Entenda qual o impacto da desaceleração da China na economia do Brasil
País asiático atravessa transição no modelo econômico de investimentos para maior consumo interno, além da crise no setor imobiliário
Por Rogério Piovezan
O dragão chinês encontrou (pelo menos por enquanto) um teto. O crescimento econômico de mais de 10% anual que alçou a China como segunda maior economia do mundo atingiu o patamar abaixo de 5% até agosto deste ano, conforme dados divulgados pelo Departamento Nacional de Estatísticas (DNE), do governo chinês. A desaceleração da China, um dos maiores investidores e parceiros comerciais no Brasil, traz alguns reflexos para a economia brasileira, mas cada setor deve absorver o impacto de diferentes formas, segundo especialistas.
A crise no setor imobiliário, o envelhecimento da população e a baixa taxa de natalidade estão entre os principais desafios para os chineses, fatores que afetam a economia e trazem reflexos para seus parceiros comerciais ao redor do mundo.
No lado das exportações brasileiras não deve haver impactos diretos e a comercialização de materiais brutos, artigos manufaturados, produtos alimentícios e animais vivos deve continuar a todo vapor. Entre os itens exportados, minério de ferro, soja, celulose, alumínio, cobre, couro, carne bovina, suína, trigo, centeio, açúcar, melaço e arroz. No ano passado, as vendas para a China bateram recorde de US$ 100 bilhões, segundo dados da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil).
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Já no campo dos investimentos estrangeiros diretos, o volume de recursos se reduziu. O valor investido no País pelos chineses foi o segundo mais baixo desde 2009, US$ 1,73 bilhão investidos no total em 2023, apesar do valor ter sido maior do que no ano anterior. No âmbito da América Latina, a China diminuiu o volume de investimentos nos últimos anos, mas apresentou um avanço nas “novas infraestruturas”, de acordo com estudo de Tulio Cariello, diretor de conteúdo e pesquisa do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC). “Incluem iniciativas em áreas que estão no centro dos planos de desenvolvimento de Pequim, como energias renováveis, mobilidade elétrica, tecnologia da informação, infraestrutura urbana e manufaturas de alto padrão”, afirma na pesquisa.
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Por que a China desacelerou?
As taxas de crescimento que a China mantinha ano após ano eram consideradas raras entre economistas, o que a fez receber a alcunha de “Milagre Econômico Chinês”. Por ser o segundo País mais populoso do mundo, os chineses tinham a vantagem da mão de obra, o que ajudou diversos trabalhadores a saírem da pobreza por meio do mercado de trabalho mais aquecido.
“Quando há uma massa grande de pessoas pobres transformada em trabalhadores e em consumidores, isso é muito bom para a economia”, destaca Paulo Feldmann, professor de economia internacional da Faculdade de Administração, Economia e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). “Na China não dá mais para fazer isso. O milagre chinês acabou. Qual país cresceu 4,7% ao ano? Só a China.”
Em agosto, os indicadores econômicos chineses apresentaram uma estabilidade diante de um ambiente mais complexo no exterior e, também, no campo doméstico com desastres naturais, chuvas fortes e inundações que afetaram a atividade econômica, de acordo com a agência estatal de notícias Xinhua.
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Na previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI), por meio do estudo World Economic Outlook de julho deste ano, o Produto Interno Bruto chinês deve desacelerar no próximo ano para 4,5%. No médio prazo, o FMI projeta uma desaceleração para 3,3% até 2029 por causa dos “ventos contrários do envelhecimento [da população] e da desaceleração do crescimento da produtividade”, conforme o estudo.
“A tendência de longo prazo é que as taxas de crescimento caiam, como têm caído. Há 10 anos, a China crescia 12%, chegou a crescer 13%, e foi diminuindo até chegar em 4,7%. A China está numa situação parecida com a maioria dos países”, observa Feldmann.
A contribuição na economia global, contudo, permanece elevada. “Quando a China crescia entre 2004 e 2010 a 10% ao ano, ela acrescentava na economia global, como parte do PIB global, em torno de US$ 200 a 600 bilhões por ano”, lembra o professor Niels Soendergaard, do Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB). “Neste momento, com a economia maior, embora cresça menos, a China deve acrescentar na economia mundial cerca de US$ 850 bilhões, no patamar de 4,7% ao ano. Ela acrescenta ainda mais na economia mundial, mais do que quando crescia mais rápido. Então, a China ainda é um mercado importante para o Brasil e o mundo. Nada indica que a China irá parar de crescer.”
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China: fatores que agravam a economia
O País asiático atravessa um momento de transição na economia, com maior foco no consumo interno e desafios em relação ao balanço desta equação com o envelhecimento da população e a crise no setor imobiliário, de acordo com ApexBrasil. Esse movimento de retomada de crescimento deve ser demorado, sofrido e não será nada rápido. É o que afirma Gilberto Cardoso, CEO da Tarraco Commodities e membro do Fórum Brasil Export.
“O que pesa no momento é realmente a desaceleração do mercado de construção civil e comerciais, que tem afetado a economia. É difícil fazer uma transição com essa crise. Isso deve perdurar mais alguns anos. Agora, o que o governo tenta fazer para aliviar essa transição é incentivar a volta do consumo e a volta do apetite aos investimentos em construção civil e comerciais”, destaca.
Segundo ele, o Banco Popular Chinês reduziu os juros de longo prazo para estimular a compra de casas em algumas regiões mais remotas e que antes eram vetadas. Essas compras contam com subsídio do governo. “Ao mesmo tempo, [o governo] tenta aliviar o balanço das construtoras que estão endividadas. É um conjunto de medidas que ainda não teve um resultado palpável”, diz.
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Impactos na economia chinesa no Brasil
Os impactos diretos já são sentidos há alguns anos com a gradativa redução no volume de investimentos diretos, apesar do número de projetos se manterem em níveis elevados que variam de 24 a 32 por ano, exceto durante a pandemia de Covid-19, em 2020. “O valor investido anualmente tem sido menor, com média de US$ 2,71 bilhões entre 2020 e 2023 – cifra 2,4 vezes inferior à média anual de US$ 6,53 bilhões verificada entre 2016 e 2019”, conforme estudo do CEBC.
Essa redução afeta áreas importantes na economia brasileira. O setor de eletricidade conta com 39% da participação dos chineses em termos de valor e de 66% em número de projetos. Em seguida, vem o setor automotivo com 33% do valor aportado, que, desde 2021, passou a ter um maior investimento em veículos 100% elétricos ou híbridos.
As regiões com maior número de projetos chineses, entre 2007 e 2023, são o Sudeste (54%), seguido pelo Nordeste (16%), Centro-Oeste (13%), Sul (9%) e Norte (7%). Na análise por unidade federativa, São Paulo segue na liderança, com participação de 36,2%, segundo o CEBC.
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Na relação comercial, os preços devem sofrer alterações em alguns produtos. “Com a tendência de queda da produção de aço na China, e, por outros fatores, as mineradoras globais têm acelerado a oferta. Com a demanda mais fraca e a oferta mais forte, naturalmente o preço médio de negociação cai. É um impacto negativo com menor receita em dólar”, ressalta Cardoso.
Outro movimento contrário traz reflexos negativos aos negócios do Brasil. “É o excesso de exportação de aço para o Brasil que impacta todas as siderúrgicas brasileiras. É um preço muito baixo do aço chinês chegando no País e impacta os preços no mercado global e, naturalmente, na competitividade dos produtos brasileiros”, diz ele.
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Cada setor da economia brasileira deve absorver esses efeitos à sua própria maneira. “Vale lembrar das exportações, pensando no curto prazo, a exportação distribui 25% de petróleo, 25% minério e 22% de soja. Está fortemente concentrado nessas três commodities. O agro vende bem para a China e este ano cresceu quase 10% de junho do ano passado para junho deste ano. Há uma tendência de aumento de consumo pelo mercado consumidor chinês, o que é bom para o Brasil como exportador de carne bovina e suína”, pontua Soendergaard.
Os projetos a longo prazo, conforme o professor, não devem ser impactados por causa do crescimento do PIB de um ano para outro, que geralmente se traduz em efeitos no curto e médio prazo. O que significa que o dragão chinês continua (bem ) vivo.
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