há muito a ser desenvolvido pela indústria?

Luciana Seabra – A nova instrução é revolucionária, especialmente porque dá a pessoa física acesso a fundos globais que investem 100% do seu patrimônio no exterior. É algo que já poderia estar disponível ao público geral.

Os investidores esperavam por isso há muito tempo, e não há risco nenhum em sua liberação. Pelo contrário: a aplicação pode reduzir riscos, já que aumenta a diversificação.

À medida que esse acesso a fundos globais for concedido, a virada de chave será rápida. Mas outras regras demandam tempo. A indústria não está nada preparada para outros pontos, e tenho receio sobre a liberação dos FIDCs (Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios) para o pequeno investidor.

Bora Investir – As novas regras dão ao pequeno investidor acesso a produtos historicamente complexos, como os FIDCs. Qual é a sua visão sobre isso?

Luciana Seabra – Os FIDCs, que são fundos de crédito com cotização de longo prazo, são pouco compreendidos, e demandam um trabalho educacional mais forte. Existem fundos bons, mas muitos não são cuidadosos em relação ao risco. Portanto, a falta de volatilidade da cota pode esconder problemas que o investidor não entende bem.

A estrutura da aplicação protege investidor e gestor, pois dá tempo para que o gestor venda os títulos com calma. Mas esses fundos não têm marcação de preço, e o assessor de investimentos vende a clientes como uma aplicação conservadora, que paga 200% do CDI por muitos anos. Mas não explica seus riscos.

Não é porque não há volatilidade que não há risco. O fundo pode ir muito bem até que tudo dá errado. Não há problema em ter risco, mas a questão é como o fundo está sendo vendido. O investidor precisa saber que terá uma remuneração maior porque o risco é mais alto. Não pode botar dinheiro da reserva de emergência nele, pois tem mais risco do que o Tesouro Selic.

Bora Investir – Existem outros pontos do novo marco que não estão bem resolvidos e possam ter provocado o adiamento?

Luciana Seabra – O mercado também não está preparado para mudanças relevantes nas classes e subclasses de fundos. É algo complexo, mas que tem resultados potenciais. Se for bem feita, essa organização pode simplificar a subestrutura dos fundos. E o efeito mais claro para a pessoa física pode ser mudanças nos fundos espelhos.

Vai ser preciso explicar pro investidor que dentro do mesmo fundo, no mesmo CNPJ, podem existir subclasses, como os fundos espelhos. E que seria legal levar esse fundo espelho para outra corretora. As corretoras alegam que impedir a portabilidade é uma maneira de negociar a abertura do fundo com a gestora quando a aplicação estiver fechada em outros lugares, mas essa é uma boa desculpa para ter uma reserva de mercado.

Com a nova regra, a aplicação seria feita em um mesmo CNPJ. Isso poderia permitir a portabilidade do fundo espelho para outra corretora. Atualmente, caso tenha um fundo espelho, o investidor precisa resgatar o valor e antecipar o pagamento de imposto se quiser trocar de instituição financeira. Não há o que fazer.

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Teoricamente os fundos espelhos reduzem custos para o gestor do fundo, já que dispensa a abertura de diversos CNPJs. Com esta transformação haverá apenas um CNPJ.

O Brasil é um dos maiores países em quantidade de fundos. Se a norma sair, valerá apenas para novos fundos, ou a indústria terá de adaptar o seu estoque? E há também um problema com relação a administradores: hoje já existe uma fila para realizar operações. O administrador vai dar conta se tiver de mudar toda a estrutura dos fundos existentes?

Há o risco dessa regra se descolar da realidade e ficar sem aplicação. Espero que não seja deixada pelo caminho até que o marco passe, de fato, a vigorar.

Bora Investir – Quais outras mudanças do marco serão relevantes para o pequeno investidor?

Luciana Seabra – O marco também cria a possibilidade de haver mais transparência sobre taxas. Os fundos poderiam divulgar a taxa máxima de distribuição. Com ela, será possível entender qual é a comissão paga pelo gestor ao distribuidor.

Dois fundos podem cobrar a mesma taxa de administração, mas sua taxa de distribuição pode variar muito. Se ela é maior, pode ficar claro por que um fundo é mais recomendado do que outro. Já se for baixa é possível entender por que aquele fundo é menos indicado. Existem conflitos no mercado que hoje não estão transparentes.

Precisamos acompanhar de perto se o mercado não vai arranjar uma forma de não deixar isso passar. Na Instrução CVM 555 haviam questões relacionadas à transparência que nunca viraram realidade. Portanto, espero que o prazo sirva para o mercado entender as normas e se adaptar a elas, e não para o marco secar com o tempo.

Por fim, as novas regras impõem condições para um fundo colocar a sigla ESG no nome. Muitos gestores começaram a usar a sigla como argumento de venda. Agora, se quiserem colocá-la no nome do fundo terão de apresentar relatórios e benefícios ambientais ao regulador. Antes o gestor colocava a sigla no nome e não tinha de provar nada.

Bora Investir – As novas regras para os assessores de investimento tornam o mercado mais transparente, ou ainda não são suficientes?

Luciana Seabra – O mercado tem muitos conflitos, e os investidores estão cansados disso. As corretoras bateram nos bancos e ganharam, mas são os bancos que estão evoluindo mais no quesito transparência e solução destes conflitos.

Um exemplo é o Itaú. O banco está estudando um modelo de comissionamento mais leve e vem oferecendo produtos antes restritos a investidores de alta renda para o público geral. O fundo Atmos foi distribuído no Itaú com mínimo de R$ 25 mil, sendo que teve corretora que ofereceu com tíquete inicial de R$ 100 mil, o que sinaliza essa inversão de papéis.

Os fundos na plataforma são apresentados pelo assessor de investimento, mas não é ele que faz a análise deles. Portanto, é uma relação conflituosa.

As novas regras ajudam. Mas o investidor vai ter de se informar. O conflito só vai diminuir quando atrapalhar a relação com o cliente. O regulador pode tentar ajudar, mas pessoas mais educadas são as que realmente vão mudar o mercado.

Bora Investir – Acredita que a educação financeira evoluiu no país? Quais são os sinais disso?

Luciana Seabra – Há uma disseminação da educação financeira. Não seria possível lançar a Indê sem ela.

Muitas instituições financeiras dizem que os investidores não entendem nada e têm visão de curto prazo. Mas vejo muita gente pensando, sim, em investimento de longo prazo. Quem pede, na verdade, para que troquem de aplicação é seu assessor de investimento ou gerente.

O assessor ou gerente mostra a cota de um fundo nos últimos 12 meses e oferecem o produto dizendo que seu retorno é maior do que o que eles tem na carteira. Mas o investidor não deve entrar em um fundo em momentos de alta, e, sim, colocar mais dinheiro quando o investimento registrar momentos de queda.

O assessor inverte esta lógica. Aí quando a cota do fundo estiver no topo ele manda voltar para os fundos de ações. Esse assédio provoca um giro completamente errado da carteira. Os investidores estão cansados desse assédio.

Bora Investir – Você é uma grande defensora dos fundos de previdência privada. O que os fez cair em descrédito para os investidores? O mercado está no caminho de transpor o problema?

Luciana Seabra – Eu entendo o preconceito, pois de fato existem muitos produto ruins no mercado. A maior parte dos fundos de previdência investe em renda fixa e cobram taxas altas. Mas, de uns anos para cá, surgiram fundos previdenciários multimercado, de crédito e ações. Eles pertencem a casas renomadas, como SPX e Ibiúna.

Muita gente deixa o dinheiro no plano de previdência oferecido pela empresa, mas geralmente são produtos ruins. Quem pesquisa o produto consegue reunir um bom resultado com boa eficiência tributária. Contudo, para entrar em um bom fundo previdenciário, você pode ter de ficar esperando um pouco o fundo abrir. Geralmente, eles fecham rápido.

Há um limite regulatório que considero ruim para os fundos previdenciários de ações. Eles podem investir no máximo 70% de sua carteira em papéis na bolsa. Para quem deseja ter uma carteira de fundos de previdência, como eu recomendo, seria melhor se esse fundo pudesse investir 100% do seu patrimônio em ações.

Neste caso, o limite obriga o investidor a colocar menos dinheiro nestes fundos, pois eles terão de pagar taxa de fundo de ação para que 30% do patrimônio seja diluído em outras aplicações.

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